segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Léon Denis - Livro O Problema do Ser, do Destino e da Dor - Cap. 24 - A disciplina do pensamento e a reforma do caráter




Léon Denis - Livro O Problema do Ser, do Destino e da Dor - Cap. 24 


A disciplina do pensamento e a reforma do caráter


O pensamento, dizíamos, é criador. Não atua somente em torno de nós, influenciando nossos semelhantes para o bem ou para o mal; atua principalmente em nós; gera nossas palavras, nossas ações e, com ele, construímos, dia a dia, o edifício grandioso ou miserável de nossa vida presente e futura.

Modelamos nossa alma e seu invólucro com os nossos pensamentos; estes produzem formas, imagens que se imprimem na matéria sutil, de que o corpo fluídico é composto. Assim, pouco a pouco, nosso ser povoa-se de formas frívolas ou austeras, graciosas ou terríveis, grosseiras ou sublimes; a alma se enobrece, embeleza ou cria uma atmosfera de fealdade. Segundo o ideal a que visa, a chama interior aviva-se ou obscurece-se. Não há assunto mais importante que o estudo do pensamento, seus poderes e sua ação. É a causa inicial de nossa elevação ou de nosso rebaixamento; prepara todas as descobertas da Ciência, todas as maravilhas da Arte, mas também todas as misérias e todas as vergonhas da humanidade. Segundo o impulso dado, funda ou destrói as instituições como os impérios, os caracteres como as consciências. O homem só é grande, só tem valor pelo seu pensamento; por ele suas obras irradiam e se perpetuam através dos séculos.

O Espiritualismo experimental, muito melhor que as doutrinas anteriores, permite-nos perceber, compreender toda a força de projeção do pensamento, que é o princípio da comunhão universal. Vemo-lo agir no fenômeno espírita, que facilita ou dificulta; seu papel nas sessões de experimentação é sempre considerável. A telepatia demonstrou-nos que as almas podem impressionar-se, influenciar-se a todas as distâncias; é o meio de que se servem as humanidades do espaço para comunicarem entre si através das imensidades siderais. Em qualquer campo das atividades sociais, em todos os domínios do mundo visível ou invisível, a ação do pensamento é soberana; não é menor sua ação, repetimos, em nós mesmos, modificando constantemente nossa natureza íntima.

As vibrações de nossos pensamentos, de nossas palavras, renovando-se em sentido uniforme, expulsam de nosso invólucro os elementos que não podem vibrar em harmonia com elas; atraem elementos similares que acentua as tendências do ser. Uma obra, muitas vezes inconsciente, elabora-se; mil obreiros misteriosos trabalham na sombra; nas profundezas da alma esboça-se um destino inteiro; em sua ganga o diamante purifica-se ou perde o brilho.

Se meditarmos em assuntos elevados, na sabedoria, no dever, no sacrifício, nosso ser impregna-se, pouco a pouco, das qualidades de nosso pensamento. É por isso que a prece improvisada, ardente, o impulso da alma para as potências infinitas, tem tanta virtude. Nesse diálogo solene do ser com sua causa, o influxo do Alto invade-nos e desperta sentidos novos. A compreensão, a consciência da vida aumenta e sentimos, melhor do que se pode exprimir, a gravidade e a grandeza da mais humilde das existências. A oração, a comunhão pelo pensamento com o universo espiritual e divino é o esforço da alma para a beleza e para a verdade eternas; é a entrada, por um instante, nas esferas da vida real e superior, aquela que não tem termo.

