terça-feira, 25 de agosto de 2020

Bezerra de Menezes - Opúsculo - Atitude de Amor - Ermance Dufaux / Cícero Pereira - Wanderley S. de Oliveira - A Palavra de Bezerra



Bezerra de Menezes - Opúsculo - Atitude de Amor - Ermance Dufaux / Cícero Pereira - Wanderley S. de Oliveira


A Palavra de Bezerra 


“Pois, se amardes os que vos amam, que galardão havereis? não fazem os publicanos também o mesmo?"   Mateus 5:46


O PERÍODO DA MAIORIDADE

Na primeira noite após o memorável Congresso Espírita Brasileiro (1), fomos convocados para ouvir a palavra sóbria e cândida do paladino da unificação, Bezerra de Menezes, em ativo núcleo de nosso plano destinado aos empreendimentos voltados para o Consolador.

Ainda invadidos pelos sentimentos sublimes despertados pelo inesquecível conclave ora encerrado na cidade de Goiânia, trazíamos nossa mente imersa em profundas meditações acerca do quanto a ser feito ante as perspectivas descerradas.

No momento azado, dirigimo-nos para o salão onde se daria o conclave. Chegamos minutos antes no intuito de rever companheiros queridos que labutavam em plagas distantes e que, a convite de Bezerra, mantiveram-se ali após o congresso exclusivamente para ouvir-lhe a palestra.

A lotação era para cinco mil participantes e não havia lugares desocupados. Eram os trabalhadores do evento ora realizado, militantes da Seara em outros continentes, poetas, educadores, seareiros dos primeiros tempos, personagens da história brasileira, enfim, grupo imenso; todos comprometidos com os destinos do Espiritismo. Representações de caravaneiros de todos os estados brasileiros e dos países participantes do magno evento também estavam presentes, além dos servidores anônimos que se prestaram aos mais variados serviços de amparo e defesa pelo bem da tarefa concluída no plano físico.

Seria impossível relacionar todos, mas, com intuitos que atendem a nossas ponderações do momento, destacamos a presença de Robert Owen (o filho), César Lombroso, Humberto Mariotti, Milton O’Relley, Anita Garibaldi, Helena Antipoff, Edgard Armond, Torteroli, Jean Baptiste Roustaing, Benedita Fernandes, Deolindo Amorim, Herculano Pires, Carlos Imbassahy, Freitas Nobre, Tolouse Lautrec, Tarsila do Amaral, Frederico Figner, Cassimiro de Abreu, Olavo Bilac, Castro Alves, Antônio Wantuil de Freitas, Alziro Zarur, Rui Barbosa, Antônio Luiz Sayão, Luís Olímpio Teles de Menezes, Cairbar Schutel.

Fomos chamados para o instante aguardado. Uma pequena e singela mesa, com um belíssimo ornamento de flores, embelezava o palco ao lado de potente aparelho sonoro dirigido ao grande público presente. Tudo guardando extrema simplicidade. Sem cerimônias e delongas, após oração comovida por parte de nosso condutor é passada a oportunidade ao imbatível “médico dos pobres”(2)

Irmãos, Jesus seja nossa inspiração e Kardec a luz de nossos raciocínios.

O cinquentenário do acordo de unificação, o Pacto Áureo, ainda agora enaltecido pela comunidade espírita mundial, é vitória de incomensurável quilate espiritual para a glória do Espiritismo. Os esforços não foram em vão.

Passado o conclave nosso olhar se volta, mais que nunca, para o futuro. 

Sem demérito de qualquer espécie a corações que têm feito o melhor que podem, os que aqui se encontram presentes conhecem de perto a extensão das necessidades com as quais estamos lidando. 

E ainda agora, enquanto muitos se encontram inebriados com a nobre comemoração face às conquistas logradas em meio século de serviço austero, atentemos para o quanto nos falta caminhar, a fim de merecermos com justiça o título de Cristãos da nova era.

Desde as primeiras idéias para a formação das bases organizativas do movimento, são passados quase cem anos. O progresso é evidente.

Entretanto, não será demais e insano afirmar que, a despeito das conquistas, encontramo-nos na infância de nosso movimento libertador ante a envergadura da missão a nós confiada na humanidade.

