Manoel Philomeno de Miranda - Livro Tramas do Destino - Divaldo P. Franco - Cap. 19
Felicidade, desdita e nós
Agora, Lisandra discernia e compreendia o que é ser responsável pelos próprios atos e, pela vez primeira, deu-se conta dos desatinos da sua insensatez e de quanto a genitora – que de nada se queixava – devia amargar, asfixiada no silêncio do martírio.
Lembrou-se, então, de cenas que presenciara no lar, com o pai agressivo e a resignação materna, o posterior internamento de Rafael na Colônia de Hansenianos e a indescritível angústia que lhe sombreara os olhos claros, que perderam o fulgor primitivo.
Pensou na tia Hermelinda, que sacrificara a própria vida para ajudá-los, sem qualquer azedume ou reclamação, e que, ainda, como a própria mãe, se sentia agradecida a Deus!...
Perguntou-se, então, por que se sentia tão infeliz, e todos ouviram sua débil voz indagar:
"Por que sou tão infeliz?"
D. Artêmis, que retinha na sua a mão da filha, respondeu:
"Porque a felicidade se encontra onde cada qual coloca o coração, conforme ensinou Jesus. Se você situa as aspirações no prazer fugidiço, no ouro mentiroso e nas paixões que ardem e se apagam breve, a sua ausência produz a desdita. No entanto, se pensa em paz de consciência, retidão moral e dever corretamente cumprido, como metas de dignidade e honradez, a ventura se estabelecerá no coração tranquilo..."
A mãe explicou-lhe, então, que a Terra não é fim, destino, mas é meio, escola, recurso de que nos utilizamos para ascender a planos realmente ditosos.
"Quem deseja usufruir sem merecer, receber sem dar, colher sem haver semeado, é obrigado a furtar e converte-se em indigno beneficiário da vida, que lhe impõe recomeços difíceis", acrescentou Artêmis.
"Todos podemos conseguir a felicidade, se soubermos e quisermos bem conduzir nossas aspirações. Muitos desejariam um pomar referto, um jardim de messes... Por não consegui-los, desalentam-se, esquecidos de que também poderiam tornar-se um arbusto verde no caminho pedregoso, adornando a estrada adusta, ou uma árvore sobranceira, mesmo solitária, quebrando a inclemência e aridez da terra..."
Dito isto, Artêmis concluiu: "Felicidade, minha filha, é o bem que fazemos, não o gozo que fruímos. Não vemos os mesmos desaires entre opulentos e miseráveis, as mesmas tragédias nos palcos da glória e do fracasso, os mesmos desassossegos nos palácios e nas taperas?
"A felicidade não resulta do que se tem e do que se frui, mas do que se é e do que se faz.
"Jesus, podendo permanecer no sólio do Altíssimo, conviveu com as sombras hórridas dos vales humanos, a fim de clarear com insuperável luz as baixadas em que chafurdam as criaturas, fazendo-as anelar pelas claridades estelares do infinito".
A genitora de Lisandra ainda disse outras palavras animadoras, lembrando à filha a necessidade de sair do egoísmo vexatório, insatisfeito, fator da sua inquietação, para descortinar belezas e esperanças. Era indispensável, enfim, abrir-se à luz, arrebentando as lentes enfumaçadas através das quais ela olhara a vida até aquele momento...
O Dr. Armando, que a ouvia fascinado, aplaudiu as palavras da mãe de Lisandra, que na verdade falara sob a inspiração de Adelaide. Lisandra disse-lhe então que sua mãe era espírita, o que foi recebido com alegria pelo médico, que também disse militar nas fileiras do Consolador, onde encontrara o consolo para as feridas da alma, após o acidente com seu filho Wander.
Manoel Philomeno de Miranda
(Cap. 19, págs. 176, 177 e 178)
Fonte: Tramas do Destino-pdf
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