Se, ao contrário, nosso pensamento é inspirado por maus desejos, pela paixão, pelo ciúme, pelo ódio, as imagens que cria sucedem-se, acumulam-se em nosso corpo fluídico e o entenebrecem. Assim, podemos à vontade fazer em nós a luz ou a sombra, o que afirmam tantas comunicações de além-túmulo. Somos o que pensamos, com a condição de pensarmos com força, vontade e persistência. Mas, quase sempre, nossos pensamentos passam constantemente de um a outro assunto. Pensamos raras vezes por nós mesmos, refletimos os mil pensamentos incoerentes do meio em que vivemos. Poucos homens sabem viver do próprio pensamento, beber nas fontes profundas, nesse grande reservatório de inspiração que cada um traz consigo, mas que a maior parte ignora. Por isso criam um invólucro povoado das mais disparatadas formas. Seu Espírito é como uma habitação franca a todos os que passam. Os raios do bem e as sombras do mal lá se confundem, num caos perpétuo. É o combate incessante da paixão e do dever, em que, quase sempre, a paixão sai vitoriosa. Antes de tudo, é preciso aprender a fiscalizar os pensamentos, a discipliná-los, a imprimir-lhes uma direção determinada, um fim nobre e digno. A fiscalização dos pensamentos implica a fiscalização dos atos, porque, se uns são bons, os outros sê-lo-ão igualmente, e todo o nosso procedimento achar-se-á regulado por uma concatenação harmônica. Todavia, se nossos atos são bons e nossos pensamentos maus, apenas haverá uma falsa aparência do bem e continuaremos a trazer em nós um foco malfazejo, cujas influências, mais cedo ou mais tarde, derramar-se-ão fatalmente sobre nossa vida.

Às vezes observamos uma contradição surpreendente entre os pensamentos, os escritos e as ações de certos homens, e somos levados, por essa mesma contradição, a duvidar de sua boa-fé, de sua sinceridade. Muitas vezes não há mais do que uma interpretação errônea de nossa parte. Os atos desses homens resultam do impulso surdo dos pensamentos e das forças que eles acumularam em si no passado. Suas aspirações atuais, mais elevadas, seus pensamentos mais generosos traduzir-se-ão em atos no futuro. Assim, tudo se combina e explica quando se consideram as coisas do largo ponto de vista da evolução; ao passo que tudo fica obscuro, incompreensível, contraditório, com a teoria de uma vida única para cada um de nós.

É bom viver em contato pelo pensamento com os escritores de gênio, com os autores verdadeiramente grandes de todos os tempos e países, lendo, meditando suas obras, impregnando todo o nosso ser da substância de sua alma. As radiações de seus pensamentos despertarão em nós efeitos semelhantes e produzirão, com o tempo, modificações de nosso caráter pela própria natureza das impressões sentidas.

E necessário escolhermos com cuidado nossas leituras, depois amadurecê-las e assimilar-lhes a quintessência. Em geral lê-se demais, lê-se depressa e não se medita. Seria preferível ler menos e refletir mais no que se leu. É um meio seguro de fortalecer nossa inteligência, de colher os frutos de sabedoria e beleza que podem conter nossas leituras. Nisso, como em todas as coisas, o belo atrai e gera o belo, do mesmo modo que a bondade atrai a felicidade, como o mal atrai o sofrimento. O estudo silencioso e recolhido é sempre fecundo para o desenvolvimento do pensamento. É no silêncio que se elaboram as grandes obras. A palavra é brilhante, mas degenera demasiadas vezes em conversas estéreis, às vezes maléficas; com isso, o pensamento se enfraquece e a alma esvazia-se. Ao passo que na meditação o Espírito se concentra, volta-se para o lado grave e solene das coisas; a luz do mundo espiritual banha-o com suas ondas. Há em volta do pensador grandes seres invisíveis que só querem inspirá-lo; é à meia-luz das horas tranquilas ou então à claridade discreta da lâmpada de trabalho que melhor podem entrar em comunhão com ele. Em toda parte e sempre uma vida oculta mistura-se com a nossa.

Evitemos as discussões ruidosas, as palavras vãs, as leituras frívolas. Sejamos sóbrios em relação aos jornais, pois a sua leitura, fazendo-nos passar continuamente de um assunto para outro, torna o Espírito ainda mais instável. Vivemos numa época de anemia intelectual, que é causada pela raridade dos estudos sérios, pela procura abusiva da palavra pela palavra, da forma enfeitada e oca, e, principalmente, pela insuficiência dos educadores da mocidade. Apliquemo-nos a obras mais substanciais, a tudo o que pode esclarecer-nos a respeito das leis profundas da vida e facilitar nossa evolução. Pouco a pouco, edificar-se-ão em nós uma inteligência e uma consciência mais fortes e nosso corpo fluídico iluminar-se-á com os reflexos de um pensamento elevado e puro.

