Revelação pela dor
É principalmente perante o sofrimento que se mostra a necessidade, a eficácia de uma crença robusta, poderosamente assente, ao mesmo tempo, na razão, no sentimento e nos fatos, e que explique o enigma da vida, o problema da dor.
Que consolações podem o materialismo e o ateísmo oferecer ao homem atacado de um mal incurável? Que dirão para acalmar os desesperos, preparar a alma daquele que vai morrer? De que linguagem usarão com o pai e com a mãe ajoelhados diante do berço do filhinho morto, com todos aqueles que veem descer à cova os esquifes dos entes queridos? Aqui se mostra toda a pobreza, toda a insuficiência das doutrinas do Nada.
A dor não é somente o critério, por excelência, da vida, o juiz que pesa os caracteres, as consciências, e dá a medida da verdadeira grandeza do homem. É também um processo infalível para reconhecer o valor das teorias filosóficas e das doutrinas religiosas. A melhor será, evidentemente, a que nos conforta, a que diz por que as lágrimas são quinhão da humanidade e fornece os meios de estancá-las. Pela dor descobre-se com mais segurança o lugar onde brilha o mais belo, o mais doce raio da verdade, aquele que não se apaga.
Se o universo não é mais do que um campo fechado, unicamente acessível às forças caprichosas e cegas da Natureza, uma odiosa fatalidade nos esmaga; se não há nele nem consciência, nem justiça, nem bondade, então a dor não tem sentido, não tem utilidade, não comporta consolações; só resta impor silêncio ao nosso coração despedaçado, porque seria pueril e vão importunar os homens e o Céu com os nossos lamentos!
Para todos aqueles cuja vida é limitada pelos estreitos horizontes do materialismo, o problema da dor é insolúvel; não há esperança para aquele que sofre.
Não é verdadeiramente coisa estranha a impotência de tantos sábios, filósofos, pensadores, há milhares de anos, para explicarem e consolarem a dor, para no-la fazerem aceitar quando é inevitável? Uns a negaram, o que é pueril; outros aconselharam o esquecimento, a distração, o que é vão e covarde, quando se trata da perda dos que amamos. Em geral, têm-nos ensinado a temê-la, a receá-la e detestá-la. Bem poucos a têm compreendido, bem poucos a têm explicado.
Por isso, em torno de nós, nas relações cotidianas pobres, banais e infantis se têm tornado as palavras de simpatia, as tentativas de consolação prodigalizadas àqueles que a desgraça tocou! Que frias palavras nos lábios, que falta de calor e de luz nos pensamentos e nos corações! Que fraqueza, que inanidade nos processos empregados para confortar as almas enlutadas, processos que antes lhes agravam e redobram os males, a tristeza. Tudo isso resulta unicamente da obscuridade que envolve o problema da dor, dos falsos dados vulgarizados pelas doutrinas negativistas e por certas filosofias espiritualistas. Com efeito, é próprio das teorias errôneas desanimarem, acabrunharem, ensombrarem a alma nas horas difíceis, em vez de lhe proporcionarem os meios de fazer frente ao destino com firmeza.
“E as religiões?” podem perguntar-nos. Sim, sem dúvida, as religiões acharam socorros espirituais para as almas aflitas; todavia, as consolações que oferecem assentam numa concepção demasiadamente acanhada do fim da vida e das leis do destino, como já por nós foi suficientemente demonstrado.