A progressão do ideário espírita está em boas mãos e a falange verdade continua o programa com sucesso, não obstante os empecilhos que são variados.

Inteiremo-nos com acerto sobre o que o momento espera de todos e façamos o que for preciso, a fim de impedirmos o prolongamento da conveniência prejudicial ao prosseguimento de planos maiores.

Os primeiros setenta anos do Espiritismo constituíram o período da consagração das origens e das bases em que se assentam a Doutrina, que lhe conferiram legitimidade. Heróis da tenacidade e fibra moral, dispostos a imolar-se pela causa, venceram o preconceito do tempo e a pressão da inferioridade humana no resguardo e defesa da empreitada de Allan Kardec. O último lance que delimitou esse período foi o Congresso Internacional de Espiritismo realizado em Paris (3), onde o arauto do bem, Léon Denis, suportou a lâmina sutil da mentira e consolidou o perfil definitivo do Espiritismo como Doutrina dos Espíritos, eximindo-a de desfigurações que em muito prejudicariam sua feição educativa e conscientizadora.

O segundo período de mais setenta anos, que coincide com o fechamento do século e do milênio, foi o tempo da proliferação. Uma ideia universal jamais poderia ficar confinada a grupos de estudo ou experimentos da fenomenologia mediúnica de materialização; faziase necessária a intensificação dos conhecimentos, dentro de um crescimento ordenado e defensivo na elaboração de um perfil filosófico. Eis o mérito das entidades promotoras da unificação e da multiplicação de centros espíritas. Sob o regime de controle e zelo foram predicados os seus objetivos primaciais. A literatura subsidiária provocou o questionamento, a discussão, o estudo, e com isso o aprendizado dilatou-se.

A primeira etapa consagrou o Espiritismo como ideário do bem, atraindo a simpatia e superando o preconceito; a segunda ensejou a difusão. Penetramos agora o terceiro portal de mais setenta anos, etapa na qual pretende-se a maioridade das idéias espíritas.

É necessário atestar a vitalidade dos postulados espiritistas como alavanca de transformações sociais e humanas. Sua influência na cultura, nas artes, na ciência, nas leis, na filosofia e na religião conduzirá as comunidades, que lhe absorverem os princípios, a novos rumos para o bem do homem através da mudança do próprio homem.

Esse novo tempo deverá, igualmente, conduzir a efeitos salutares a nossa coletividade espírita, criando entre nós, seus adeptos, o período da atitude. O velho discurso sem prática deverá ser substituído por efetiva renovação pela educação moral. É a etapa da fraternidade na qual a ética do amor será eleita como meta essencial, e a educação como o passo seguro na direção de nossas finalidades.

Jesus definiu seus discípulos por muito se amarem, o Espírito Verdade assinalou o “amai-vos e instrui-vos” como plataforma do verdadeiro espírita, e esses ensinos deverão constituir a base do programa transformador para nossas metas ante a era nova.

Assim como nas demais fases foram programadas reencarnações missionárias, a exemplo do que sucedeu no iniciar dos séculos XIX e XX, igualmente se apronta uma geração nova para os novéis ofícios da causa, dentre os quais muitos de vós aqui presentes estão esclarecidos sobre seu auspicioso retorno às fileiras do Consolador, em missões de solidariedade e renovação, enquanto os que guardam maiores compromissos na vida extrafísica estão conscientes dos desafios que a todos nos esperam.

Descrevamos algo de essencial acerca dessas batalhas que enfrentaremos, para não localizarmos o “joio” onde está o “trigo” e definirmos melhor as estratégias de ação.

O NOSSO MAIOR INIMIGO

Afirmamos outrora que o serviço da unificação é urgente, porém, não apressado (4). Verificamos no tempo que alguns corações sinceros e leais, entretanto, sem larga vivência espiritual, inspirados em nossa fala, elegeram a lentidão em nome da prudência e a acomodação passou a chamar-se zelo, cadenciando o ritmo das realizações necessárias ao talante de propósitos personalistas na esfera das responsabilidades comunitárias. O receio da delegação, a pretexto de ordem e vigilância, escondeu propósitos hegemônicos em corações desavisados, conquanto amantes do Espiritismo. Em verdade, a tarefa é urgente, não apressada, mas exige ousadia e dinamismo sacrificial para encetar as mudanças imperiosas no atendimento dos reclames da hora presente, e o hábito de esperar a hora ideal converteu-se, muita vez, em medida emperrante.

