quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Allan Kardec - Livro Viagem Espírita em 1862 - 1ª parte - Cap. 3 - Discursos pronunciados nas reuniões gerais dos espíritas de Lyon e Bordeaux - Discurso III



Allan Kardec - Livro Viagem Espírita em 1862 - 1ª parte - Cap. 3 - Discursos pronunciados nas reuniões gerais dos espíritas de Lyon e Bordeaux


Discurso III


Quando se considera o estado atual da socie­dade, é-se tentado a olhar sua transformação como um milagre. Pois bem! Este é o milagre que o Espiritismo pode e deve realizar, porque ele está nos desígnios de Deus, e com o auxílio de sua palavra de ordem: Fora da caridade não há salvação. Que a sociedade tome esta máxima por divisa e a ela con­forme a sua conduta, em vez desta que está na ordem do dia: A caridade bem ordenada começa por ele, e tudo muda. Tudo está em fazer essa máxima aceita.

A palavra caridade, vós o sabeis, Senhores, tem uma acepção muito extensa. Há caridade em pensamentos, em palavras, em ações; ela não é tão somente a esmola. O homem é caridoso em pensa­mentos sendo indulgente para com as faltas do pró­ximo. A caridade em forma de palavra nada diz que possa prejudicar seu próximo. A caridade em ações assiste seu próximo na medida de suas for­ças. O pobre que partilha seu pedaço de pão com um mais pobre do que ele, é mais caridoso e tem mais mérito aos olhos de Deus do que aquele que dá do seu supérfluo sem de nada se privar. Àquele que alimenta contra seu próximo sen­timentos de ódio, de animosidade, de ciúme, de ran­cor, falta caridade. A caridade é a contrapartida do egoísmo; ela é a abnegação da personalidade, o egoísmo é a exaltação da personalidade. A caridade diz: Pa­ra vós, primeiro, para mim, depois; o egoísmo diz: Para mim primeiro, para vós, se sobrar. A pri­meira está toda inteira nesta frase de Cristo: "Fa­zei pelos outros o que quiserdes que vos façam". Em uma palavra, ela se aplica, sem exceção, a todas as relações pes­soais. Concebei que, se todos os membros de uma sociedade agissem segundo este princípio, haveria menos decepções na vida. Desde que dois indivíduos estejam juntos, contratam, por isso mesmo, deveres recíprocos; se querem viver em paz, são obrigados a se fazerem mútuas concessões. Esses deveres aumentam com o número dos indivíduos; as aglomerações constituem-se em todos-coletivos que têm também suas obrigações respectivas. Tendes, além disso, as re­lações de indivíduo a indivíduo, de cida­de a cidade, de Estado a Estado, de país a país. Essas relações podem ter dois móveis que são a negação um do outro: o egoísmo e a caridade, pois há também o egoísmo nacional. Com o egoísmo, o interesse pessoal prevalece acima de tudo. Cada um tira para si, cada um vê no seu semelhante apenas um antagonista, um rival que po­de pisar em seu jardim, que pode nos explorar ou que podemos explorar; a vitória é do mais sagaz, daquele que colocar sob os pés o jardim de seu vizinho, e a sociedade, coisa tris­te de dizer, muitas vezes consagra essa vitória, o que faz que ela se divida em duas classes principais: os exploradores e os explorados. Disso re­sulta um antagonismo perpétuo, que faz da vida um tormento, um verdadeiro inferno. Substitua-se o egoísmo pela caridade e tudo será diferente. Nin­guém procurará fazer mal ao seu vizinho, os ódios e os ciúmes se extinguirão por falta de alimento, e os homens viverão em paz ajudando­-se mutuamente ao invés de se estraçalharem. A caridade substituindo o egoísmo, todas as institui­ções sociais serão fundadas sobre o princí­pio da solidariedade e da reciprocidade; o forte protegerá o fraco em vez de explorá-lo.