As religiões cristãs, principalmente, compreenderam o papel grandioso do sofrimento, mas exageram-no, desnaturam-lhe o sentido. O paganismo exprimia a alegria; seus deuses coroavam-se de flores e presidiam às festas; entretanto, os estoicos e, com eles, certas escolas secretas, consideravam já a dor como elemento indispensável à ordem do mundo. O Cristianismo glorificou-a, deificou-a no pessoa de Jesus. Diante da cruz do Calvário, a humanidade achou menos pesada a sua. A recordação do grande supliciado ajudou os homens a sofrer e a morrer; todavia, levando as coisas ao extremo, o Cristianismo deu à vida, à morte, à Religião, a Deus, aspectos lúgubres, às vezes terrificantes. É necessário reagir e restituir as coisas a seus termos, porque, em razão dos próprios excessos das religiões, estas veem a cada dia restringir-se o seu império. O materialismo vai conquistando pouco a pouco o terreno que elas têm perdido; a consciência popular se obscurece e a noção do dever desfaz-se por falta de uma doutrina adaptada às necessidades do tempo e da evolução humana.
Diremos, por isso, aos sacerdotes de todas as religiões: Alargai o círculo de vossos ensinamentos; dai ao homem uma noção mais extensa de seus destinos, uma vista mais clara do Além, uma ideia mais elevada do alvo que ele deve atingir. Fazei-lhe compreender que sua obra consiste em construir por suas próprias mãos, com a ajuda da dor, a sua consciência, a sua personalidade moral, e isso através do infinito do tempo e do espaço. Se, na hora atual, vossa influência se enfraquece, se vosso poder está abalado, não é por causa da moral que ensinais, é por causa da insuficiência de vossa concepção da vida, que não mostra nitidamente a justiça nas leis e nas coisas e, por conseguinte, não mostra Deus. Vossas teologias encerraram o pensamento num círculo que o abafa; fixaram-lhe uma base demasiadamente restrita e, sobre essa base, todo o edifício vacila e ameaça desabar. Cessai de discutir textos e de oprimir as consciências; saí das criptas onde sepultastes o pensamento; caminhai e agi!
Ergue-se, cresce e se alastra uma nova doutrina, que vem ajudar o pensamento a executar sua obra de transformação. Esse novo espiritualismo contém todos os recursos necessários a consolar as aflições, enriquecer a filosofia, regenerar as religiões, atrair conjuntamente a estima do discípulo mais humilde e o respeito do gênio mais altivo.
Pode ela satisfazer aos mais nobres impulsos da inteligência e às aspirações do coração, explica, ao mesmo tempo, a fraqueza humana, o lado obscuro e atormentado da alma inferior entregue às paixões e proporciona-lhe os meios de elevar-se ao conhecimento e à plenitude.
Finalmente, constitui o remédio moral mais poderoso contra a dor. Na explicação que dá, nas consolações que vem oferecer ao infortúnio, acha-se a prova mais evidente, mais tocante de seu caráter verídico e de sua solidez inabalável.
Melhor que qualquer outra doutrina filosófica ou religiosa, revela-nos o grande papel do sofrimento e ensina-nos a aceitá-lo.
Fazendo dele um processo de educação e reparação, mostra-nos a intervenção da justiça e do amor divinos em nossas próprias provações e males. Em vez dos desesperados, que as doutrinas negativistas fazem de nós, em vez de decaídos, de réprobos ou malditos, o Espiritismo apresenta, nos desgraçados, simples aprendizes, simples neófitos que a dor ilumina e inicia, candidatos à perfeição, à felicidade.
Dando à vida um alvo infinito, o novo Espiritualismo oferece-nos uma razão de viver e de sofrer que nos faz reconhecer meritório se viva e sofra, numa palavra, um objetivo digno da alma e digno de Deus. Na desordem aparente e na confusão das coisas, mostra-nos a ordem que, lentamente, se vai esboçando e realizando, o futuro que se vai elaborando no presente e, acima de tudo, a manifestação de uma imensa e divina harmonia!
E vede as consequências desse ensinamento. A dor perde o seu aspecto terrífico; deixa de ser um inimigo, um monstro temível; torna-se um auxiliar e o seu papel é providencial. Purifica, engrandece e refunde o ser em sua chama, reveste-o de uma beleza que não se lhe conhecia. O homem, a princípio admirado e inquieto com o seu aspecto, aprende a conhecê-la, a apreciá-la, a familiarizar-se com ela; acaba quase por amá-la. Certas almas heroicas, em vez de se afastarem dela, de a evitarem, vão-lhe ao encontro para nela livremente se embeberem e regenerarem.