Ninguém pode vendar os olhos a título de caridade, porque deliberadamente o apego institucional marcou esse segundo período de nossas lides, em muitas ocasiões, com enfermiças atitudes de desamor como forte influência atávica de milenares vivências. Isso era previsível e, por fim, repetimos velhos erros religiosos...

Honrar e respeitar os antepassados e a história não significa aboná-la de todo, embora os nossos sentimentos devam ser enobrecidos no perdão, no entendimento, na oração e no trabalho. Foi o melhor que conseguimos em se considerando as imperfeições que nos são peculiares.

Na seara espírita, que declara inspirar sua ação em Jesus, o Mestre operoso, e em Kardec, o infatigável trabalhador, não deve haver o pacto insensato com os privilégios e a representatividade improdutiva. Se o Senhor deixou definido que o maior seria quem se fizesse servo de todos (5), de igual forma a função das entidades doutrinárias, de qualquer âmbito, é servir e servir sempre, mais e mais, no atendimento das extensas necessidades a vencer nas lavouras doutrinárias, cumprindo o roteiro dos deveres de orientação e apoio, sem jamais avocar para si direitos ilusórios no campo do poder.

Há de se ter em conta que nos referimos ao institucionalismo como grilhão pertinente a todos nós, sem jamais vinculá-lo a essa ou àquela entidade organizativa em particular, porque semelhante marca de nosso psiquismo, por muito tempo ainda, criará reflexos indesejáveis na obra do bem.

O institucionalismo é fruto da ação dos homens; ele em si não é o nosso adversário maior e sim os excessos que o tornam nocivo.

Nosso maior inimigo, de fato, é o orgulho em suas expressões inferiores de arrogância, inflexibilidade, perfeccionismo, autoritarismo, intolerância, preconceito e vaidade, seus frutos infelizes que, sem dúvida, insuflam a institucionalização perniciosa e incentivam o dogmatismo e a fé cega, adubando a hierarquização e o sectarismo.

Seus frutos geram sementes, e precisamos interromper essa semeadura do “joio” que sustenta a ilusão de trabalhadores desprevenidos e invigilantes.

Quando os homens forem bons farão boas instituições (6), asseverou o insigne apóstolo de Lyon, Allan Kardec.

Nossa luta deve ser íntima e não exterior, não contra organizações, mas contra nós mesmos quando em atitudes praticadas sob o manto da mentira que acostumamos a venerar em favor de
vantagens pessoais.

Esses desvios perpetrados lembram os primeiros momentos o Evangelho sobre a Terra, quando teve circunscrito seu raio de ação ao Judaísmo dominante. Tal realidade levou o Mais Alto a chamar o espírito corajoso e nobre de Paulo de Tarso na ingente missão de servir para além dos muros institucionais da capital do religiosismo, e tornar universal a mensagem do Sábio Pastor.

Conclamamos novos apóstolos para a “gentilidade” nesse momento delicado de nossa seara, porque o orgulho humano reeditou, em larga amplitude, os ambientes estéreis à propagação dos ensinos do Senhor. Temos um novo centro de convergência estipulado pela egolatria humana, buscando fixar estacas demarcatórias injustas e dispensáveis para o futuro glorioso da religião cósmica da verdade e do amor.

Essa velha bagagem da alma tem solução. Melhorando os homens, melhoramos as instituições. Por isso, nossa meta prioritária jamais foi ou será incentivar dissidências a fim de comprovar a eficácia de alguma ideologia, porque, em verdade, todas cooperam para um destino comum no futuro. Apenas não podemos mais adiar medidas, esperando que os homens acordem naturalmente para as realidades que os cercam, junto às perigosas investidas levadas a efeito pelos inimigos confessos do Evangelho do Cristo na humanidade, em ambos os planos da vida. A hora é de ação e campanha para chamar na Estrada de Damasco os que queiram suportar o sacrifício, a renúncia e a obstinação em nome de uma nobre causa que é libertar a mensagem de Jesus dos círculos impregnados de bazófia e fascinação, através de exemplos de vida e do serviço construtivo de uma mentalidade em plena identificação com a mensagem moral do Espiritismo Cristão.

