quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Ermance Dufaux - Livro Reforma Intima sem Martírio - As Dores Psicológicas do Crescimento Interior - Wanderley de Oliveira - Introdução: Consciência do Si



Ermance Dufaux - Livro Reforma Intima sem Martírio - As Dores Psicológicas do Crescimento Interior - Wanderley de Oliveira - Introdução


Consciência do Si


“Em princípio, o homem que se exalça, que ergue uma estátua à sua própria virtude, anula, por esse simples fato, todo mérito real que possa ter. Entretanto, que direi daquele cujo único valor consiste em parecer o que não é? Admito de boa mente que o homem que pratica bem experimenta uma satisfação íntima em seu coração; mas, desde que tal satisfação se exteriorize, para colher elogios, degenera em amor-próprio.” François-Nicolas-Madeleine. (Paris, 1863) O Evangelho Segundo Espiritismo Capítulo XVII - item 8

Estudioso discípulo do Espiritismo propôs-nos a seguinte Indagação: que revelações novas teriam os amigos espirituais em favor do aperfeiçoamento interior nessa hora de tantas na humanidade?

Em resposta a seu pedido sincero de aprender exaremos os textos aqui discorridos. Não constituem novidades, e sim um enfoque prático para velhas questões morais que absorvem quantos anseiam pela melhoria de si mesmos.

Nossa proposta é apresentar algumas “ideias-chave” com fins de meditação e autoaferição, ou ainda para estudos em grupos que anseiam por buscar respostas sobre as intrigantes questões da vida interior. Se não entendermos realmente a razão de nossas atitudes, não reuniremos condições indispensáveis para o serviço renovador de nós próprios.

A capacidade de administrar o mundo objetivo torna-se cada dia mais precisa e rica de tecnologia para melhor eficácia nos resultados, todavia, a inabilidade na gerência do mundo íntimo é comprovada, a todo instante, pelos atestados de descontrole e insatisfação que o homem tem demonstrado em sua vida pessoal. Homens vencedores edificam pontes maravilhosas que se tornam cartões postais no mundo inteiro, porém, nem sempre dominam a arte de construir um singelo fio de atenção que possa estabelecer uma ponte entre ele e seu próximo, diminuindo a distância que os separa. Cirurgiões habilidosos transplantam órgão sensíveis com precisão e controle nos dedos, no entanto, constantemente desequilibra-se quando pequeno talher escapa das singelas mãos de seu rebento, gerando perturbação e mal-estar na prole.

Se o cerne da proposta educativa do Espiritismo é a melhoria espiritual pela reforma íntima, essa, por sua vez, tem, por objetivo elementar, libertar a consciência dos grilhões do ego para que possa brilhar com exuberância, sem as sombras que teimam em ofuscar-lhe. Travamos, ao iniciar a renovação de nós mesmos, uma batalha entre o ego e consciência do self definitivo e glorioso.

Reforma íntima! Eis o tema predileto dos adeptos do Espiritismo no vastíssimo repositório dos assuntos elevados que nos desafiam o entendimento sob a ótica do espírito imortal. Apesar de sua predileção, constata-se que a assiduidade com a qual é tratada não lhe tem garantido noções demais dilatadas que permitem o esforço consciente na transformação da personalidade humana.

Nessa ótica, exageramos alguns conceitos que merecem ser resgatados no seu melhor entendimento:

• Uma construção gradativa de valores, a solidificação de qualidades eternas.

• Uma proposta de plenitude e não de derrotismo. É fazer mais luz para varrer as sombras. Muitos, porém, acreditam que luz se faz extinguindo as trevas...

• É a formação do homem de bem. Não se trata de deslocar vícios e colocar virtudes. É dada muita importância às imperfeições nos ambientes da Doutrina, quando deveríamos falar mais das virtudes do homem de bem.

• Processo libertador da consciência. Não se trata de vencer o ego, mas conquistá-lo através do domínio natural da “voz” divina que ecoa em nossa intimidade.

Reforma íntima não deve ser entendida apenas como contenção de impulsos inferiores. Muito além disso, torna-se urgente analisá-la como o compromisso de trabalhar pelo desenvolvimento dos lídimos valores humanos na intimidade. Circunscrevê-la a regimes de disciplina pela vigência e pela vontade poderá instituir a cultura do martírio e da tormenta como quesitos indispensáveis ao seu dinamismo.
 
Contenção é aglutinação de forças de defesa contra a rotina mental dos reflexos do mal em nós, todavia, somente a edificação da personalidade cristã, pródigas de qualidades morais nobres, permitirá a paz interior e o serviço de libertação definitiva para além-muros da morte corporal. Por essa razão entre os seguidores da mensagem espírita, urge difundir noções mais lúcidas sobre o nível de comprometimento a que devem se afeiçoar todos os seus aprendizes. Apenas evitar o mal não basta, imperioso fazer todo o bem ao nosso alcance. A reforma de profundidade exige devoção integral aos deveres da espiritualização, onde quer que estejamos, criando condições para vivências íntimas que assegurem comoções afetivas revitalizadoras e modificadoras a rumos mais vastos na ação e na reação: é a criação de condicionamentos novos e elevados.
 
Assim como o corpo não extirpa partes adoecidas, mas procura harmonizá-las ao todo, a alma procede seu crescimento dentro princípio de “reaproveitamento” de todas as experiências infelizes.
 