O destino, em virtude de ser ilimitado, prepara-nos possibilidades sempre novas de melhoramento. O sofrimento é apenas um corretivo aos nossos abusos, aos nossos erros, incentivo para a nossa marcha. Assim, as leis soberanas mostram-se perfeitamente justas e boas; não infligem a ninguém penas inúteis ou imerecidas. O estudo do universo moral enche-nos de admiração pelo poder que, mediante o emprego da dor, transforma pouco a pouco as forças do mal em forças do bem, faz sair do vício a virtude, do egoísmo o amor!
Daí em diante, certo do resultado de seus esforços, o homem aceita com coragem as provas inevitáveis. Pode vir a velhice, a vida declinar e rolar pelo declive rápido dos anos; sua fé ajuda-o a atravessar os períodos acidentados e as horas tristes da existência. À medida que esta decai e se vai envolvendo de névoas, vai-se fazendo mais viva a grande luz do Além e os sentimentos de justiça, de bondade e de amor, que presidem ao destino de todos os seres, tornam-se para ele força nas horas de desalento e tornam-lhe mais fácil a preparação para a partida.
Para o materialista e até para muitos crentes, o falecimento dos seres amados cava entre eles e nós um abismo que nada pode encher, abismo de sombra e treva onde não brilha nenhum raio, nenhuma esperança. O protestante, incerto do destino deles, nem mesmo por seus mortos ora. O católico, não menos ansioso, pode recear para os seus o juízo que para sempre separa os eleitos dos réprobos.
Aí está, porém, a nova doutrina com suas certezas inabaláveis. Para aqueles que a têm adotado, a morte, como a dor, não traz pavores. Cada cova que se abre é uma porta de libertação, uma saída franca para a liberdade dos Espaços; cada amigo que desaparece vai preparar a morada futura, balizar a estrada comum em que todos nos havemos de reunir; só aparentemente há separação. Sabemos que essas almas não nos deixarão para sempre; íntima comunhão pode estabelecer-se entre elas e nós. Se suas manifestações na ordem sensível encontram obstáculos, podemos pelo menos corresponder-nos com elas pelo pensamento.
Conheceis a lei telepática; não há grito, lágrima, apelo de amor, que não tenha sua repercussão e sua resposta. Solidariedade admirável das almas por quem oramos e que oram por nós, permutas de pensamentos vibrantes e de chamamentos regeneradores, que atravessam o espaço e embebem os corações angustiados em radiações de força e esperança e nunca deixam de chegar ao alvo!
Julgáveis sofrer sozinhos, mas não é assim. Junto de vós, em torno de vós e até na extensão sem limites, há seres que vibram ao vosso sofrer e participam de vossa dor. Não a torneis demasiadamente viva, por amor deles.
À dor, à tristeza humana, deu Deus por companheira a simpatia celeste, e essa simpatia toma, muitas vezes, a forma de um ser amado que, nos dias de provação, desce, cheio de solicitude, e recolhe cada uma das nossas dores para com elas nos tecer uma coroa de luz no espaço.
Quantos esposos, noivos, amantes, separados pela morte, vivem em nova união mais apertada e infinita! Nas horas de aflição, o Espírito de um pai, de uma mãe, todos os amigos do Céu se inclinam para nós e nos banham as frontes com seus fluidos suaves e afetuosos; envolvem-nos os corações em tépidas palpitações de amor. Como nos entregarmos ao mal ou ao desespero, em presença de tais testemunhas, certos de que elas veem as nossas inquietações, leem nossos pensamentos, nos esperam e se aprontam para nos receberem nos portões da imensidade!