A hora pede clareza e determinação para a segurança dos ideais.

Há um momento em que a atitude de amor pede a verdade a fim de escapar dos pântanos da omissão. Estamos nesse momento. As diretrizes do Espírito Verdade não pactuam com as conveniências, embora não incentive o desamor. Esse tempo é daqueles que souberem ser coerentes, sem que a coerência custe o preço da discórdia tempestuosa. O desagrado existirá, porque a verdade incomoda quem se acostumou aos caminhos largos. Estamos no tempo dos “caminhos estreitos”, e os que aceitarem perlustrá-lo não terão as coroas de glórias passageiras e nem a aclamação geral dos distraídos do caminho. Serão taxados de egoístas simplesmente por decidirem buscar a “contramão” das opiniões e a percorrer o caminho inverso das consagrações humanas. Entretanto, terão um “contrato de assistência” permanente e irrevogável para angariarem as condições justas ao desiderato. Contudo, justiça aqui não significa facilidades, mas ação mediadora da Divina Providência para o bom andamento dos labores encetados. Temos grupos dispostos a comprometer-se com os misteres da hora a custo de sacrifício; eles serão os apóstolos da “gentilidade” dos tempos modernos.

Respeitaremos em nome do amor a quantos ainda estagiam nas formalidades e convencionalismos. Firmaremos bases seguras fora dos limites da conveniência, para assegurar, aos mais novos que chegarão, a oportunidade de vislumbrarem horizontes que atendam as suas exigentes expectativas, com as quais renascerão no soerguimento desse período de moralização e atitude, nesse momento de Espiritismo por dentro e não fora de nossos corações.

Carecemos de um movimento espírita forte, marcado por uma cultura de raciocínios lógicos e coerentes, e por atitudes afinadas com a ética do amor.

Temos sim um problema, temos um inimigo. Atitude, eis a questão. Más atitudes, eis nosso problema. Atitudes de orgulho, nosso maior inimigo.

ATITUDE PRIMORDIAL

Para que não nos chafurdemos em análises míopes, torna-se prioritário definir nossa grande meta em auxílio aos que mourejam na coletividade doutrinária, para maximizarem seus esforços nas direções mais nobres e úteis aos deveres dessa nova etapa de maioridade espiritual. 

A meta primordial é aprendermos a amarmo-nos uns aos outros, para que tudo o que for criado em nome da causa espírita reflita a essência do Espiritismo em nossas movimentações.

Nossa meta essencial é o amor, a atitude que reflete Deus em nós.

Meditemos na inolvidável pergunta do Mestre: Que galardão teremos em amar somente os que nos amam? (7)

A diversidade é uma realidade irremovível da Seara e seria utopia e inexperiência tratá-la como “joio”. Imprescindível propalar a ideia do ecumenismo afetivo entre os seareiros, para que a cultura da alteridade seja disseminada e praticada no respeito incondicional a todos os segmentos. A atitude de alteridade será o termômetro do progresso das idéias espíritas no movimento, será o “trigo” vicejante e plenificado na ética da fraternidade vivida. As instituições embebidas desse espírito promoverão o diálogo franco e transparente e construirão, através das relações, as transformações. O desafio está lançado.

Temos como certo que as barreiras de aproximação estão mais frágeis que se imagina em alguns setores, embora muitos apostem na impossibilidade de rompê-las. Falta habilidade para conduzir processos que desafiam a inteligência das direções segmentares e, não propriamente, o desejo de efetivá-las. Precisaremos todos de muita humildade para construir um terreno neutro, como frisou Kardec (8), e de muito amor para garantir perpetuidade às novas relações de pluralismo e convivência com as diferenças.

Voltemos a atenção para a influência dos exemplos cristãos que constituem referências decisivas para os que, legitimamente, anseiam empreender o discipulado com Jesus e Kardec. Apesar das lutas humanas, necessárias e naturais, não faltaram e não faltam as balizas na Seara para que os espíritas, dispostos ao desafio de superar a si mesmos, encontrem inspiração para travarem o bom combate em direção ao crescimento e à libertação. A jornada é árdua e o calvário é doloroso, por isso muitos preferem as poltronas macias de valores temporais nos regimes institucionais.

