Hammed - Livro Um Modo de Entender - uma nova forma de viver - Francisco do Espírito Santo Neto - Cap. 18
Mágoas
Alguém nos desprezou profundamente. Lançou sobre nossa alma o punhal da ironia. Julgou-nos impiedosamente, afirmando que o fracasso era destino fatal em nossa vida.
Olhou-nos com desdém e, com leve sorriso sarcástico, deu-nos as costas como se não tivéssemos nenhuma importância.
Nesse momento, nosso peito se inflamou pela dor do descaso, o coração ardeu envolvido numa estranha aura de desamparo.
A mágoa pode surgir por muitos motivos, entre os quais por: rompimento afetivo; maledicência sobre a vida sexual de alguém; preconceito determinado por idade e trabalho; ingratidão dos filhos; abandono de amizades queridas; traição amorosa; discriminação social; exclusão motivada por raça, cor e credo religioso.
Aliás, ninguém consegue viver sem nunca se magoar com alguém ou com certas ocorrências.
Na realidade, a mágoa é uma das muitas emoções humanas. Só não se emocionam os corpos inanimados, visto que as emoções nas criaturas vivas revelam a importância que elas dão a si mesmas, aos outros e aos acontecimentos. Se nada nos importasse, nunca teríamos mágoa, mas isso é impossível – a “importância” que damos a tudo que existe mede o grau de sentimento que possuímos por algo ou por alguém.
Aconselhar uma pessoa ofendida a imediatamente esquecer, não se magoando com a ofensa, seria o mesmo que pedir-lhe que agisse como se a agressão nunca tivesse acontecido.
Pode ser uma ideia equivocada a de “nunca se magoar e sempre esquecer”, pois a não-aceitação de uma emoção real resulta no seu deslocamento para coisas fora do mundo interior – o fato desagradável fica focalizado no exterior, e a verdadeira causa da emoção permanece no escuro. Essa postura comportamental recebe o nome de ocultação dos sentimentos ou repressão.
Conseguiremos trabalhar melhor nossas mágoas não as reprimindo nem as intensificando, e sim desprendendo-nos, desligando-nos, ou melhor, colocando-nos a certa “distância mental/emocional” dos fatos ocorridos e das pessoas que neles se envolveram.
No entanto, isso não significa que devemos nos afastar hostil e friamente, viver alienados e impermeáveis aos problemas ou deixar de nos importar com tudo o que aconteceu, mas que podemos viver mais tranquilos e menos transtornados para analisar e, por consequência, concluir que as situações e os acontecimentos que nos cercam são reflexos ou criações materializadas dos nossos pensamentos e convicções.
Acreditamos que, ao fazer o proposto “distanciamento psicológico”, teremos sempre mais possibilidades para perceber o processo interno que há por trás de toda mágoa. As palavras de Paulo de Tarso aos efésios validam essa ideia: “Irai-vos, mas não pequeis: não se ponha o sol sobre a vossa ira”.
“Irai-vos, mas não pequeis” quer dizer: admita a mágoa, não viva com emoções recalcadas, porque quem assim vive transita cotidianamente em constante irritabilidade, sem saber de onde veio, para onde vai e quanto tempo vai ficar.
“Pôr o sol sobre a vossa ira” significa não intensificar, não reavivar fatos doloridos, não transportá-los do passado para o presente.
Não se magoar é impossível, mas perpetuar ou ignorar o fato desagradável pode ser comparado ao comportamento do escorpião que, quando enraivecido, inocula veneno em si mesmo com o próprio ferrão.
Perdoar não significa apenas esquecer as mágoas ou mesmo fechar os olhos para as ofensas alheias. Perdoar é desenvolver um sentimento profundo de compreensão e aceitação dos sentimentos humanos, por saber que nós e os outros ainda estamos distantes do agir corretamente.
Hammed
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