Quem busca o aprimoramento de si mesmo tem como primeiro desafio o encontro consigo. A ausência de ideias claras sobre nós próprios constitui pesados ônus a ser superado, o qual tem levado corações sinceros e bem intencionados a dolorosos conflitos mentais com a melhora individual, instaurando um doloroso processo de martírio a si mesmo.
 
Não existe reforma íntima sem dores, razão pela qual será oportuno discernir quais são as dores do crescimento e quais são as dores que decorrem de nossa incapacidade de lidar com as forças ignoradas da vida subjetiva em nós mesmos. A distinção entre ambas tornará nosso programa de melhoria pessoal um tanto mais eficaz e menos doloroso.
 
Fala-se muito do homem velho e quase nada sobre como consolidar o homem novo. Dominados pelo mau hábito de destacar suas doenças espirituais, criou-se um sistema neurótico de supervalorização das imperfeições morais que tem conduzido muitos espíritas à condição de autênticos “hipocondríacos da alma”.
 
Conter o mal é parte do processo transformador, construir o bem é a etapa nova que nos aguarda.
 
Bem além de controle, educação.
 
Acima de disciplina com inclinações, desenvolvimentos de qualidades inatas.
 
Maturidade pode ser definida pela capacidade individual de ouvir a consciência em detrimento dos apelos do ego. Quanto mais fizermos isso, mais seremos maduros e libertos. A saúde é estar em contato pleno com a consciência e a doença é a escravidão ao ego. Reformar-se é tomar consciência do “si mesmo”, da “perfeição latente” a qual nos destinamos. Em outras palavras, estamos enaltecendo o ato da autoeducação.
 
Foi o notável Jung que afirmou: “até onde podemos discernir, o único propósito da existência humana é acender uma luz na escuridão do mero ser”.
 
Imperioso que acendamos essa luz, a luz que promana da autocrítica, sem a qual não nos educaremos.
 
E como exercer um juízo crítico honesto sem conhecimento das artimanhas da velha personalidade que geramos?
 
Senso crítico é, portanto, um dos pilares essenciais para a formação da autoconsciência, o qual nos permitirá desvendar as trilhas em direção aos tesouros divinos incrustados em pleno coração dessa selva de imperfeições, que trazemos dos evos.

Apresentamos nessa obra alguns “mapas” para devassarmos essa selva com segurança. Rotas para velhos temas morais já conhecidos de todos nós, os espíritas, mas que nem sempre conseguimos trazê-los para a intimidade no atendimento satisfatório do anseio exuberante que espraia de nossas almas na construção da personalidade nova.

Decerto, como todo mapa, os caminhos para se atingir o destino são variados e pessoais, conforme a ótica e a escolha de cada qual, e por esse motivo entregamos todas as nossas abordagens com total despretensão quanto a resultados. Todavia, como a peregrinação pelos “vales sombrios” da nossa intimidade é repleta de imprevistos e “ciladas”, não abdicamos da palavra clara e sincera, acrescendo alguns exemplos de histórias dolorosas de quantos foram iluminados pela luz da Doutrina Espírita, sem iluminarem a si próprios com a luz da experiência e da renovação.

Jamais moveu-nos a intenção de que nossas considerações, aqui exaradas, pudessem constituir um roteiro de orientação ou uma tese didática sobre o tema com o objetivo de traçar normas de conduta. Para nós não ultrapassam a condição de sugestões para um diálogo em grupo ou meditações individuais. Nossos textos são um “início de conversa”, um “ponto de partida” para que vós outros na Terra empreendem a discussão livre e salutar sobre os caminhos da transformação humana, à luz do Espírito Imortal. Nosso coração estará sempre onde existirem os colóquios francos e produtivos acerca desse tema.

Sem pessimismo algum, mensurar a condição pessoal, sem conhecimento pleno das histórias contidas em nossas “fichas reencarnatórias”, é, quase sempre, proceder a uma análise míope das condições espirituais autênticas que cercam nosso trajeto nos milênios. Por isso, palpitam muitas ilusões no terreno da nossa luta reeducativa, na carne ou fora dela. “Em princípio, o homem que se exalta, que ergue uma estátua à sua própria virtude, anula, por esse simples fato, todo mérito real que possa ter”.

Nossas reflexões destinam-se a uma autoavaliação. Sem uma incursão sincera no mundo de nós próprios, a fim de aquilatar o que somos e não somos, corremos o severo risco de repetir as múltiplas histórias que temos acompanhado por aqui, na vida imortal, na qual o coração bafejado pelas concepções doutrinárias acalentam uma miragem de si para além de suas reais proporções, tendo que se olhar, sem refúgios, no “espelho da imortalidade” amargando doloroso processo de desilusão.

Buscamos nossas inspirações em O Evangelho Segundo Espiritismo – repositório ético para a felicidade humana e incomparável manancial de inspiração superior – no qual encontramos inesgotável fonte de instrução e consolo dos Bondosos Guias da Verdade, em favor dos roteiros dos homens ante suas provas e expiações. Consideremo-lo como sendo um receituário moral para todas as necessidades humanas na Terra.

Entregamos nossos apontamentos com alegria aos leitores e amigos, esperançosa de que a celeste misericórdia multiplique nossas migalhas de amor, saciando a fome da alma com bênçãos de paz e estímulo na aquisição da consciência de si.

Atenciosamente,


Ermance Dufaux 
Belo Horizonte, 16 de fevereiro de 2003. 




VÍDEO: 

Reforma Íntima
Alexandre Caldini





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