No entanto, a despeito da certeza que guardamos sobre a atitude de amor, devemos estar conscientes sobre as sendas a seguir, a fim de não permitirmos romantismo e ingenuidade num momento de lutas ingentes. Para isso, divulguemos a diretriz a tomar para que não aprisionemos tal meta nos sonhos fantasistas do menor esforço e das crenças improdutivas.

DIRETRIZ INSUPERÁVEL

A renovação de atitudes na edificação de uma nova mentalidade solicita uma inevitável mudança cultural em nossos ambientes doutrinários. O repúdio ao debate e a aversão ao confronto de opiniões são expressões do institucionalismo que ainda estão presentes no psiquismo humano, muita vez realimentado por organismos e oradores respeitáveis.

Quando Jesus convocou seus discípulos ao serviço do amor “deu-lhes poder”, conforme assevera o texto de Mateus (9). Reeditar esse fato é fundamental, a fim de alcançarmos melhores condições morais ao movimento espírita. Conferir poder é propiciar respostas, caminhos, horizontes, alternativas pedagógicas para instrumentalizar e capacitar alguém para alguma coisa. O Mestre, como educador, após os ingentes deveres públicos do dia, recolhia-se em colóquios íntimos com os corações dos apóstolos, ampliava-lhes as perspectivas sobre os ensinos, dimensionava as realizações extrafísicas em torno dos feitos de todo o grupo, e respondia a questões símplices, porém, de rara profundidade moral. Era ali, naqueles momentos íntimos, que se efetivava o poder de percepção e o desenvolvimento das condições necessárias ao apostolado, porque havia debates sinceros e resolução de conflitos em clima pacífico, sob a tutela do Senhor.

Hoje, mais que nunca, precisamos repetir tal episódio e permitir o “espírito do Senhor” na contenção de nossos impulsos de desagregação e isolamento. É urgente trabalhar por uma cultura de trocas e crescimento grupal, habituando-se a ter nossas certezas abaladas pelo conflito e pela permuta, para que ampliemos a capacidade de enxergar com mais exatidão as questões que supomos terem sido esgotadas. Essa diretriz conduzirá os homens a uma maior possibilidade de diálogo e intercâmbio, fazendo-os perceber a inconveniência do isolamento em muros de pseudo-sabedoria ou nas masmorras do autoritarismo institucional, ditando normas e idéias em nome de uma verdade exclusivista. Daí a importância de incentivarmos os dirigentes ao contato sadio com a dinâmica operacional dos centros espíritas e dos diversos segmentos da Seara, estabelecendo contatos, atualizando conceitos, tirando dúvidas, agendando encontros, criando ensejos ecumênicos para servirem de exemplos aos menos afeiçoados ao hábito da complacência com a diversidade do entendimento.

A melhor instituição será a que mais expandir as condições para o amor.

O melhor homem será o que mais apresentar tenacidade em amar.

A melhor Casa será a que mais implementar o regime de amor em grupo, imprimindo a seus deveres um caráter educacional .

Os heróis da fibra moral estão despedindo-se da Terra, porque cumpriram seu ministério de amor. Agora é o tempo dos atos solidários pela união das forças, relembrando o calvário no qual Jesus despediu-se glorioso, conferindo a continuidade da obra a quantos partilharam Seu percurso Divino.

Melhoremos o homem, despreocupemos dos excessos de medidas quanto à renovação de modelos institucionais que, inevitavelmente, surgirão sem pressa. Urgente é nossa adesão consciente aos princípios éticos da mensagem de Jesus atualizados pelo Espiritismo, sem os quais os modelos organizativos, por mais ajustados, vão ruir improfícuos.

Carecemos estabelecer programas centrados em valores éticos ao lado das bases fundamentais já esquadrinhadas pelo estudo. Favorecer os trabalhadores e lideranças com melhores noções sobre “As Leis Morais”, contidas na terceira parte de “O Livro dos Espíritos”, e aprofundar o entendimento sobre o inesquecível e universal sermão do monte de Jesus, assim como o fez Allan Kardec em “O Evangelho Segundo Espiritismo”, construindo um programa eficiente de renovação moral baseado na sábia filosofia de Jesus.

O conhecimento das verdades espíritas, por si, levará a velhas mazelas do saber se não for acompanhado pela vivência.