Ao deixarmos a Terra, iremos encontrá-los todos e, com eles, ainda maior número de Espíritos amigos, que havíamos esquecido durante a nossa estada na Terra, a multidão daqueles que compartilharam das nossas vidas passadas e compõem nossa família espiritual.
Todos os nossos companheiros da grande viagem eterna agrupar-se-ão para nos acolherem, não como pálidas sombras, vagos fantasmas, animados de uma vida indecisa, mas na plenitude das suas faculdades aumentadas, como seres ativos, continuando a interessar-se pelas coisas da Terra, tomando parte na obra universal, cooperando em nossos esforços, em nossos trabalhos, em nossos projetos.
Os laços do passado reatar-se-ão com maior força. O amor, a amizade, a paternidade, outrora esboçados em múltiplas existências, cimentar-se-ão com os compromissos novos tomados, em vista do futuro, a fim de aumentar incessantemente e de elevar à suprema potência os sentimentos que nos unem a todos. E as tristezas das separações passageiras, o afastamento aparente das almas, causados pela morte, fundir-se-ão em efusões de felicidade no enlevo dos regressos e das reuniões inefáveis.
Não deis, pois, crédito algum às sombrias doutrinas que vos falam de leis ferrenhas, ou então de condenação, de inferno e paraíso, afastando uns dos outros e para sempre aqueles que se amaram.
Não há abismo que o amor não possa encher. Deus, que é todo amor, não podia condenar à extinção o sentimento mais belo, o mais nobre de todos os que vibram no coração do homem. O amor é imortal como a própria alma.
Nas horas de sofrimento, de angústia, de acabrunhamento, concentrai-vos e, por invocação ardente, atraí a vós os seres que foram, como nós, homens e que são agora Espíritos celestes, e forças desconhecidas penetrarão em vós e ajudar-vos-ão a suportar vossos males e misérias.
Homens, pobres viajantes que trilhais penosamente a subida dolorosa da existência, sabei que por toda parte em nosso caminho seres invisíveis, poderosos e bons, caminham a nosso lado. Nas passagens difíceis seus fluidos amparadores sustentam nossa marcha vacilante. Abri-lhes vossas almas, ponde vossos pensamentos de acordo com os seus e logo sentireis a alegria de sua presença; uma atmosfera de paz e bênção envolver-vos-á; suaves consolações descerão para vós.
Em meio às provações, as verdades que acabamos de recordar não nos dispensam das emoções e das lágrimas; seria contra a Natureza. Ensinam-nos pelo menos a não murmurarmos, a não ficarmos acabrunhados sob o peso da dor, afastam de nós os funestos pensamentos de revolta, de desespero ou de suicídio que muitas vezes enxameiam no cérebro dos niilistas. Se continuamos a chorar, é sem amargura e sem blasfêmia.
Mesmo quando se trata do suicídio de mancebos arrebatados pelo ardor de suas paixões, diante da dor imensa de uma mãe, o Neo-Espiritualismo não fica impotente, derrama também a esperança nos corações angustiados, proporcionando-lhes, pela oração e pelo pensamento ardente, a possibilidade de aliviarem essas almas, que flutuam nas trevas espirituais entre a Terra e o espaço, ou permanecem confinadas, por seus fluidos grosseiros, aos meios em que viveram; atenua-lhes a aflição, dizendo-lhes que nada há de irreparável, nada definitivo no mal. Toda evolução contrariada retoma seu curso quando o culpado pagou sua dívida à justiça.
Em tudo essa doutrina nos oferece uma base, um ponto de apoio, donde a alma pode levantar o voo para o futuro e se consolar das coisas presentes com a perspectiva das futuras. A confiança e a fé em nossos destinos projetam em nossa frente uma luz que ilumina o carreiro da vida, fixa-nos o dever, alarga nossa esfera de ação e nos ensina como devemos proceder com os outros. Sentimos que há no universo uma força, um poder, uma sabedoria incomparáveis e sentimos também que nós mesmos fazemos parte dessa força e desse poder de que descendemos.
