Hércio Marcos Cintra Arantes - Livro Amor Sem Adeus - Mensagens familiares de Walter Perrone / Chico Xavier - Cap. 6
Desencarnações prematuras e violentas
Em todos os quadrantes de nossa “casa planetária”, um acontecimento natural ocorre incessantemente, ainda inaceitável pela maioria esmagadora das criaturas: a morte.
Quando em plenitude de saúde, os nossos pensamentos estão sempre voltados para as lutas do dia a dia, dirigidos às atividades rotineiras do trabalho ou do lazer, e esse inevitável fenômeno dificilmente é lembrado ou analisado seriamente.
Inclusive, há quem diz que prefere — mesmo com tempo disponível para perquirições, além das rotineiras, ou já na senectude — não pensar na morte! Se tudo está bem, porque cogitar do assunto?
Consequentemente, a morte nos colhe sempre de surpresa.
Diante de um fato inevitável, que ocorrerá conosco e com os nossos entes amados, a lógica recomenda-nos preparar para enfrentá-lo. Enfrentar e aceitar o acontecimento com o máximo de equilíbrio possível, que só poderá ser alcançado com a compreensão plena das leis que regem o fenômeno. Não podemos ir de encontro às Leis da Natureza, pelo contrário, o bom-senso aconselha-nos o estudo e a meditação das mesmas.
É indiscutível que a extinção da vida física, embora represente a execução de uma lei, que atinge a todos os seres vivos, permaneça inaceitável, e, inclusive temida pela maioria das pessoas.
Quais são as causas do temor da morte?
Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita, analisando tão palpitante e sempre atualizado tema, fez alentado estudo do qual focalizaremos os tópicos, a nosso ver, fundamentais:
a) “A crença da imortalidade é intuitiva e muito mais generalizada do que a do nada. Entretanto, a maior parte dos que nele creem apresentam-se-nos possuídos de grande amor às coisas terrenas e temerosos da morte! Por quê?
b) Este temor é um efeito da sabedoria da Providência e uma consequência, do instinto de conservação comum a todos os viventes. Ele é necessário enquanto não se está suficientemente esclarecido sobre as condições da vida futura, como contrapeso à tendência que, sem esse freio, nos levaria a deixar prematuramente a vida, e a negligenciar o trabalho terreno que deve servir ao nosso próprio adiantamento. Assim é que, nos povos primitivos, o futuro é uma vaga intuição, mais tarde tornada simples esperança e, finalmente, uma certeza apenas atenuada por secreto apego à vida corporal.
c) A proporção que o homem compreende melhor a vida futura, o temor da morte diminui; uma vez esclarecida a sua missão terrena, aguarda-lhe o fim calma, resignada e serenamente. A certeza da vida futura dá-lhe outro curso às ideias, outro fito ao trabalho; antes dela nada que se não prenda ao presente; depois dela tudo pelo futuro sem desprezo do presente, porque sabe que aquele depende da boa ou da má direção deste. A certeza de reencontrar seus amigos depois da morte, de reatar as relações que tivera na Terra, de não perder um só fruto do seu trabalho, de engrandecer-se incessantemente em inteligência, perfeição, dá-lhe paciência para esperar e coragem para suportar as fadigas transitórias da vida terrestre. A solidariedade entre vivos e mortos faz-lhe compreender a que deve existir na Terra, onde a fraternidade e a caridade têm desde então um fim e uma razão de ser, no presente como no futuro.
d) A Doutrina Espírita transforma completamente a perspectiva do futuro. A vida futura deixa de ser hipótese para ser realidade. O estado das almas depois da morte não é mais um sistema, porém o resultado da observação. Ergueu-se o véu; o mundo espiritual aparece-nos na plenitude de sua realidade prática; não foram os homens que o descobriram pelo esforço de uma concepção engenhosa, são as próprios habitantes desse mundo que nos vêm descrever a sua situação; aí os vemos em todos os graus da escala espiritual, em todas as fases da felicidade e da desgraça, assistindo, enfim, a todas as peripécias da vida de além-túmulo.” [1]
O vale da morte nunca foi uma barreira intransponível, separando-nos de forma absoluta daqueles que nos precederam na viagem de retorno à Pátria Espiritual.
