sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Hammed - Livro As Dores da Alma - Francisco do Espírito Santo Neto - Pág. 47 - Culpa



Hammed - Livro As Dores da Alma - Francisco do Espírito Santo Neto - Pág. 47


Culpa


Inúmeras crenças religiosas têm sido imensamente nocivas ao desenvolvimento das criaturas, pois usam frequentemente a culpa como forma de atemorizar. Com isso, obtêm a submissão dos indivíduos, conduzindo-os a seu bel-prazer.

Utilizam-se de comportamentos manipuladores baseados em crenças punitivas. Um dos conceitos mais apregoados é o de que a Divina Providência age através do castigo e da vingança e de que Deus, quando se decepciona conosco, impede-nos de desfrutar e participar das benesses do Reino dos Céus.

“A doutrina do fogo eterno (...) não produzirá bom resultado. (...) Se ensinardes coisas que mais tarde a razão venha a repeli!; causareis uma impressão que não será duradoura, nem salutar”(1)

As religiões foram criadas para retirar as criaturas da convenção e transportá-las à espiritualização, mas, na atualidade, algumas religiões se transformaram nas próprias convenções sociais.

Abordaremos agora algumas mensagens que produzem culpa e consequentemente infelicidade no íntimo das criaturas: 

“Vocês desobedeceram às leis divinas, mas, se sofrerem bastante, talvez serão perdoados”.

“Vocês não entrarão na Casa de Deus, a menos que se sacrifiquem muito pelos necessitados”.

“Se vocês amassem ao Pai, não ousariam ter a atitude que tiveram”.

A culpa é frequentemente difundida por religiosos ortodoxos de forma consciente e até mesmo inconsciente, como meio de, produzindo temor nos fiéis, estabelecer dependência religiosa e determinar comportamentos e posturas de vida que acreditam ser corretas e convenientes às suas “nobres causas missionárias”.

Esquecem-se, porém, de que cada ser tem uma idade astral, que lhe permite ver e compreender a existência de forma específica e privativa. Também não se lembram de que a totalidade das culpas de um indivíduo não poderá transformar seu comportamento passado nem mesmo suas atitudes do presente. Portanto, a única forma possível de levá-lo a uma transformação interior é a mudança de entendimento e de atitude.

Somente através de uma real conscientização é que se estabelece o processo de amadurecimento das criaturas. Em outras palavras, tal conscientização se dá pelo somatório de suas experiências vivenciadas através do tempo, nunca pela imposição ou pelo receio.

“Sacrifique-se pelos necessitados” poderá ser uma recomendação equivocada, quando endereçada a uma pessoa psicologicamente fragilizada, pois, se ela não consegue nem mesmo ajudar a si mesma, obviamente se sentirá culpada por não conseguir ajudar o próximo.

Ela até poderá estar provida de boa vontade e tentar fazer alguma coisa, mas não conseguirá efetuar uma real ajuda, visto que é tão necessitada que dentro de si não há senão escuridão e desequilíbrio. Então, como poderá cooperar convenientemente com os outros?

Só poderemos prestar auxílio a alguém que estiver se afogando se soubermos nadar. Como ajudá-lo, se estivermos também nos afogando?

Na realidade, criaturas imaturas se consideram profundamente culpáveis, porque valorizam em excesso o que os outros dizem e pensam. Por lhes faltar independência interior, nem sempre reúnem condições de julgar seu próprio comportamento, pensamentos e emoções, responsabilizando-se pelas consequências que tais atos causam sobre elas.

Não creem que Deus lhes fala diretamente; ao contrário, necessitam de homens que se autodenominam “iluminados”, para conduzi-las, conforme julguem correto e justo. São infelizes. Quando não se culpam, atribuem culpa aos outros. Não percebem que são elas mesmas que determinam o seu destino!

A culpa não encontraria abrigo em nossa alma, se tivéssemos uma ampla fé no amor de Deus por nós e se acreditássemos que Ele habita em nosso âmago e sabe que somos tão bons e adequados quanto permite nosso grau de conhecimento e de entendimento sobre nossa vida interior e também exterior.

Sábios são aqueles que acumularam conhecimentos não somente através do estudo das ciências, mas também pela prática e pela observação.

Sabedoria, portanto, é a soma de nossos conhecimentos coerentes obtidos em contato com os diversos acontecimentos da vida; não apenas o que foi adquirido pela instrução acadêmica, mas, acima de tudo, pelas experimentações, vivências, atividades e realizações nas mais variadas áreas, seja na atual existência, seja nas múltiplas encarnações que tivemos pelas noites dos tempos. Sensatez, prudência, desempenho e erudição são patrimônios intransferíveis da alma humana, alicerçados na intimidade do próprio ser.

