segunda-feira, 15 de março de 2021

Joanna de Ângelis - Livro Conflitos Existenciais - Divaldo P. Franco - Cap. 7 - Ciúme - Psicogênese do ciúme




Joanna de Ângelis - Livro Conflitos Existenciais - Divaldo P. Franco - Cap. 7 - Ciúme


Psicogênese do ciúme


O Espírito imaturo, vitimado por desvios de com­portamento em existências transatas, renasce assi­nalando o sistema emocional com as marcas infe­lizes disso resultantes.

Inquieto e insatisfeito, não consegue desenvolver em profundidade a autoestima, permanecendo em deplorável situação de infância psicológica. Mesmo quando atinge a idade adulta, as suas são reações de insegurança e capricho, caracterizando as dificuldades que tem para um ajustamen­to equilibrado no contexto social.

Aspira ao amor e teme entregar-se-lhe, porquanto o sentido da posse que lhe daria autoconfiança está adstrito à dominação de coisas, de pessoas e de interesses imediatistas, ambicionando transferi-lo para quem, certamente, não se permitirá dominar pela sua morbidez. Às vezes, quando se trata de um relacionamento com outra personalidade igual­mente infantil, esta deixa-se, temporariamente, manipular, por acomodação ou sentimento subalterno, reagindo a pos­terior! de maneira imprevisível.

Em oportunidades outras, permite-se conduzir, desinteressando-se das próprias aspirações, enquanto submete-se aos caprichos do dominador, resultando numa afetividade doentia, destituída de significados nobres e de vivências enriquecedoras.

Porque a culpa se lhe encontra no íntimo, esse indiví­duo não consegue decodificá-la, a fim de libertar-se, ocultando-a na desconfiança que permanece no seu inconscien­te, assim experimentando tormentos e desajustes. Incapaz de oferecer-se em clima de tranquilidade ao afeto, desconfia das demais pessoas, supondo que também são incapazes de dedicar-se com integração desinteressada, sem ocultar sentimentos infelizes.

Porque não consegue manter um bom nível de autoestima, acredita não merecer o carinho nem o devotamento de outrem, afligindo-se, em razão do medo de per­der-lhe a companhia. Esse tormento faz-se tão cruel, que se encarrega, inconscientemente, de afastar a outra pessoa, tornando-lhe a convivência insuportável, em face da gera­ção de contínuos conflitos que o inseguro se permite.

A imaturidade psicológica daqueles que assim agem, torna-se tão grave, que procuram justificar o ciúme como o sal do amor, como se a afetividade tivesse qualquer tipo de necessidade de conflito, do sal da desconfiança.

O amor nutre-se de amor e consolida-se mediante a confiança irrestrita que gera, selando os sentimentos com as belas vibrações da ternura e da amizade bem-estruturada.

A falta de maturidade emocional do indivíduo pren­de-o ao período do pensamento mítico, no qual as fanta­sias exercem predominância em sua conduta psíquica. Incapaz de enfrentar a realidade e as situações que se apresentam como necessárias ao crescimento contínuo da capacidade de discernimento e de luta, faculta-se a per­manência na fantasia, no cultivo utópico da ilusão, imagi­nando um mundo irreal que gostaria de habitar, evitando a convivência com o destemor e o trabalho sério, de forma que se conduz asfixiado pelo que imagina em relação ao que defronta na vida real.

Torna-se capaz de manter uma vida interior conflitiva, que mascara com sorrisos e outros disfarces, padecendo o medo e a incerteza de ser feliz. Sempre teme ser descoberto e conduzido à vivência dos fatos conforme são, e não consoante desejaria.

Evita diálogos profundos, receando sempre falsear e ser identificado nos recalques e desaires que lhe são habituais.

Procedente de uma infância na qual teve de escamo­tear a verdade e disfarçar as próprias necessidades por medo de punição ou de incompreensão dos demais, atinge a ida­de adulta sem a libertação das inseguranças juvenis.

Sentindo-se sempre desconsiderado, porque não consegue submeter aqueles a quem gostaria de amar-dominando, entrega-se aos ciúmes injustificáveis, nos quais a imaginação atormentada exerce uma função patológica. Vê e ouve o que existe no seu mundo íntimo, trans­ferindo essas fantasias para subjugar o ser a quem diz amar.

Atormentado pela autocompaixão, refugia-se na infe­licidade, de modo a inspirar piedade, quando deveria esfor­çar-se para conquistar afeição; subestima-se ou sobrevaloriza-se, assumindo posturas inadequadas à idade fisiológica, que deveria estar acompanhada do desempenho saudável de ser psicológico maduro.

Sempre recapitula a defecção afetiva dos demais, que compara com as suas próprias aflições, permitindo-se a ideia mórbida de que ninguém é fiel, pessoa alguma con­segue dedicar-se a outrem sem que não mantenha senti­mentos servis.

Possivelmente, no íntimo, sente-se, dessa forma, in­capaz de afeiçoar-se pelo prazer de querer bem, portador de insatisfações pessoais em relação a si mesmo, mesquinho no que se refere à autodoação... Por consequência, enxerga o amor como mecanismo de manipulação ou instrumento para a conquista de valores amoedados ou de projeção po­lítica, social, artística, sem entender que, se existem aqueles que assim se comportam, não poucos agem e amam de maneira total e diferente dessa postura infeliz.

O ciúme tem raízes, portanto, no egotismo exagera­do, que somente pode ser superado mediante o trabalho de autodisciplina e de entrega pessoal.

O Espírito evolui através de etapas sucessivas, lapi­dando arestas mediante o instrumento sublime da reencarnação, que lhe propicia transformações morais contínuas, enquanto desenvolve a inteligência e os sentimentos. Por isso, o Self é depositário de todos os valores das experiências adquiridas no largo jornadear do desenvolvi­mento antropossociopsicológico.

Quanto mais o indivíduo valorizar o ego, sem admi­nistrar-lhe as heranças da inferioridade, mais se atormen­ta, em face da necessidade do relacionamento interpessoal que, sem a presença da afetividade, sempre torna-se frio, distante, sem sentido nem continuidade.

A existência física tem por meta o aprimoramento dos valores espirituais que jazem latentes no ser humano, que adquire sabedoria e paz, de forma que possa desfrutar de saúde integral, o que não significa ausência de enfermidades, que podem ser consideradas como acidentes de per­curso na marcha, sem danos graves de qualquer natureza.

Trabalhar a emoção, reflexionar em torno dos senti­mentos próprios e do próximo constituem uma saudável psicoterapia para a aquisição da confiança em si mesmo e nos outros.


Joanna de Ângelis






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