E, consequentemente, as manifestações dos Espíritos se fizeram sentir em todas as épocas da Humanidade, ora mais, ora menos ostensivamente, alertando-nos para as realidades extrafísicas.
Walter Perrone é mais um habitante do chamado Mundo Invisível que nos vem erguer o véu da vida espiritual, expondo-nos a sua nova situação com características pessoais e marcantes, além de citar fatos e nomes, desconhecidos totalmente do médium, somente identificáveis pelos seus íntimos.
Com outras palavras, diremos que a sua carta veio pelo correio mediúnico com o selo da autenticidade.
A habitual repulsa ao fenômeno da morte frequentemente assume proporções de desespero e de revolta nas situações em que os nossos entes queridos são atingidos por ela inesperadamente, principalmente quando de forma violenta.
As desencarnações violentas constituem um tema de estudo dos mais oportunos na época atual. Quem assiste a esses dolorosos acontecimentos ouve sempre as angustiantes exclamações:
— Não posso conformar-me com essa morte!
— Mau Deus, que infelicidade caiu sobre minha família!
— Por que aconteceu essa tragédia, logo comigo?
É a dor dilacerante da separação entre criaturas amadas que amarfanha os corações e impulsiona as mentes dos que ficam, diante dos que partem, a clamar aos céus suplicando, muitas vezes, com o timbre da revolta, uma resposta ou um consolo que possa atenuar os seus sofrimentos.
O desenlace do jovem Walter, como sabemos, ocorreu de forma inesperada.
Como ele viu o acontecimento, do outro lado da vida, após seis meses?
— Tudo que sucedeu veio pelo melhor que nos podia buscar. Aos poucos vou estudando os assuntos para compreendê-los. Vou demorar a saber tudo, porque para isso, amados meus, será preciso tranquilidade para conhecer as situações e reconhecer-nos dentro delas, mas saberemos tudo no momento oportuno… Meu Deus, a vida é maravilhosa, e sublime também é a dor que nos desperta a iluminar-nos com a bênção de nova compreensão.
Evidentemente, nessa época, Walter já havia recebido lições valiosas de Mentores Espirituais, permitindo-lhe afirmar que tudo sucedeu pelo melhor, para si e para a família.
Quais teriam sido essas lições?
O ponto de partida para o estudo do problema, em tela, é a compreensão de que Deus, Nosso Pai, estabeleceu leis universais — sábias, justas e misericordiosas — norteadoras dos nossos destinos, leis totalmente voltadas para o nosso Bem, permitindo-nos um constante progresso espiritual.
Basta compreendermos um dos princípios que rege a nossa evolução espiritual — a lei da reencarnação — para que o horizonte de nosso entendimento se dilate consideravelmente frente às dores físicas e morais e às aparentes injustiças do nosso mundo.
Somos Espíritos imortais, encarnados ou desencarnados, que, através da lei dos renascimentos, caminhamos para a perfeição. A evolução é eterna, gradativa, exigindo de cada um de nós contínuo esforço pela aquisição do amor e da sabedoria.
Assim, entendemos que em cada nova imersão no casulo da carne, exteriorizamos as virtudes carentes de maior burilamento, e as más tendências que necessitam de correção, trazidas do pretérito.
Todo esse processo evolutivo não se desenvolve ao acaso. O acaso não existe.
Na irrefreável marcha do progresso espiritual, somos influenciados por condições orgânicas e ambientais: das quais o nosso modo de pensar, sentir e agir dependeria, exclusivamente, segundo a corrente filosófica do determinismo. A atuação desses fatores é indiscutível, mas, além deles, há o nosso “eu” espiritual que pensa e age influenciando, reciprocamente, o próprio veículo físico e o ambiente que o cerca.
Desta forma, atuamos com um livre-arbítrio que nos é peculiar, facultando-nos a escolha, entre o bem e o mal. Embora relativa, tal liberdade nos torna responsáveis pelos nossos atos, que, em todos os dias, participam consideravelmente na estruturação do nosso destino.
Há o determinismo e o livre-arbítrio, ao mesmo tempo, na existência humana?