É um belo so­nho, dirão alguns; infelizmente é apenas um sonho; o homem é egoísta por natureza, por necessidade, e o será sempre. Se assim fosse, seria muito triste, e então precisaríamos perguntar com que finalidade o Cristo veio pregar a caridade aos homens; tanto teria valido pregar aos animais. Todavia, examinemos a questão.

Há progresso do selvagem ao homem civiliza­do? Não se procura, diariamente, em colônias, pelo devotamento de missionários, abrandar os costumes dos selvagens? Com que objetivo, se o homem é incorrigível? Estranho capricho! Esperais corrigir os selvagens e pensais que o ho­mem civilizado não pode melhorar-se. Se o homem civilizado tivesse a pretensão de ter atingido o últi­mo limite do progresso acessível à espécie huma­na, bastaria comparar os costumes, o caráter, a le­gislação, as instituições sociais de hoje com as de outrora. E, entretanto, os homens de outrora, tam­bém eles supunham ter alcançado o último degrau. O que teria respondido um grã senhor ao tempo de Luís XIV se lhe tivessem dito que poderia haver uma ordem de coisas melhor, mais equitativa, mais hu­mana do que a vigente então? Que esse regime mais equitativo seria a abolição dos privilégios de castas, e a igualda­de do grande e do pequeno diante da Lei? O audacioso que houvesse dito isso talvez pagasse ca­ro sua temeridade.

Disso concluímos que o homem é eminente­mente perfectível e que os mais avançados de hoje poderão parecer tão atrasados, dentro de alguns séculos, quanto os da Idade Média o são com relação a nós. Ne­gar o fato seria negar o progresso que é uma lei da natureza.

Embora o homem tenha progredido do ponto de vista moral, é preciso, entretanto, convir que esse progresso se realizou, mais acentuadamente, no sentido intelectual. Por que isso? Eis aqui um outro problema que foi dado ao Espiritismo expli­car, mostrando que o moral e a inteligência são duas vias que raramente seguem juntas; enquanto o homem dá alguns passos em um, se retarda no outro. Todavia, mais tarde, torna a ganhar o terreno que havia perdido, e as duas for­ças acabam por se equilibrar nas encarnações sucessi­vas. O homem chegou a um período em que as ciências, as artes e a indústria atingi­ram um limite até hoje desconhecido; se os gozos que delas tira satisfazem a vida material, dei­xam um vazio na alma; o homem aspira qualquer coisa de melhor; sonha com melhores instituições, quer a vida, a felicidade, a igualdade, a justiça para to­dos; porém, como aí chegar com os vícios da sociedade e, sobretudo, com o egoísmo? O homem sente, pois, a necessidade do bem para ser feliz; compreende que só o reino do bem pode lhe dar a felicidade pela qual aspira; esse reino, ele o pressente, porque instintivamente tem fé na justiça de Deus, e uma voz secreta lhe diz que uma nova era vai se abrir.

Como ocorrerá isso? Uma vez que o reino do bem é incompatível com o egoísmo, é preciso a destruição do egoísmo; ora, o que pode destruí-lo? A predominância do sentimento do amor, que leva os homens a se tratarem como irmãos e não como inimigos. A caridade é a base, a pedra angular de todo edifício social; sem ela o homem construirá sobre a areia. Que os esforços e, sobretudo os exemplos de todos os ho­mens de bem, tendam então a propagá-la; que não se de­sencorajem se virem uma recrudescência nas más paixões; elas são os inimigos do bem e, vendo-o ganhar terreno, lançam-se contra ele; mas Deus permitiu que, por seus próprios exces­sos mesmos, elas se destruam. O paroxismo de um mal é sempre o sinal de que chega ao seu fim.

Acabo de dizer que sem a caridade o ho­mem constrói sobre a areia; um exemplo fará compreender melhor. 