O fascínio resultante dos princípios espíritas não ocorre em função de estar o homem diante de conhecimentos novos que o surpreendem, mas sim porque está retomando o contato com idéias que já fizeram parte de seu patrimônio cultural, as quais não teve ele a capacidade de utilizar para a transformação de si mesmo, submetendo-se às injunções das idéias pagãs e do rompimento com a ética do bem. Destarte, é preciso hoje conjugar esse conhecimento, que é milenar, com a moralização, pela educação.

O tão decantado processo educacional de si mesmo passa pela melhor compreensão do mundo moral e suas implicações, que resultarão em melhor auto-conhecimento, pois o “conhecimento de si mesmo é a chave do progresso individual”.(10)

Esse investimento no homem é a nossa chance de subtrair a noção inferior, que tenta subjugar o Espiritismo a mera religião de formalidades atualizadas, e colocá-lo, onde deveria estar, no patamar de roteiro lúcido de educação integral da humanidade.

A diretriz insuperável de Jesus continua como roteiro de rara oportunidade. Precisamos “conferir poder”. Como amar o próximo? Como obter abnegação? Como treinar a alteridade? Comprometimento é difícil para quem? É possível desenvolver a indulgência? Como dialogar em climas adversos? Como dialogar? O que é solidariedade e parceria? Como conceber a unificação em tempos de pluralismo? Ela é viável? Como oferecer essas condições de “poder” aos novos servidores da causa cristã? Qual o poder de transformação estamos viabilizando a homens comuns que encontram esperanças e alento nos celeiros de paz da casa espírita? Que temos feito para que as direções abram-se ao espírito de simplicidade? Que propostas temos a apresentar para facilitar um tempo de aproximação pacífica entre as várias tendências da Seara? Por que é tão importante essa aproximação?

O Espírito Verdade legou-nos o inspirado roteiro no “amai-vos e instruí-vos”. Instrução e amor, conhecimento e dinamização ética.

Levantemos a bandeira da unificação ética em torno da qual ser-nos-á possível atrair pela ação, mais que pelo discurso, ensejando a formação de pólos de congraçamento ecumênico entre nós, os espíritas com diversidade de idéias, mas num único sentimento, o do amor exalando a fraternidade.

Tomemos como lema a tríade inspirada do Codificador “trabalho, solidariedade, tolerância” (11), e cerremos esforços na campanha para que essa indicativa torne-se o programa da Casa e do movimento espírita mundial.

O trabalho opera as mudanças pela força das circunstâncias, a tolerância cria o clima indispensável para torná-las possíveis e a solidariedade é a mola propulsora capaz de fazê-las acreditáveis.

De que nos valerá conhecer a imortalidade e viver intencionalmente o materialismo? Essa foi uma indagação levantada pelo Codificador com fito de chamar-nos a atenção para a essência ética do Espiritismo.(12)

Se Kardec assim indaga quanto ao Espiritismo, perguntamo-nos de que nos valerá o Evangelho sem a vivência? Por que chamar Jesus se não atentamos para Sua presença no desenvolvimento de relações eticamente ajustadas com Seus ensinos?

Enveredemos pela religião, pela filosofia ou pela ciência, estudemos o Espiritismo ou o Evangelho, adotemos essa ou aquela prática com a qual melhor nos afeiçoemos, criemos essa ou aquela entidade para servir a novas experiências, tudo isso pouco importa se não tivermos amor. Recordemos o apóstolo Paulo em sua belíssima poesia: “Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse caridade, seria como o metal que soa ou como o sino que tine”. (13)

A SOLUÇÃO

Qual a solução?

Mencionamos a meta prioritária, conhecemos a diretriz insuperável, mas todos sentimos um vácuo no coração quando pensamos nesse ideário maior confrontado com a realidade moral de nosso movimento bendito. O que fazer já sabemos. A indagação que agora toma-nos a mente é: como fazer?

A melhor campanha para a instauração de um novo tempo na Seara passa pela necessidade de melhoria das condições do centro espírita, que é a célula operadora do objetivo do Espiritismo. Lá sim se concretizam não só o conhecimento e o trabalho, mas a absorção das verdades no campo individual, consentidas em colóquios íntimos e permanentes que reproduzem os momentos de Jesus com seu colégio apostólico.