Compreendemos que as vistas de Deus sobre nós, seu plano, sua obra, seu objetivo, tudo tem princípio e origem no seu amor. Em todas as coisas Deus quer nosso bem e para alcançá-lo segue caminhos, ora claros, ora misteriosos, mas constantemente apropriados a nossas necessidades. Se nos separa daqueles que amamos, é para fazer-nos achar mais vivas as alegrias do regresso. Se deixa que passemos por decepções, abandonos, doenças, reveses, é para obrigar-nos a despregar a vista da Terra e elevá-la para Ele, a procurar alegrias superiores àquelas que podemos provar neste mundo.
O universo é justiça e amor. Na espiral infinita das ascensões, a soma dos sofrimentos, divina alquimia, converte-se, lá em cima, em ondas de luz e torrentes de felicidade.
Não tendes notado no âmago de certas dores um travo particular e tão característico em que não é possível deixar de reconhecer uma intervenção benfazeja? Algumas vezes a alma ferida vê brilhar uma claridade desconhecida, tanto mais viva quanto maior é o desastre. Com um só golpe da dor levanta-se a tais alturas onde seriam necessários vinte anos de estudos e esforços para chegar.
Não posso resistir ao desejo de citar dois exemplos, entre muitos outros que me são conhecidos. Trata-se de dois indivíduos que depois foram meus amigos, pais de duas meninas encantadoras que eram toda a sua alegria neste mundo e que a morte arrebatou brutalmente em alguns dias. Um é oficial superior na Região de Leste. Sua filha mais velha possuía todos os dotes de inteligência e de beleza. De caráter sério, desprezava, de bom grado, os prazeres da sua idade e tomava parte nos trabalhos de seu pai, escritor, militar e publicista de talento.
Havia-lhe ele dedicado, por essa razão, um afeto que ia até ao culto. Em pouco tempo uma doença irremediável arrebatava a donzela à ternura dos seus. Entre os seus papéis foi encontrado um caderno com o seguinte título: “Para meu pai quando eu já não existir.” Posto que gozasse de perfeita saúde no momento em que traçara essas páginas, tinha o pressentimento de sua morte próxima e dirigia ao pai consolações comovedoras. Graças a um livro que este descobriu na secretária da filha, entramos em relações. Pouco a pouco, procedendo com método e persistência, fez-se médium vidente e hoje possui, não somente a graça de estar iniciado nos mistérios da sobrevivência, mas também a de tornar a ver muitas vezes a filha perto de si e de receber os testemunhos do seu amor. Yvonne (Espírito) comunica-se igualmente com seu noivo e com um de seus primos, oficial subalterno no Regimento de seu pai. Essas manifestações completam-se e verificam-se umas pelas outras e são também percebidas por dois animais domésticos, assim como o atestam as cartas do general.212
O segundo caso é o do negociante Debrus, de Valence, cuja única filha, Rose, nascida muitos anos depois do matrimônio, era ternamente amada. Todas as esperanças do pai e da mãe concentravam-se na filha estimada; mas, aos doze anos, foi a menina bruscamente atacada de uma meningite aguda, que a levou. Inexprimível foi o desespero dos pais e a ideia do suicídio mais de uma vez visitou o espírito do pobre pai. Cobrou, porém, ânimo devido a alguns conhecimentos que tinha do Espiritismo e teve a alegria de tornar-se médium. Atualmente, comunica com a filha sem intermediário, livremente e com segurança. Esta intervém frequentes vezes na vida íntima dos seus e produz, às vezes, ao redor deles, fenômenos luminosos de grande intensidade.