Em síntese admirável, Emmanuel nos responde:
“Determinismo e livre-arbítrio coexistem na vida, entrosando-se na estrada dos destinos, para a elevação e redenção dos homens.
O primeiro é absoluto nas mais baixas camadas evolutivas, e o segundo amplia-se com os valores da educação e da experiência. Acresce observar que sobre ambos pairam as determinações divinas, baseadas na lei do amor, sagrada e única, da qual a profecia foi sempre o mais eloquente testemunho.
Não verificais, atualmente, as realizações previstas pelos emissários do Senhor há dois e quatro milênios, no divino simbolismo das Escrituras?
Estabelecida a verdade de que o homem é livre na pauta de sua educação e de seus méritos, na lei das provas, cumpre-nos reconhecer que o próprio homem, à medida que se torna responsável, organiza o determinismo da sua existência, agravando-o ou amenizando-lhe os rigores, até poder elevar-se definitivamente aos Planos superiores do Universo.” [2]
Analisando, detidamente, todas estas causas que traçam os rumos do nosso destino, chegaremos a várias e importantes conclusões, tais como:
Recebemos, na Terra, o corpo que merecemos e de que necessitamos.
Ao renascermos, o lar que nos acolhe é o melhor que poderíamos encontrar, pois não só estamos ligados aos familiares por vínculos consanguíneos, mas, fundamentalmente, por laços e compromissos espirituais tecidos no Mundo Maior e no encadeamento das vidas terrenas, sucessivas.
Em cada nova jornada terrestre, trazemos um plano de trabalho, organizado no Alto, baseado em nossas necessidades espirituais. Deste plano constam, invariavelmente, provas e expiações. Provas são as dificuldades e lutas com vistas à nossa edificação espiritual. Expiações são os resgates de dívidas do passado. Não desconhecemos que colhemos no presente o que semeamos no passado, assim como a semeadura de hoje, facultada pelo livre-arbítrio, define uma obrigação inevitável de colheita no futuro. É a lei de causa e efeito, regendo as nossas vidas.
O grande escritor francês, Léon Denis, dá a esta lei também os nomes de lei de justiça e lei de responsabilidade, conceituando-a assim: “…não é, em essência, senão a lei de harmonia; determina as consequências dos atos que livremente praticamos. Não pune nem recompensa mas preside simplesmente à ordem, ao equilíbrio do mundo moral como ao do mundo físico. Todo dano causado à ordem universal acarreta causas de sofrimento e uma reparação necessária até que, mediante os cuidados do culpado, a harmonia violada seja restabelecida.” [3]
E assaz interessante a comparação entre as leis que governam o equilíbrio do mundo moral com as do mundo físico, pois, assim como leis cósmicas nos presidem a experiência física, invariáveis leis morais nos comandam o Espírito imortal.
Definindo com clareza e precisão as consequências dos nossos atos ante a Vida, Denis escreveu a seguir: “O bem e o mal praticados constituem a única regra do destino. Sobre todas as coisas exerce influência uma lei grande e poderosa, em virtude da qual cada ser vivo do Universo só pode gozar da situação correspondente a seus méritos. A nossa felicidade, apesar das aparências enganadoras, está sempre em relação direta com a nossa capacidade para o bem; e essa lei acha completa aplicação nas reencarnações da alma. É ela que fixa as condições de cada renascimento e traça as linhas principais dos nossos destinos. Por isso há maus que parecem felizes, ao passo que justos sofrem excessivamente. A hora da reparação soou para estes e, breve, soará para aqueles.” [4]
Sabendo que o Criador desta lei é Todo-Misericordioso, afigura-se-nos perfeitamente compreensível a pergunta: a lei da prova e da expiação é inflexível?
Fundamentado no Novo Testamento, Emmanuel nos elucida:
“Os tribunais da justiça humana, apesar de imperfeitos, por vezes não comutam as penas e não beneficiam os delinquentes com o “sursis”?