Dessa maneira, podemos entender que, quanto mais impedirmos as pessoas com as quais convivemos de agir e de pensar por si mesmas, mais estaremos dificultando suas oportunidades de amadurecimento e de crescimento espiritual. Os empreendimentos que os outros elegeram como os melhores para si deverão ser respeitados, pois os direitos naturais do homem lhes garantem a possibilidade de tomar decisões, errar, aprender, crescer, mudar e julgar a si mesmos.

Problemas são estímulos que a Vida nos apresenta para nos autoconhecer. Portanto, os fatos de nossa existência possuem valores imprescindíveis para nosso desenvolvimento interior e são de importância fundamental para o nosso interagir em face desses mesmos acontecimentos.

Alguns de nós aprendemos que deveríamos ser responsáveis pela felicidade dos outros, usando uma postura de “tomar conta”, ou seja, de supervisionar, comandar, insistir, seduzir, chorar, acusar, subornar, espionar, produzindo culpa em nós e nos outros e pedindo intervenções milagrosas, a fim de redimirmos e salvarmos as almas de nossos entes mais queridos.

Muitos indivíduos trazem um comportamento psicológico inadequado, adquirido desde a mais tenra idade, pela longa convivência com familiares difíceis e criaturas problemáticas que se diziam incapazes de se cuidar e se defender. Em decorrência disso, essas crianças assumiram responsabilidades que não lhes pertenciam e, para que pudessem sobreviver emocionalmente no lar em desajuste, aprenderam a vestir a túnica de “super-heróis”, tentando satisfazer e suprir as necessidades da família, e se culpavam quando não conseguiam resolver esses problemas.

Passaram a viver para controlar e proteger pais, irmãos, outros parentes, amigos e conhecidos à sua volta, preocupando-se, neurótica e compulsoriamente, em solucionar as dificuldades ou equacionar a vida dessas pessoas.

Desenvolveram ao longo do tempo relacionamentos doentios, nunca se preocupando com o que eles próprios sentem ou desejam, mas somente se interessando por aquilo que os outros estão sentindo e pensando. Trazem como lema “sua dificuldade é meu problema” ou “sua vontade é minha vontade”, assumindo obrigações pelo bem-estar, comportamento, decisões, emoções, pensamentos ou mesmo pelo destino de outras pessoas.

Não estamos nos referindo a atos de verdadeira caridade, compaixão e bondade, em que realmente a assistência é requisitada e desejada, mas sim ao ato neurótico de “tomar conta”. Por acreditarmos que as pessoas são “vítimas do mundo” e incapazes de cuidar de si mesmas, assumimos essa atitude salvacionista. Podemos traduzi-la como uma maneira de agir subestimando a capacidade dos indivíduos de crescer e evoluir. Capacidade essa que herdamos por direito divino.

A Providência Divina nos convoca a ser participantes na vida dos outros, jamais
controladores.

“Tem meios o homem de distinguir por si mesmo o que é bem do que é mal. (...) Deus lhe
deu a inteligência para distinguir um do outro.”(2) Através da inteligência e do livre-arbítrio, ele
consegue discernir e optar entre um e outro.

A Onipresença Divina nos garante Deus em toda parte, como também dentro de cada um de nós, e nos concede missões equivalentes ao nosso degrau evolutivo. Portanto, “Deus em nós” guia- nos sempre de maneira que possamos solucionar dificuldades apropriadas às nossas possibilidades evolutivas. Não devemos utilizar indevidamente a palavra “caridade” como justificativa para continuarmos a fazer aos outros o que eles sabem, podem e são capazes de fazer.

Dessa forma, procuremos não distorcer a mensagem de Jesus Cristo sobre o “amor ao próximo”, visto que o auxílio real entre as criaturas está alicerçado nas trocas benéficas a que todos nós somos, convocados a realizar, mas devemos aprender quando não dar e quando não executar tarefas da responsabilidade de outras pessoas, pois isso também faz parte da “Lei do Amor”.

 
Hammed 




(1) Questão 974 – Donde procede a doutrina do fogo eterno? 
“Imagem, semelhante a tantas outras, tomada como realidade.”

Questão 974-a – Mas, o temor desse fogo não produzirá bom resultado?
“Vede se serve de freio, mesmo entre os que o ensinam. Se ensinardes coisas que mais tarde a razão venha a repelir; causareis uma impressão que não será duradoura, nem salutar.”

(2) Questão 631 – Tem meios o homem de distinguir por si mesmo o que é bem do que é mal?
“Sim, quando crê em Deus e o quer saber. Deus lhe deu a inteligência para distinguir um do outro.”



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