Dissemos que a alma oculta profundezas onde o pensamento raras vezes desce, porque mil objetos externos ocupam-no incessantemente. Sua superfície, como a do mar, é muitas vezes agitada; mas por baixo se estendem regiões inacessíveis às tempestades. Aí dormem as potências ocultas, que esperam nosso chamamento para emergirem e aparecerem. O chamamento raras vezes se faz ouvir e o homem agita-se em sua indigência, ignorante dos tesouros inapreciáveis que nele repousam.

É necessário o choque das provações, as horas tristes e desoladas para fazer-lhe compreender a fragilidade das coisas externas e encaminhá-lo para o estudo de si mesmo, para a descoberta de suas verdadeiras riquezas espirituais.

É por isso que as grandes almas se tornam tanto mais nobres e belas quanto mais vivas são suas dores. A cada nova desgraça que as fere têm a sensação de se haverem aproximado um pouco mais da verdade e da perfeição, e com esse pensamento experimentam uma espécie de volúpia amarga. Levantou-se no céu de seu destino uma nova estrela, cujos raios trêmulos penetram no santuário de sua consciência e lhe iluminam os recônditos. Nas inteligências de cultura elevada faz sementeira a desgraça: cada dor é um sulco onde se levanta uma seara de virtude e beleza.

Em certas horas de nossa vida, quando morre nossa mãe, quando se desmorona uma esperança ardentemente acariciada, quando se perde a mulher, o filho amado, cada vez que se despedaça um dos laços que nos ligavam a este mundo, uma voz misteriosa eleva-se nas profundezas de nossa alma, voz solene que nos fala de mil leis augustas, mais veneráveis que as da Terra, e entreabre-se todo um mundo ideal. Mas os ruídos do exterior abafam-na bem depressa e o ser humano recai quase sempre em suas dúvidas, em suas hesitações, na vulgaridade de sua existência.

Não há progresso possível sem observação atenta de nós mesmos. É necessário vigiar todos os nossos atos impulsivos para chegarmos a saber em que sentido devemos dirigir nossos esforços para nos aperfeiçoarmos. Primeiramente, regular a vida física, reduzir as exigências materiais ao necessário, a fim de garantir a saúde do corpo, instrumento indispensável para o desempenho de nosso papel terrestre; em seguida, disciplinar as impressões, as emoções, exercitando-nos em dominá-las, em utilizá-las como agentes de nosso aperfeiçoamento moral; aprender principalmente a esquecer, a fazer o sacrifício do “eu”, a desprender-nos de todo o sentimento de egoísmo. A verdadeira felicidade neste mundo está na proporção do esquecimento próprio. Não basta crer e saber, é necessário viver nossa crença, isto é, fazer penetrar na prática diária da vida os princípios superiores que adotamos; é necessário habituarmo-nos a comungar pelo pensamento e pelo coração com os Espíritos eminentes que foram os reveladores, com todas as almas de escol que serviram de guias à humanidade, viver com eles numa intimidade cotidiana, inspirarmo-nos em suas vistas e sentir sua influência pela percepção íntima que nossas relações com o mundo invisível desenvolvem.

Entre essas grandes almas é bom escolher uma como exemplo, a mais digna de nossa admiração e, em todas as circunstâncias difíceis, em todos os casos em que nossa consciência oscila entre dois partidos a tomar, inquirirmos o que ela teria resolvido e procedermos no mesmo sentido. Assim, pouco a pouco iremos construindo, de acordo com esse modelo, um ideal moral que se refletirá em todos os nossos atos. Todo homem, na humilde realidade de cada dia, pode ir modelando uma consciência sublime. A obra é vagarosa e difícil, mas para isso são-nos dados os séculos.

Concentremos, pois, muitas vezes nossos pensamentos, para dirigi-los, pela vontade, em direção ao ideal sonhado. Meditemos nele todos os dias, à hora certa, de preferência pela manhã, quando tudo está sossegado e repousa ainda à nossa volta, nesse momento a que o poeta chama “a hora divina”, quando a Natureza, fresca e descansada, acorda para as claridades do dia. Nas horas matinais, a alma, pela oração e pela meditação, eleva-se com mais fácil impulso até às alturas donde se vê e compreende que tudo – a vida, os atos, os pensamentos – está ligado a alguma coisa grande e eterna e que habitamos um mundo em que potências invisíveis vivem e trabalham conosco. Na vida mais simples, na tarefa mais modesta, na existência mais apagada, mostram-se, então, faces profundas, uma reserva de ideal, fontes possíveis de beleza. Cada alma pode criar com seus pensamentos uma atmosfera espiritual tão bela, tão resplandecente, como nas paisagens mais encantadoras; e na morada mais mesquinha, no mais miserável tugúrio, há frestas para Deus e para o infinito!