Alguns homens bem intencionados, tocados pe­los sofrimentos de uma parte de seus semelhantes, supuseram encontrar o remédio para o mal em cer­tos sistemas de reforma social. Com pequenas di­ferenças, o princípio é quase o mesmo em todos, qualquer que seja o nome que se Ihes dê. Vida comunitária, por ser a menos onerosa; comunidade de bens para que cada um tenha alguma coisa; participação de todos na obra comum; nada de grandes riquezas, mas também nada de miséria. Tudo isso é muito sedutor para aquele que, não tendo nada, desde logo veria a bolsa do rico entrar no fundo comum, sem calcular que a totalidade das riquezas postas em comum criaria uma miséria geral ao in­vés de uma miséria parcial; que a igualdade esta­belecida hoje, seria rompida amanhã pela mobili­dade da população e a diferença das aptidões; que a igualdade permanente dos bens supõe a igual­dade das capacidades e do trabalho. Mas esta não é a questão; não está em minhas intenções exami­nar o lado forte e o fraco desses sistemas; faço abstração das impossibilidades que acabo de citar e proponho olhá-los de um outro ponto de vista que, parece-me, ainda não preocupou a nin­guém, e que se liga ao nosso assunto.

Os autores, fundadores ou promotores de todos esses sistemas, sem exceção, não se propuseram senão à organização da vida material de uma maneira pro­veitosa para todos. O objetivo é louvável, indiscuti­velmente. Resta saber se, nesse edifício, não falta a base, única que poderia consolidá-lo, admitindo-se que fosse praticável.

A comunidade é a abnegação mais completa da personalidade; ela requer o devotamento mais absoluto, pois cada pessoa deve pagar de sua pes­soa. Ora, o móvel da abnegação e do devotamento é a caridade, isto é, o amor ao próximo. Entretan­to, nós reconhecemos que a base da caridade é a crença; que a falta de crença conduz ao materialismo, e o materialismo ao egoísmo. Num sistema que, por sua natureza, requer para sua estabilida­de as virtudes morais em supremo grau, precisaria tomar seu ponto de partida no elemento espiri­tual. Pois bem, não somente este não é levado em conta, já que o lado material é seu objetivo único, e muitos são fundados em uma doutrina materialista nitidamente confessa­da, ou sobre um panteísmo, espécie de materialismo disfar­çado; em outras palavras, portam em si o elemento destruidor por excelência. Decoram-nos com o belo nome da fraternidade; mas a fraternidade, assim co­mo a caridade, não se impõe nem se decreta; é preciso que esteja no coração; e não será um sistema que a fará nascer se ela aí já não estiver, enquanto o de­feito que lhe é contrário arruinará o sistema e o fará cair na anarquia, porque cada um que­rerá tirar para si. A experiência aí está para provar que ele não abafa nem as ambições nem a cupidez. Antes de fazer a coisa para os homens, é preciso formar os homens para a coisa, como se formam obreiros antes de Ihes confiar um trabalho; antes de construir, é preciso assegurar-se da solidez dos materiais. Para tanto, os materiais sólidos são os homens de coração, de devotamento e abnega­ção. Com o egoísmo, o amor e a fraternidade são, como já dissemos, palavras vazias; como então, sob o império do egoísmo, fundar um sistema que requer a abnegação num grau tão grande, que tenha por princípio essencial a solidariedade de todos para cada um e de cada um por todos? Alguns homens deixaram o so­lo natal para ir fundar, ao longe, colônias sob o regime da fraternidade; quiseram fugir ao egoís­mo que os esmagava, mas o egoísmo os seguiu, e lá ainda se acham explorado­res e explorados, porque falta a caridade. Acreditaram que bastasse levar o maior núme­ro de braços possível, sem imaginar que, ao mesmo tempo, levavam os vermes roedores de sua insti­tuição, arruinada tão mais rapidamente quanto eles não tinham em si nem a força moral, nem a força material suficientes.

