Santo Agostinho - Revista Espírita - Allan Kardec, Ano V, Agosto de 1862
Valor da prece
— A mesma pessoa [Sra. François Riquier] aludida no fato precedente, recebeu um dia a comunicação que se segue, cuja origem a princípio não compreendeu:
“Não me esquecestes e jamais o vosso Espírito teve para mim um sentimento de perdão. É verdade que vos fiz muito mal; mas há muito venho sendo punida por isto. Não parei de sofrer. Vejo que cumpris os vossos deveres com tanta coragem, para prover às necessidades de vossa família… mas a inveja não cessou de me devorar o coração. Vossa… (Aqui paramos para perguntar quem podia ser. O Espírito acrescentou: “Não me interrompais; darei meu nome quando terminar.”) …resignação, que acompanhei, foi um dos meus maiores sofrimentos. Tende um pouco de piedade de mim se, de fato, sois discípula do Cristo. Eu estava muito só na Terra, não obstante entre os meus, e a inveja foi o meu defeito mais grave. Foi por inveja que dominei vosso marido. Parecia que retomáveis o domínio sobre ele quando vos conheci e me interpus entre vós. Perdoai-me e tende coragem para que, por sua vez, Deus tenha piedade de vós. Minha irmã, que oprimi durante minha vida, é a única que tem orado por mim. Mas são as vossas preces que me faltam. As outras não trazem para mim o selo do perdão. Adeus; perdoai.
Angèle Rouget.”
Acrescenta aquela senhora: “Então me lembrei perfeitamente da mulher, morta há cerca de vinte e cinco anos, e na qual não pensava desde muitos anos. Pergunto-me como as preces de sua irmã, virtuosa e doce criatura, devotada, piedosa e resignada, não sejam mais frutuosas do que as minhas. Mesmo assim, orei e perdoei.”
Resposta. – O próprio Espírito dá a explicação quando diz: “As preces dos outros não trazem para mim o selo do perdão.” Com efeito, aquela senhora, a principal ofendida, tendo sofrido mais pela conduta da outra, saturava sua prece de perdão, o que deveria tocar ainda mais o Espírito culpado. Orando, sua irmã não fazia, por assim dizer, senão cumprir um dever; por outro lado, havia um ato de caridade. A ofendida tinha mais direito e mais mérito para pedir graça; seu perdão, pois, deveria tranquilizar mais o Espírito. Ora, sabe-se que o principal efeito da prece é agir sobre o moral do Espírito, seja para o acalmar, seja para o conduzir ao bem. Trazendo-o ao bem, ela apressa a clemência do Juiz Supremo, que sempre perdoa o pecador arrependido.
A justiça humana, em que pese a sua imperfeição em face da justiça divina, oferece-nos frequentes exemplos semelhantes. Se um homem for levado ao tribunal, por ofensas a alguém, ninguém o defenderá melhor, nem obterá mais facilmente a sua absolvição do que o próprio ofendido, vindo generosamente retirar a queixa.
— Após ter sido lido na Sociedade de Paris, a comunicação acima ensejou a seguinte pergunta, proposta por um de seus membros:
“Os Espíritos solicitam constantemente preces aos mortais. Será que os bons Espíritos não oram pelos sofredores? Nesse caso, por que as preces dos homens são mais eficazes?”
A resposta que se segue foi dada na mesma sessão, por Santo Agostinho, pelo médium E. Vézy:
“Orai sempre, meus filhos. Já vos disse: a prece é um orvalho benfazejo que deve tornar menos árida a terra ressequida. Venho repetir mais uma vez e acrescentar algumas palavras em resposta à pergunta que me dirigistes. Perguntais por que os Espíritos sofredores preferem pedir-vos preces que a nós. As preces dos mortais são mais eficazes que a dos bons Espíritos? – Quem vos disse que nossas preces não tinham a virtude de espalhar consolação e dar força aos Espíritos fracos, que não podem ir a Deus senão com dificuldade e, muitas vezes, sem coragem? Se imploram as vossas preces, é porque elas têm o mérito das emanações terrenas que, subindo voluntariamente a Deus, são sempre por eles aproveitadas, por procederem da vossa caridade e do vosso amor.
“Para vós orar é abnegação; para nós, um dever. O encarnado que ora pelo próximo cumpre a nobre tarefa dos puros Espíritos; sem lhes possuir a coragem e a força, realizam as suas maravilhas. É peculiar à nossa vida consolar o Espírito que sofre e passa por dificuldades; mas uma de vossas preces é o colar que tirais do pescoço para dá-lo ao indigente; é o pão que retirais de vossa mesa para dar a quem tem fome. É por isso que vossas preces são agradáveis a quem as escuta. Um pai não atende sempre à prece do filho pródigo? Não chama todos os servos para matar o vitelo gordo pelo retorno do filho culpado? Como não o faria ainda mais por aquele que, de joelhos, lhe vem dizer: “Ó meu pai, sou muito culpado; não vos peço graça, mas perdoai a meu irmão arrependido, mais fraco e menos culpado do que eu.” Oh! é então que o pai se enternece, arrancando do peito tudo quanto este possa conter em dons e em amor. E diz: “Estavas cheio de iniquidades e te confessaste criminoso; mas, compreendendo a enormidade de tuas faltas, não clamaste graça para ti; aceitas o sofrimento de meu castigo e, apesar de tuas torturas, tua voz tem força bastante para pedir por teu irmão!” Pois bem! o pai não quer ser menos caridoso que o filho: perdoa a ambos. A um e outro estende as mãos para que possam marchar direito na senda que conduz à sua glória.
“Eis a razão, meus filhos, pela qual os Espíritos sofredores, que vagueiam à vossa volta, imploram as vossas preces. Devemos orar; podeis orar. Prece do coração, és a alma das almas, se assim me posso exprimir; quintessência sublime que sobe, sempre casta, bela e radiosa, para a alma mais vasta de Deus.”
Santo Agostinho
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