Em todas as nossas relações sociais, em nossas relações com os nossos semelhantes, é preciso lembrarmo-nos constantemente de que os homens são viajantes em marcha, ocupando pontos diversos na escala da evolução pela qual todos subimos. Por conseguinte, nada devemos exigir, nada devemos esperar deles que não esteja em relação com seu grau de adiantamento. A todos devemos tolerância, benevolência e até perdão; porque se nos causam prejuízo, se escarnecem de nós e nos ofendem, é quase sempre pela falta de compreensão e de saber, resultantes de desenvolvimento insuficiente. Deus não pede aos homens senão o que eles têm podido adquirir à custa de lentos e penosos trabalhos. Não temos o direito de exigir mais. Não fomos semelhantes aos mais atrasados deles? Se cada um de nós pudesse ler em seu passado o que foi, o que fez, quanto não seria maior nossa indulgência para com as faltas alheias! Às vezes, também nós carecemos da mesma indulgência que lhes devemos. 

Sejamos severos conosco e tolerantes com os outros. Instruamo-los, esclareçamo-los, guiemo-los com doçura, é o que a lei de solidariedade nos preceitua.

Enfim, é preciso saber suportar todas as coisas com paciência e serenidade. Seja qual for o procedimento de nossos semelhantes para conosco, não devemos conceber nenhuma animosidade ou ressentimento; mas, ao contrário, saibamos fazer reverter em benefício de nossa própria educação moral todas as causas de aborrecimento e aflição. Nenhum revés poderia atingir-nos, se, por nossas vidas anteriores e culpadas, não tivéssemos dado margem à adversidade. É isso o que muitas vezes se deve repetir. Chegaremos, assim, a aceitar todas as provações sem amargura, considerando-as como reparação do passado ou como meio de aperfeiçoamento. 

De grau em grau chegaremos, assim, ao sossego de espírito, à posse de nós mesmos, à confiança absoluta no futuro, que dão a força, a quietação, a satisfação íntima, permitindo-nos permanecer firmes no meio das mais duras vicissitudes. Quando chega a idade, as ilusões e as esperanças vãs caem como folhas mortas; mas as altas verdades aparecem com mais brilho, como as estrelas no céu de inverno através dos ramos nus de nossos jardins. Pouco importa, então, que o destino não nos tenha oferecido nenhuma glória, nenhum raio de alegria, se tiver enriquecido nossa alma com mais uma virtude, com alguma beleza moral. As vidas obscuras e atormentadas são, às vezes, as mais fecundas, ao passo que as vidas suntuosas nos prendem, bastas vezes e por muito tempo, na corrente formidável de nossas responsabilidades.

A felicidade não está nas coisas externas nem nos acasos do exterior, mas somente em nós mesmos, na vida interna que soubermos criar. Que importa que o céu esteja escuro por cima de nossas cabeças e os homens sejam ruins em volta de nós, se tivermos a luz na fronte, alegria do bem e a liberdade moral no coração? Se, porém, eu tiver vergonha de mim mesmo, se o mal tiver invadido meu pensamento, se o crime e a traição habitarem em mim, todos os favores e todas as felicidades da Terra não me restituirão a paz silenciosa e a alegria da consciência. O sábio cria, desde este mundo, para si mesmo, um refúgio seguro, um lugar sagrado, um retiro profundo aonde não chegam as discórdias e as contrariedades do exterior. Do mesmo modo, na vida do espaço a sanção do dever e a realização da justiça são de ordem inteiramente íntima; cada alma traz em si sua claridade ou sua sombra, seu paraíso ou seu inferno. Mas, lembremo-nos de que nada há irreparável; a situação atual do Espírito inferior não é mais que um ponto quase imperceptível na imensidade de seus destinos.


Léon Denis 








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