O que lhes faltava não eram braços numerosos mas sólidos corações; infelizmente muitos os seguiram apenas porque, não sabendo fazer nada alhures, acre­ditaram libertar-se de certas obrigações pessoais. Vi­ram apenas um objetivo sedutor, sem perceber a rota espinhosa para atingi-lo. Decepcionados em suas esperanças, reconhecendo que antes de gozar era preciso muito tra­balhar, muito sacrificar, muito sofrer, tiveram por perspectiva o desencorajamento e o desespero; sa­beis o que aconteceu com a maioria. Seu erro foi terem querido construir um edifício começando pela cu­meeira, antes de ter assentado sólidos fundamen­tos. Estudai a história e a causa da queda dos Es­tados mais florescentes, e por toda a parte encontrareis a mão do egoísmo, da cupidez, da ambição.

Sem a caridade, não há instituição humana es­tável. E não pode haver caridade nem fraternidade, na verdadeira acepção do termo, sem a crença. Aplicai-vos, pois, a desenvolver esses sentimentos que, engrandecendo-se, destruirão o egoísmo que vos des­trói. Quando a caridade tiver penetrado as massas, quando se tiver transformado em fé, a religião da maioria, então vossas instituições se tornarão melhores pela força mesma das coisas. Os abusos, nascidos do sentimento da personalidade, desaparece­rão. Ensinai, pois, a caridade, e, sobretudo pregai pelo exemplo: é a âncora da salvação da sociedade; somente ela pode realizar o reino do bem na Terra, que é o reino de Deus. Sem ela, por mais que façais, não criareis se­não utopias das quais só vos restarão decepções. Se o Espiritismo é uma verdade, se ele deve regenerar o mundo, é porque tem por base a caridade. Ele não vem derrubar o culto nem estabelecer um novo; ele proclama e prova verda­des comuns a todos os cultos, bases de todas as religiões, sem se preocupar com detalhes. Não vêm des­truir senão uma coisa: o materialismo, que é a ne­gação de toda religião; não vem derrubar senão um templo: o do egoísmo e do orgulho, e vem dar uma sanção prática a estas palavras de Cristo, que são toda a sua lei: Amai o vosso pró­ximo como a vós mesmos. Não vos espanteis, pois, que ele tenha por adversários os adorado­res do bezerro de ouro, cujos altares veio lançar por terra. Há, naturalmente, contra ele, aqueles que julgam sua moral incômoda, aqueles que teriam, de boa vontade, pactuado com os Espíritos e suas ma­nifestações, se os Espíritos se contentassem em diverti-Ios; se não tivessem vindo para lhes rebaixar o orgulho, pregar-Ihes a abnegação, o desinteresse e a humildade. Deixai-os dizer e fazer o que quiserem; as coisas não seguirão menos a marcha que está nos desígnios de Deus.

O Espiritismo, por sua poderosa revelação, vem, pois, acelerar a reforma social. Seus adver­sários, sem dúvida, rirão desta pretensão e, to­davia, ela nada tem de presunçosa. Demonstramos que a incredulidade, a simples dúvida em relação ao futuro leva o homem a se concentrar sobre a vida presente, o que, muito naturalmente, desenvol­ve o sentimento de egoísmo. O único remédio pa­ra o mal é concentrar sua atenção sobre um outro ponto e desenraizá-lo, por assim dizer, a fim de fazê-lo perder seus hábitos. O Espiritismo, provando de maneira patente a existência do mundo invisível, leva, forçosamente, a uma ordem de ideias bem diversa, pois dilata o horizonte moral limitado à Terra. A importância da vida corporal diminui à medida que cresce a da vida espiritual; muito naturalmente nos colocamos em um outro ponto de vista, e o que nos parecia uma montanha não nos parece mais que um grão de areia. As vaidades, as ambi­ções aqui da Terra tornam-se puerilidades, brin­quedos infantis em presença do futuro grandioso que nos espera. Atendo-nos menos às coisas ter­restres, buscamos menos satisfazer-nos às expensas dos outros, daí uma diminui­ção no sentimento de egoísmo.