A inflexibilidade e a dureza não existem para a misericórdia divina, que, conforme a conduta do Espírito encarnado, pode dispensar na lei, em benefício do homem, quando a sua existência já demonstre certas expressões do amor que cobre a multidão dos pecados.” [5]
Pois, se o Velho Testamento foi o primeiro manancial das revelações da Lei Divina, onde brilham os dez mandamentos recebidos por Moisés, constituindo até hoje o fundamento de todos os códigos da justiça terrestre; o Novo Testamento — escrínio das luzes do Evangelho e das mensagens apostólicas — veio, no momento oportuno, revelar à Humanidade a outra face da Lei: a do Amor. Moisés, o austero missionário da Justiça, ensinava: “Olho por olho, dente por dente”, mas, Jesus, o meigo nazareno, muitos séculos depois esclareceria: “Amareis a Deus acima de todas as coisas e o próximo como a vós mesmos. Toda a lei e os profetas se acham contidos nesses dois mandamentos.” (Mateus, 22:34 a 40).
As causas das aflições humanas, vistas a lume da lei de causa e efeito, foram analisadas com profundidade por Allan Kardec.
Dividiu-as em atuais e anteriores à presente existência. As primeiras levam-nos ao sofrimento, em virtude da nossa própria conduta infeliz na vida atual. Ao comentá-las, foi categórico: “Os males dessa natureza formam, seguramente, um notável contingente nas vicissitudes da vida; o homem as evitará quando trabalhar para seu aprimoramento moral e intelectual.” [6]
Abordando as causas anteriores à vida atual, nascidas de males cometidos em existências passadas, explica-nos o porquê de tantas dores, aparentemente incompatíveis com a justiça e o amor de Deus, tais como: as doenças congênitas, os acidentes imprevisíveis e inevitáveis, os flagelos naturais, a perda precoce de seres queridos.
Nesse mesmo capítulo — como fez em quase todos os demais da aludida obra, que elucida as máximas morais evangélicas em face dos ensinamentos dos Espíritos do Senhor, ensinamentos que fundamentaram a Codificação da Doutrina Espírita —, Kardec registrou as “Instruções dos Espíritos” pertinentes ao tema em estudo. Dentre estas, destacaremos a mensagem de Sanson, intitulada: “Perda de pessoas amadas. Mortes prematuras”, por focalizar exatamente o assunto de nossas reflexões.
Sanson nos mostra com argumentação convincente que o desespero e a revolta, habituais em nossa conduta frente a essas situações, não se justificam. Consola e orienta os familiares que passam pela compreensível e inevitável dor da separação, dirigindo-se especialmente às progenitoras:
“Mães, sabeis que vossos filhos bem-amados estão perto de vós; sim, bem perto; seus corpos fluídicos vos cercam, seus pensamentos vos protegem, vossa lembrança os embriaga de alegria; mas também vossas dores desarrazoadas os afligem, porque elas denotam uma falta de fé e são uma revolta contra a vontade de Deus.” [7]
As mensagens do Além frequentemente confirmam as palavras de Sanson.
O apelo de Walter Perrone não fugiu a essa orientação, porque a atitude mental dos que ficam é fundamental para o equilíbrio emocional dos que partem para a Vida Maior:
— Não chore mais, querida mãezinha, suas lágrimas chegam a mim e me transtornam… Mamãe, não continue assim mergulhada nas ideias da morte, porque a vida prossegue.
O momento da morte, bem como a sua causa, não estão sujeitos aos chamados “caprichos de um destino cego”, que, se reais, iriam frontalmente de encontro à misericórdia e à justiça de Deus.
Vimos que o nosso destino é resultante da interação do livre-arbítrio e do determinismo, pairando sobre estes dois fatores as Diretrizes Superiores que nos governam a vida.
Por exemplo, um Espírito, antes de um novo mergulho na carne, ciente dos atos praticados em encarnações anteriores, examina detidamente os seus débitos e créditos, análise indispensável para novos empreendimentos com vistas a sua evolução espiritual. Se chegar à conclusão, com o auxílio de Benfeitores Celestes, que precisa passar — bem como os seus futuros familiares — pela prova de um desenlace na infância ou na juventude, este será o seu destino. Um destino doloroso para todos, mas justo e necessário em face das leis naturais que norteiam o progresso espiritual da Humanidade.