Uns e outros nada sabiam do Além e viviam numa culpada indiferença a respeito dos problemas da vida futura e do destino. Agora, fez-se para eles a luz. Depois de haverem sofrido, foram consolados e consolam, por sua vez, os outros, trabalhando por difundir a verdade em volta de si, impressionando todos os que deles se aproximam pela elevação de suas vistas e pela firmeza de suas convicções. Suas filhas voltaram-lhes transfiguradas e radiantes. E eles chegaram a compreender por que Deus os havia separado e como lhes prepara uma vida comum na luz e na paz dos espaços. Eis a obra da dor!
Para o materialista, convém repeti-lo, não há explicação para o enigma do mundo nem para o problema da dor. Toda a magnífica evolução da vida, todas as formas de existência e de beleza lentamente desenvolvidas no decurso dos séculos, tudo isto, a seus olhos, é devido ao capricho de um acaso cego e não tem outra saída além do nada. No fim dos tempos será como se a humanidade nunca tivesse existido. Todos os seus esforços para elevar-se a um estado superior, todas as suas queixas, sofrimentos, misérias acumuladas, tudo se desvanecerá como uma sombra, tudo terá sido inútil e vão.
Nós, porém, que temos a certeza da vida futura e do mundo espiritual, em vez da teoria da esterilidade e do desespero, vemos no universo o imenso laboratório onde se afina e apura a alma humana, através das existências alternativamente celestes e terrestres. O objetivo das últimas é um só: a educação das Inteligências associadas aos corpos. A matéria é um instrumento de progresso: o que nós chamamos o mal, a dor, é simplesmente um meio de elevação.
O “eu” é coisa odiosa, tem-se dito; todavia, permita-se-me uma confissão. De cada vez que o anjo da dor me tocou com a sua asa, senti agitarem-se em mim potências desconhecidas, ouvi vozes interiores entoarem o cântico eterno da vida e da luz; agora, depois de ter compartilhado de todos os males de meus companheiros de viagem, bendigo o sofrimento. Foi ele que amoldou meu ser, que me fez obter um critério mais seguro, um sentimento mais exato das altas verdades eternas. Minha vida foi mais de uma vez sacudida pela desgraça, como o carvalho pela tempestade; mas, nenhuma prova deixou de me ensinar a conhecer-me um pouco mais, a tomar maior posse de mim.
Chega a velhice; aproxima-se o termo da minha obra. Após cinquenta anos de estudos, de trabalho, de meditação, de experiência, é-me grato poder afirmar a todos aqueles que sofrem, a todos os aflitos deste mundo que há no universo uma justiça infalível. Nenhum de nossos males se perde; não há dor sem compensação, trabalho sem proveito. Caminhamos todos através das vicissitudes e das lágrimas para um fim grandioso fixado por Deus e temos a nosso lado um guia seguro, um conselheiro invisível para nos sustentar e consolar.
Homem, meu irmão, aprende a sofrer, porque a dor é santa! Ela é o mais nobre agente da perfeição. Penetrante e fecunda, é indispensável à vida de todo aquele que não quer ficar petrificado no egoísmo e na indiferença. Esta é uma verdade filosófica: Deus envia o sofrimento àqueles a quem ama. “Eu sou escravo – dizia Epicteto –, aleijado, um outro Irus em pobreza e miséria e, todavia, amado dos deuses.”
Aprende a sofrer. Não te direi: procura a dor. Mas, quando ela se erguer inevitável em teu caminho, acolhe-a como uma amiga. Aprende a conhecê-la, a apreciar-lhe a beleza austera, a entender-lhe os secretos ensinamentos. Estuda-lhe a obra oculta. Em vez de te revoltares contra ela ou de ficares acabrunhado, inerte e fraco debaixo de sua ação, associa tua vontade, teu pensamento ao alvo a que ela visa, procura tirar dela, em sua passagem por tua vida, todo o proveito que ela pode oferecer ao espírito e ao coração.
Esforça-te por seres a teu turno um exemplo para os outros; por tua atitude na dor, pelo modo voluntário e corajoso por que a aceites, por tua confiança no futuro, torna-a mais aceitável aos olhos dos outros.
