quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Allan Kardec - Livro O Céu e o Inferno - 1ª Parte - Cap. 7 - As penas futuras segundo o Espiritismo - Código penal da vida futura - A carne é fraca




Allan Kardec - Livro O Céu e o Inferno - 1ª Parte - Cap. 7 - As penas futuras segundo o Espiritismo - Código penal da vida futura


A carne é fraca  


Há tendências viciosas que são evidentemente próprias do Espírito, porque se apegam mais ao moral do que ao físico; outras, parecem antes dependentes do organismo, e, por esse motivo, menos responsáveis são julgados os que as possuem: consideram-se como tais as disposições à cólera, à preguiça, à sensualidade, etc.

Hoje, está plenamente reconhecido pelos filósofos espiritualistas que os órgãos cerebrais correspondentes a diversas aptidões devem o seu desenvolvimento à atividade do Espírito. Assim, esse desenvolvimento é um efeito e não uma causa. 

Um homem não é músico porque tenha a bossa da música, mas possui essa tendência porque o seu Espírito é musical.

Se a atividade do Espírito reage sobre o cérebro, deve também reagir sobre as outras partes do organismo.

O Espírito é, deste modo, o artista do próprio corpo, por ele talhado, por assim dizer, à feição das suas necessidades e à manifestação das suas tendências. 8 Desta forma a perfeição corporal das raças adiantadas deixa de ser produto de criações distintas para ser o resultado do trabalho espiritual, que aperfeiçoa o invólucro material à medida que as faculdades aumentam.

Por uma consequência natural deste princípio, as disposições morais do Espírito devem modificar as qualidades do sangue, dar-lhe maior ou menor atividade, provocar uma secreção mais ou menos abundante de bílis ou de quaisquer outros fluidos. É assim, por exemplo, que ao glutão enche-se-lhe a boca de saliva diante dum prato apetitoso. 

Certo é que a iguaria não pode excitar o órgão do paladar, uma vez que com ele não tem contato; é, pois, o Espírito, cuja sensibilidade é despertada, que atua sobre aquele órgão pelo pensamento, enquanto que outra pessoa permanecerá indiferente à vista do mesmo acepipe. 

É ainda por este motivo que a pessoa sensível facilmente verte lágrimas. Não é, porém, a abundância destas que dá sensibilidade ao Espírito, mas precisamente a sensibilidade deste que provoca a secreção abundante das lágrimas. 

Sob o império da sensibilidade, o organismo adaptou-se à disposição normal do Espírito, do mesmo modo por que se adaptou à disposição do Espírito glutão.

Seguindo esta ordem de ideias, compreende-se que um Espírito irascível deve encaminhar-se para estimular um temperamento bilioso, do que resulta não ser um homem colérico por bilioso, mas bilioso por colérico. 

O mesmo se dá em relação a todas as outras disposições instintivas: um Espírito indolente e fraco deixará o organismo em estado de atonia relativo ao seu caráter, ao passo que, ativo e energético, dará ao sangue como aos nervos qualidades perfeitamente opostas. 

A ação do Espírito sobre o físico é tão evidente que não raro vemos graves desordens orgânicas sobrevirem a violentas comoções morais. 

A expressão vulgar: — A emoção transtornou-lhe o sangue — não é tão destituída de sentido quanto se poderia supor. Ora, que poderia transtornar o sangue senão as disposições morais do Espírito?

Pode admitir-se por conseguinte, ao menos em parte, que o temperamento é determinado pela natureza do Espírito, que é causa e não efeito. 

E nós dizemos em parte, porque há casos em que o físico influi evidentemente sobre o moral, tais como quando um estado mórbido ou anormal é determinado por causa externa, acidental, independente do Espírito, como sejam a temperatura, o clima, os defeitos físicos congênitos, uma doença passageira, etc. 

O moral do Espírito pode, nesses casos, ser afetado em suas manifestações pelo estado patológico, sem que a sua natureza intrínseca seja modificada.

Escusar-se de seus erros por fraqueza da carne não passa de sofisma para escapar a responsabilidades. 

A carne só é fraca porque o Espírito é fraco, o que inverte a questão deixando àquele a responsabilidade de todos os seus atos. 

A carne, destituída de pensamento e vontade, não pode prevalecer jamais sobre o Espírito, que é o ser pensante e de vontade própria; o Espírito é quem dá à carne as qualidades correspondentes ao seu instinto, tal como o artista que imprime à obra material o cunho do seu gênio. 

Libertado dos instintos da bestialidade, elabora um corpo que não é mais um tirano de sua aspiração, para espiritualidade do seu ser,  e é quando o homem passa a comer para viver e não mais vive para comer.

A responsabilidade moral dos atos da vida fica, portanto, intacta; mas a razão nos diz que as consequências dessa responsabilidade devem ser proporcionais ao desenvolvimento intelectual do Espírito; assim, quanto mais esclarecido for este, menos desculpável se torna, uma vez que com a inteligência e o senso moral nascem as noções do bem e do mal, do justo e do injusto.

Esta lei explica o insucesso da Medicina em certos casos. Desde que o temperamento é um efeito e não uma causa, todo o esforço para modificá-lo se nulifica ante as disposições morais do Espírito, opondo-lhe uma resistência inconsciente que neutraliza a ação terapêutica. Por conseguinte, sobre a causa primordial é que se deve atuar. 

Daí, se puserdes, coragem ao poltrão, e vereis para logo cessados os efeitos fisiológicos do medo. 

Isto prova ainda uma vez a necessidade, para a arte de curar, de levar em conta a influência espiritual sobre os organismos. (Revista Espírita, março de 1869: A carne é fraca)


Allan Kardec







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