As diretrizes fundamentais de uma nova encarnação, como a da forma e do instante do passamento, sempre ficam registradas no subconsciente, ou melhor, nos “arquivos profundos” da memória espiritual do reencarnante, como também, muitas vezes, registradas pelos familiares mais próximos, conhecedores dos fatos antes de se reencarnarem. O grau de fixação de tais informes depende do nível evolutivo de cada um. É oportuno lembrarmos também a possibilidade de tomarmos conhecimento de informações tão importantes, quando já habitamos o vaso físico, em estado de vigília (pela intuição) ou nos momentos de desprendimento espiritual durante o sono. Todas estas modalidades de informações, colhidas antes ou depois da reencarnação, caracterizam a premonição ou o pressentimento.
Daí os lances de inexplicável serenidade observados em muitas criaturas, no leito de dor, à beira da morte… a aceitação resignada dos que cercam o corpo de uma pessoa querida que partiu de forma brusca e inesperada… como que já esperavam, de há muito, o acontecimento.
Evidentemente, tão só os pressentimentos, não estruturam as reações emocionais frente aos grandes momentos da existência, mas, atenuando o impacto dos mesmos, ajudam nos a resguardar o coração das explosões emotivas e a imunizar a mente das revoltas intempestivas, permitindo-nos raciocinar e atuar com o melhor equilíbrio possível.
“— Não há de fatal, no verdadeiro sentido tia palavra, senão o instante da morte. Quando esse momento chega, seja por um meio ou por outro, vós não podeis dele vos livrar.” [8]
Esta foi a clara e concisa resposta dos Espíritos a Allan Kardec, quando interpelados sobre a possível fatalidade da morte.
Ao receber este esclarecimento, o Codificador interrogou-os de pronto:
“— Assim, qualquer que seja o perigo que nos ameace, nós não morremos, se a hora não é chegada?” [9]
Obtendo a resposta:
“— Não, tu não perecerás, e disso tens milhares de exemplos. Mas, quando é chegada a tua hora de partir, nada pode subtrair-te dela. Deus sabe, antecipadamente, de qual gênero de morte tu partirás daqui e, frequentemente, teu Espírito o sabe também, porque isso lhe é revelado, quando ele faz a escolha de tal ou tal existência.”
Estas elucidações levam-nos, forçosamente, a meditar sobre questão tão grave, com implicações profundas em nossa vida.
O Espírito de Sanson, em sua mensagem anteriormente citada, também nos chamou a atenção da “sábia previdência” onde pensamos divisar “a cega fatalidade do destino”, com estas palavras:
“Quando a morte vem ceifar nas vossas famílias, levando sem moderação as pessoas jovens ao invés das velhas, dizeis frequentemente: Deus não é justo, uma vez que sacrifica esse que é forte e pleno de futuro, para conservar aqueles que viveram longos anos plenos de decepções; uma vez que leva aqueles que são úteis e deixa aqueles que não servem mais para nada; uma vez que parte o coração de uma mãe privando-a da inocente criatura que fazia toda a sua alegria.
Humanos, é nisto que vós tendes necessidade de vos elevar acima do terra-a-terra da vida, para compreender que o bem, frequentemente, está onde credes ver o mal, a sábia previdência aí onde credes ver a cega fatalidade do destino. Por que medir a justiça divina pelo valor da vossa? Podeis pensar que o senhor dos mundos queira, por um simples capricho, vos infligir penas cruéis? Nada se faz sem um objetivo inteligente e, qualquer que seja ao que se chegue, cada coisa tem sua razão de ser.”
Como compreender o ato do suicídio em face da fatalidade da morte?
Alguém estaria predestinado a tal tipo de desencarnação?
Não. Jamais há fatalidade para os atos conscientes da vida.
“…confundis sempre duas coisas bem distintas:” — alertam-nos os Espíritos, respondendo à questão 861 de O Livro dos Espíritos — “os acontecimentos materiais da vida e os atos da vida moral. Se, algumas vezes, há fatalidade, é nos acontecimentos materiais cuja causa está fora de vós, e que são independentes da vossa vontade. Quanto aos atos da vida moral, eles emanam sempre do próprio homem, que tem sempre, por conseguinte, a liberdade de escolha; para esses atos, pois, jamais há fatalidade.”
Este é o mesmo pensamento de Emmanuel, externado ao responder à incisiva pergunta:
“— É fatal o instante da morte?