Numa palavra, faze a dor mais bela. A harmonia e a beleza são leis universais e nesse conjunto a dor tem o seu papel estético. Seria pueril enraivecermo-nos contra esse elemento necessário à beleza do mundo. Exaltemo-la antes, com vistas e esperanças mais elevadas! Vejamos nela o remédio para todos os vícios, para todas as decadências, para todas as quedas!
Vós todos que vergais sob o peso do fardo de vossas provações ou que chorais em silêncio, aconteça o que acontecer, nunca desespereis. Lembrai-vos de que nada sucede debalde, nem sem causa; quase todas as nossas dores vêm de nós mesmos, de nosso passado e abrem-nos os caminhos do Céu. O sofrimento é um iniciador; revela-nos o sentido grave, o lado sério e imponente da vida. Esta não é uma comédia frívola, mas uma tragédia pungente; é a luta para a conquista da vida espiritual e, nessa luta, o que há de maior é a resignação, a paciência, a firmeza, o heroísmo. No fundo, as lendas alegóricas de Prometeu, dos Argonautas, dos Niebelungem, os mistérios sagrados do oriente não têm outro sentido.
Um instinto profundo faz-nos admirar aqueles cuja existência não é senão um combate perpétuo contra a dor, um esforço constante para escalarem as abruptas ladeiras que conduzem aos cimos virgens, aos tesouros inviolados; e não admiramos somente o heroísmo que se patenteia, as ações que provocam o entusiasmo das multidões, mas também a luta obscura e oculta contra as privações, a doença, a miséria, tudo o que nos desata dos laços materiais e das coisas transitórias.
Dar tensão às vontades; retemperar os caracteres para os combates da vida; desenvolver a força de resistência; afastar da alma da criança tudo o que pode amolentá-la; elevar o ideal a um nível superior de força e grandeza – eis o que a educação moderna deveria adotar como objetivo essencial; mas, em nossa época, tem-se perdido o hábito das lutas morais para se procurarem os prazeres do corpo e do espírito; por isso a sensualidade extravasa de nós, os caracteres aviltam-se, a decadência social acentua-se.
Ergamos os pensamentos, os corações, as vontades! Abramos nossas almas aos grandes sopros do espaço! Levantemos nossas vistas para o futuro sem limites; lembremo-nos de que esse futuro nos pertence, nossa tarefa é conquistá-lo.
Vivemos em tempos de crise. Para que as inteligências se abram às novas verdades, para que os corações falem, serão necessários avisos ruidosos; serão precisas as duras lições da adversidade. Conheceremos dias sombrios e períodos difíceis. A desgraça aproximará os homens; só a dor verdadeiramente lhes faz sentir que são irmãos.
Parece que as sociedades seguem um caminho orlado de precipícios. O alcoolismo, a imoralidade, o suicídio, o crime e a anarquia fazem as suas devastações. A cada instante surgem escândalos, despertando curiosidades novas, remexendo o lodo onde fermentam as corrupções; o pensamento rasteja.
A alma da França, que foi muitas vezes a iniciadora dos povos, o seu guia na via sagrada, sofre por sentir que vive num corpo viciado. Ó alma viva da França, separa-te desse invólucro gangrenado, evoca as grandes recordações, os altos pensamentos, as sublimes inspirações do teu gênio. Porque o teu gênio não está morto, dormita. Amanhã despertará!
A decomposição precede a renovação. Da fermentação social sairá outra vida, mais pura e mais bela. Ao influxo da Ideia Nova, a sociedade humana encontrará de novo a crença e a confiança. Levantar-se-á maior e mais forte para realizar sua obra neste mundo.
Léon Denis
Fonte: O Problema do Ser, do Destino e da Dor -pdf
VÍDEO:
Léon Denis - Tema: A Revelação pela Dor
Centro Espírita Léon Denis
Palestrante: Marcelo Alves
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