Por isso, temos que promover as Casas, de posto de socorro e alívio a núcleo de renovação social e humana, através do incentivo ao desenvolvimento de valores éticos e nobres capazes de gerar a transformação.

Para isso só há um caminho: a educação.

O núcleo espiritista deve sair do patamar de templo de crenças e assumir sua feição de escola capacitadora de virtudes e formação do homem de bem, independentemente de fazer ou não com que seus transeuntes se tornem espíritas e assumam designação religiosa formal.

Elaboremos um programa educacional centrado em valores humanos para dirigentes, trabalhadores, médiuns, pais, mães, jovens, velhos, e o apliquemos consentaneamente com as bases da Doutrina.

Saber viver e conviver serão as metas primaciais desse programa no desenvolvimento de habilidades e competências do espírito.

O que faremos para aprender a arte de amar? Como aprender a aprender? Como desenvolver afeto em grupo? Como “devolver visão a cegos, curar coxos e estropiados, limpar leprosos, expulsar demônios”?

Muitos adeptos conhecem a profundidade dos mecanismos desencarnatórios à luz dos princípios espíritas, entretanto, temos constatado quantos chegam por aqui em deploráveis condições por não se imunizarem contra os padrões morais infelizes e degeneradores.

A melhoria das possibilidades do centro espírita indiscutivelmente facilitará novos tempos para o pensamento espírita, haja vista que estaremos ali preparando o novo contingente de servidores da causa dentro de uma visão harmonizada com as implicações da hora presente. Dessa forma, estaremos retirando a Casa da feição de uma “ilha paradisíaca de espiritualidade”, projetando-a ao meio social e adestrando seus partícipes a superarem sua condição sem estabelecer uma realidade fictícia e onerosa, insufladora de conflitos e de medidas impositivas, longe das reais possibilidades de transformação que a criatura pode e precisa efetivar em si mesma.

Interagindo com o meio, em permuta incessante de valores e experiências, o centro espírita sai da condição de um reduto isolado no cumprimento de sua missão e passa a delinear a formação de uma rede de intercâmbios, fenômeno esse que vem abarcando a humanidade inteira sob a designação de globalização.

Contudo, a interação da casa doutrinária com o meio deve ser ativa a ponto de transformar-se em pólo irradiador de benesses a outras co-irmãs e, igualmente, para o agrupamento social no qual encontra-se inserida.

Por isso, mais uma vez torna-se imprescindível renovar conceitos e reciclar métodos, a fim de atingirmos os patamares de instituições multiplicadoras da mentalidade imortalista e fraternal.

Esse processo de interação social reclama posturas novas, dentre elas a de abrir canais de permanente relação inter-institucional, na qual o centro espírita catalise fulcros de cultura e modelos experimentais, transformando-se em ambiente de diálogo e convivência para dirigentes e trabalhadores de outros grupos afins, passando suas vivências e aperfeiçoando suas realizações, ao tempo em que se converte em pólo espontâneo da união entre co-idealistas, no regime do mais livre pluralismo de concepções acerca dos postulados espíritas.

Mais uma vez a visão futurista do Codificador, prenunciando esse tempo, levou-o a declarar: “esses grupos, correspondendo-se entre si, visitando-se, permutando observações, podem, desde já, formar o núcleo da grande família espírita, que um dia consorciará todas as opiniões e unirá os homens por um único sentimento: o da fraternidade, trazendo o cunho da caridade cristã”. (14)

A criação desses pólos são medidas salutares contra o isolacionismo e, pela sua característica essencial de fortalecimento de idéias, ensejam uma relação mais participativa, descentralizadora, operando entre os grupos a prática da solidariedade.

Incentivaremos não só a renovação cultural nas casas espíritas, mas também a estruturação das entidades específicas que, pela sua neutralidade institucional, obterão um trânsito mais intenso junto à seara na dinamização de um arejamento cultural, no atendimento das necessidades humanas que abarrotam em solicitações e demandas.

Há serviço intenso a realizar, e devemos ver com bons olhos a multiplicidade de funções e a diversificação de medidas em favor dos clamores da sociedade.

Os dirigentes, ricos de boa-vontade e espírito cooperativo, anseiam por novos horizontes, todavia, tem faltado quem se disponha a dividir vivências ou a edificar um ambiente que se constitua verdadeira oficina de idéias e diálogo para a criação de caminhos novos.