— Com exceção do suicídio, todos os casos de desencarnação são determinados previamente pelas forças espirituais que orientam a atividade do homem sobre a Terra.
Esclarecendo-vos quanto a essa exceção, devemos considerar que, se o homem é escravo das condições externas da sua vida no orbe, é livre no mundo íntimo, razão por que, trazendo no seu mapa de provas a tentação de desertar da vida expiatória e retificadora, contrai um débito penoso aquele que se arruína, desmantelando as próprias energias.
A educação e a iluminação do íntimo constituem o amor ao santuário de Deus em nossa, alma. Quem as realiza em si, na profundeza da liberdade interior, pode modificar o determinismo das condições materiais de sua existência, alçando-a para a luz e para, o bem. Os que eliminam, contudo, as suas energias próprias, atentam contra a luz divina que palpita em si mesmos. Daí o complexo de suas dívidas dolorosas.
E existem ainda os suicídios lentos e gradativos, provocados pela ambição ou pela inércia, pelo abuso ou pela inconsideração, tão perigosos para a vida da alma, quanto as que se observam, de modo espetacular, entre as lutas do mundo.
Essa a razão pela qual tantas vezes se batem os instrutores dos encarnados, pela necessidade permanente de oração e de vigilância, a fim de que os seus amigos não fracassem nas tentações.” [10]
Quando Walter se dirigiu aos familiares, não só deu um eloquente testemunho da imortalidade, como exalçou um tema básico, fundamental em qualquer análise atenta, que se faça dos problemas, grandes ou pequenos, de nossa existência: Deus está em nós e devemos permanecer em Deus.
Com esta frase lapidar, concitou os seus e a todos nós a meditar, mais detidamente, nos fatores transcendentes que regem as mínimos fenômenos da vida.
Há séculos e séculos a Humanidade vem recebendo, incessantemente, esclarecimentos superiores, reveladores da Paternidade e do Amor Infinito do Criador.
Nunca é demais recordar alguns clarões da Verdade que, vencendo as barreiras do tempo, iluminam até hoje o pensamento humano: quando Jesus — o Guia Espiritual da Terra —, ao ensinar-nos a orar, assim iniciou a súplica a Deus: “Pai Nosso, que estais nos céus…” (Mateus, 6:9); e o apóstolo Paulo, em seu célebre discurso no Areópago de Atenas, apesar de enfrentar um ambiente de incompreensão e hostilidade, não titubeou em afirmar, referindo-se a Deus: “Porque nele viemos, e nos movemos, e existimos.” (Atos, 17:28).
Somente com uma compreensão maior da Providência Divina — a tudo presidindo, regendo leis sábias e justas com o objetivo de impulsionar-nos para a perfeição espiritual — é que poderemos enfrentar as duríssimas situações em que as mortes prematuras e/ou violentas nos colocam. O entendimento desta Assistência Superior gera em nós paz íntima, e, embora derramemos lágrimas sinceras à ebulição da dor inevitável da separação, não nos revoltaremos.
Hércio Marcos Cintra Arantes
[1] KARDEC, Allan — O Céu e o Inferno ou A Justiça Divina segundo o Espiritismo. 21ª ed., rev., trad. do francês por Manuel J. Quintão, Rio de Janeiro, FEB [1974] cap. II.
[2] XAVIER, Francisco Cândido — O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel. 6ª ed., Rio de Janeiro, FEB [1976] q. 132.
[3] LÉON DENIS — O problema do ser, do destino e da dor. 9ª ed., Rio de Janeiro, FEB [1975] p. 168.
[4] Id. Ibid., p. 168.
[5] XAVIER, Francisco Cândido — O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel, q. 247.
[6] KARDEC, Allan — O Evangelho segundo o Espiritismo. 1ª ed., trad. do francês por Salvador Gentile, Araras (SP). IDE [1978] cap. V, p. 72.
[7] Op. Cit., cap. V, p. 86.
[8] KARDEC, Allan — O Livro dos Espíritos. 3ª ed., trad. do francês por Salvador Gentile, Araras (SP), IDE [1977] q. 853.
[9] Id. Ibid., q. 853.
[10] XAVIER, Francisco Cândido — O Consolador. Pelo Espírito Emmanuel, q. 146.
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