Hammed - Livro La Fontaine e o Comportamento Humano - Francisco do Espírito Santo Neto
A Raposa e as Uvas - Tornar aceitável o inaceitável
A racionalização é um dispositivo da mente que transforma vontades ou anseios em fatos fictícios supostamente reais. É quando usamos a inteligência para negar a verdade; é um procedimento íntimo que nos torna desonestos com nós próprios." - Hammed
"A RAPOSA E AS UVAS"
Contam que certa raposa astuta, quase morta de fome, sem eira nem beira, andando à caça de manhã, passou por uma parreira carregada de cachos de uva bem maduros, todos pendentes na grade que oferecia suporte à videira.
Mas eles estavam altos demais e a raposa não podia alcançá-los. De bom grado ela os trituraria, mas sem lhes poder tocar disse:
- Estão verdes ... já vi que são azedas e duras. Só os cães podem pegá-las.
E foi embora a raposa, deixando para trás os cachos de uva, madurinhos e doces, prontos para quem por ali passasse e pudesse alcançá-los.
"TORNAR ACEITÁVEL O INACEITÁVEL"
Uma raposa com muita fome sai à caça de alimentos. Por sorte, vê uma parreira carregada de belos cachos de uva maduros. Apressa-se e chega à videira para alcançar as frutas. Todo o impulso interior da raposa está direcionado instintivamente para o ataque repentino.
Inicia-se, então, a movimentação e, depois de várias tentativas, ela não consegue apanhar nem sequer um dos cachos. Reúne-se à fome instintiva uma estranha e nova sensação: a decepção, o desapontamento de não poder atender à sua necessidade básica. As sucessivas investidas são em vão, e uma certa atmosfera de incapacidade começa infundir-se no seu mundo mental.
Nesse determinado momento, a raposa, frustrada, pensa, reflete sobre o seu fracasso. Ela não quer ser considerada um animal falido ou derrotado. A propósito, uma crise existencial provoca mais danos internos do que uma necessidade biológica não atendida.
A princípio, a busca de saciar a fome estava totalmente circunscrita ao "estado físico"; depois, a ocorrência leva a raposa a entrar em contato com um conteúdo agravante e dificultoso que atingirá sua essencialidade. Antes uma façanha extraordinária; agora uma sensação de desestima e rejeição de si mesma. Que futuro a esperava daí em diante?
Ela não podia colocar a razão contradizendo os fatos reais. De agora em diante, estava em jogo a incoerência, a falta de nexo ou de lógica em sua casa íntima.
Mas, quando tudo parecia estar perdido, eis que a raposa põe as cartas na mesa, dá um "xeque-mate" e diz para si mesma: "Estão verdes ... já vi que são azedas e duras. Só os cães podem pegá-las." Seu sistema mental precisava adaptar-se diante da frustrante e dura realidade, e daí tirou uma vantagem: fez uma afirmação contrária ao fato real, contou uma mentira para SI mesma.
Admirável mentira (racionalização), uma conclusão que não condiz com a realidade, mas salva a estrutura íntima da raposa.
Racionalizar é inventar para nós mesmos uma história falsa. É um procedimento psicológico que permite a negação dos reais motivos, cobrindo as sensações desagradáveis que vivenciamos com justificativas equivalentes ou histórias similares.
Do mesmo modo que a raposa inventou desculpas e álibis convincentes para manter o auto-respeito, nós também, os homens, buscamos "boas razões", ainda que falsas, para nossas atitudes e fracassos; e criamos "explicações" altamente descaracterizadas para justificar nossa frustração.
Muitos racionalizam dizendo que falam mal da vida dos outros porque metade do mundo maldiz a outra metade. Na realidade, o que está subentendido nessa atitude é que gostamos de difamar ou desvalorizar as pessoas, porque quando fazemos isso nós nos sentimos pretensamente melhores, mais eficientes, mais capazes ou superiores perante os outros. Aí está a intencionalidade inconsciente ou não dos maledicentes.