Serão esses pólos as cooperativas de afeto cristão que permitirão aos servidores e condutores das responsabilidades doutrinárias renovarem esperanças, quebrando os circuitos de rotina dentro do labirinto de obrigações a que se renderam no ramerrão do centro espírita. Serão pólos de arejamento e solidariedade mútua regidos por intenso e espontâneo desejo de somar que, em última análise, é a unificação no que de mais sublime exprime o sentido dessa palavra.

Estamos, portanto, meus irmãos e amigos do coração, instaurando o período da unificação ética, da maioridade das idéias espíritas através do melhor aproveitamento individual dos seareiros dispostos a mais amplos vôos de renúncia, sacrifício e amor à causa.

Assim, todos nós aqui hoje reunidos estamos convocados a cerrar esforços continuados ao programa renovador de nosso abençoado movimento espírita, com vistas a ampliar na humanidade a mensagem de esperança e libertação, trazida por Jesus e explicada com lucidez pelo trabalho de Allan Kardec.

Estamos em campanha.

Campanha pela unificação com amor.

Campanha pela renovação das atitudes.

Temos um problema na Seara: as más atitudes.

Temos uma solução para a Seara: novas atitudes. Seja essa a nossa campanha no bem pelos tempos novos a que todos somos chamados.

Todos aqui, mormente os que se acostumaram à docilidade e ternura de meu coração, não se surpreendam com a franqueza de minhas palavras.

Estejam certos que o sentimento é o mesmo e sempre será.

A clareza e a definição de minha fala são em obediência incondicional e servil a ordens maiores que cumpro em nome do Espírito Verdade.

Sem perder a fraternidade, vós outros que têm o acesso livre pela palavra mediúnica levai essa mensagem ao conhecimento de todos. Aqueles que hoje aqui se encontram temerosos ante as novas chances que logo envergarão na carne, levai convosco a esperança de que em plena infância serão bafejados pelas claridades desse momento de renovação, dentro e fora das movimentações espirituais a que se matricularão. Aqueles que servem a outras fileiras de obrigações junto à humanidade, cooperem com nosso ideal incentivando a superação dos preconceitos e abrindo picadas para a penetração das idéias espíritas frente à sociedade.

Enaltecendo a comemoração, da qual ainda agora quase todos aqui presentes tivemos a bênção de acompanhar junto aos irmãos no Congresso Espírita Brasileiro, peçamos ao Senhor da Vida que fortaleça sempre os ideais em nosso coração, para que as medidas salvadoras representem mãos estendidas e guiadas pelo coração sempre pulsante no bem, em favor das lutas e do aprendizado daqueles que receberam de Deus a gloriosa oportunidade de regressarem à carne no torrão brasileiro, fruindo das benesses do Consolador Prometido. Amparemos nossa bendita Seara em seus novos dias, relembrando sempre a nossos tutelados a importância do amor.

Rememoremos como fonte inspiradora de nossa campanha a sublime e inesquecível fala de nosso Mestre: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”. (15)


Bezerra de Menezes 




(1) Realizado na cidade de Goiânia a 05 de outubro de 1999, em comemoração ao cinquentenário do acordo de unificação, o Pacto Áureo.
(2) Nota da editora: o texto que segue é a descrição que o autor espiritual fez da palavra de Bezerra de Menezes.
(3) Congresso Internacional de Espiritismo em 1925 coordenado por Léon Denis.
(4) Mensagem recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, na Comunhão Espírita Cristã, em 20 de abril de 1963, Uberaba - MG, publicada na revista Reformador de dezembro de 1975.
(5) Mateus, 20:26 a 27.
(6) Obras Póstumas, segunda parte, Credo Espírita, Preâmbulo.
(7) Mateus, 5:46.
(8) A Gênese, Allan Kardec, capítulo XVII, item 32.
(9) Mateus, 10:1.
(10) O Livro dos Espíritos, questão 919a.
(11) Obras Póstumas, biografia de Allan Kardec.
(12) O Livro dos Médiuns, item 350.
(13) I Coríntios, 13:1.
(14) O Livro dos Médiuns, item 334.
(15) João, 13:35.




Fonte: Atitude de Amor -pdf

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