A racionalização é um dispositivo da mente que transforma vontades ou anseios em fatos fictícios supostamente reais. É quando usamos a inteligência para negar a verdade; é um procedimento íntimo que nos torna desonestos com nós próprios. E, se não podemos ser honestos com nós mesmos, com certeza também não podemos ser honestos com nenhum outro indivíduo. Consequentemente, há uma ruptura ou violação no caráter da criatura. É uma forma de não expandir a consciência, e sim de desestruturar a individualidade do ser humano.
CONCEITOS-CHAVE
A - FRUSTRAÇÃO
É a sensação de quem estabelece altos padrões e metas existenciais superlativas, mas não está preparado para aceitá-los com serenidade quando os resultados não atingem de imediato o alvo desejado.
B - RACIONALIZAÇÃO
É um mecanismo de defesa por meio do qual se utilizam motivos sensatos e racionais para pensamentos e ações inaceitáveis. Esse mesmo processo é o que faz uma pessoa apresentar uma explicação logicamente consistente ou eticamente aceitável para uma atitude, ação ou sentimento que lhe causa sofrimento moral. Disfarça os verdadeiros motivos tornando o inaceitável mais aceitável.
C - EXPANSÃO DA CONSCIÊNCIA
A consciência não exclui nenhuma conquista anterior, pois ela se amplia quando se integram todos os conhecimentos adquiridos para além dos limites conhecidos. Provoca experiências transformadoras, intensas e radicais na criatura, quanto à sua visão de mundo e à sua forma de viver. Ela ocorre em conseqüência de uma decisão do indivíduo e o leva ao crescimento espiritual e ao despertar dos potenciais inconscientes, tais como sabedoria, aptidões, capacidades inatas.
MORAL DA HISTÓRIA
Um julgamento inadequado pode ser uma forma de objetivar e de compensar nossos fracassos. Objetivar é um processo pelo qual o ser humano experimenta uma alienação de real natureza subjetiva, projetando para fora e construindo uma suposta realidade externa. Uma objetivação pode ser salvadora, como a raposa da fábula dizendo para si mesma "estão verdes", quando uvas maduras e apetitosas estavam fora de seu alcance. As objetivações são, portanto, formas que permitem ressignificar um fato mediante uma certa afirmação ou conduta que compensa uma frustração. É comum encontrar entre os homens aqueles que, tais qual a raposa, quando não conseguem realizar seus negócios, acusam as circunstâncias, ou mesmo, por não atingirem um intento, tendem a denegri-lo, diminuindo dessa forma a gravidade de seu insucesso.
REFLEXÕES SOBRE ESTA FÁBULA E O EVANGELHO:
"Não basta que dos lábios gotejem leite e mel; se o coração nada tem com isso, há hipocrisia. Aquele cuja afabilidade e doçura não são fingidas, nunca se contradiz; é o mesmo diante do mundo e na intimidade; ele sabe, aliás, que, se pode enganar os homens pelas aparências, não pode enganar a Deus." (ESE, cap. IX, item 6, Boa Nova Editora)
"Quem pensa ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se a si mesmo. Cada um examine o seu procedimento. Então poderá gloriar-se do que lhe pertence e não do que pertence a outro. Pois cada um deve carregar o seu próprio fardo." (Gálatas, 6:3 a 5.)
"O interesse fala toda espécie de língua e faz toda espécie de papel, mesmo o do desinteressado" - La Rochefoucauld
Hammed
VÍDEO:
Fábulas de La Fontaine - Ep. 6 - A Raposa e as Uvas - Tornar aceitável o inaceitável
Inspiração Espírita
Apresentação: Larissa Chaves
Com base na fábula "A raposa e as uvas". Narração: Júlia Mattos.
Estudo sob a ótica espírita com base na obra "La Fontaine um estudo do comportamento humano", de Hammed e psicografada por Francisco do Espírito Santo Neto.
Edição: Ricardo Valois
Apoio: Marina Valois
Música: Título: Rosalie's Waltz
Compositor: José da Vēde
Imagens:
https://svgsilh.com/
https://pixabay.com/pt/
Saiba mais em: http://www.boanova.net/produto/fabula...
Apoio: Marina Valois
Música: Título: Rosalie's Waltz
Compositor: José da Vēde
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