O Espiritismo não se limita a provar o mundo invisível. Pelos exemplos que desenrola aos nossos olhos, ele no-lo mostra em sua realida­de, e não tal como a imaginação o havia feito con­ceber. Ele no-lo mostra povoado de seres felizes ou infelizes, mas prova que somente a caridade, a sobe­rana lei do Cristo, pode aí assegurar a felicidade. Por outro lado assistimos a sociedade terrestre se entre-estraçalhar sob o império do egoísmo, enquanto viveria feliz e pacifica sob o da caridade. Com a caridade tudo é, pois, benefício para o homem: felicidade nes­te mundo e felicidade no outro. Não se trata mais, conforme a expressão de um materialista, do sacrifício de pessoas enganadas, mas segundo a expressão do Cristo, do investimento que será centu­plicado. Com o Espiritismo o homem compreende que tem tudo a ganhar fazendo o bem e tudo a perder fazendo pelo mal. Ora, entre a certeza, não direi a sorte, mas a certeza de perder ou de ganhar, a escolha não poderia ser duvidosa. A propagação da ideia espírita tende, necessa­riamente, a tornar os homens melhores uns para os outros. O que ele faz hoje sobre os indivíduos, fará amanhã sobre as mas­sas quando estiver difundido de maneira geral. Tra­temos, pois, de torná-lo conhecido no interesse de todos.

Prevejo uma objeção que pode ser levantada, isto é, a de que, de acordo com estas ideias, a prá­tica do bem seria um cálculo interessado. A isso respondo dizendo que a igreja, prometendo as ale­grias do céu ou ameaçando com as chamas do in­ferno, conduz, ela própria, os homens pela es­perança e o temor; que o próprio Cristo disse que o que se dá neste mundo renderá cen­tuplicado. Sem dúvida há maior mérito em fa­zer-se o bem espontaneamente, sem pensar nas consequências, mas nem todos os homens chegaram a isso, e vale mais fazer o bem com esse estimulante do que não fazê-lo.

Ouve-se por vezes falar de pessoas que fazem o bem sem desígnio premeditado, e por assim dizer, sem duvidar, que elas não têm mérito porque para isso não fazem nenhum esforço; é um erro. O ho­mem não chega a nada sem esforço; aquele que não precisou fazê-lo nesta existência, deve ter lutado em uma precedente, e o bem acabou por se identificar com ele, e é por isso que o bem lhe parece tão na­tural. O bem está nele como em outros indivíduos estão ideias inatas que, também elas, tiveram sua fonte em um trabalho anterior. Este é ainda um dos pro­blemas que o Espiritismo vem resolver. Os homens de bem têm pois, também eles, o mérito da luta. Para eles a vitória já está alcançada. Os outros têm ainda que lutar para obtê-la. Eis porque, como as crianças, precisam de um estímulo, isto é, de um objetivo a ser atingido, ou, se o quiserdes, de um prêmio a ganhar.

Uma outra objeção mais séria é esta: Se o Es­piritismo produz todos estes resultados, os espíri­tas devem ser os primeiros a deles se aproveita­rem. A abnegação, o devotamento desinteressado, a indulgência para com o próximo, a abstenção absoluta de toda palavra ou de todo ato que pos­sam ferir o próximo, em uma palavra, a caridade em sua mais pura acepção, devem ser a regra invariá­vel de sua conduta; não devem conhecer nem o orgulho, nem o ciúme, nem a inveja, nem o rancor, nem as tolas vaidades, nem as pueris susceptibilidades do amor próprio. Devem fazer o bem pe­lo bem, com modéstia e sem ostentação, pratican­do esta máxima do Cristo: "Que vossa mão esquer­da não saiba o que dá a vossa mão direita"; nenhum espírita merecerá que se lhe apli­que estes versos de Racine:

Um benefício lançado em rosto vale sempre por uma ofensa.

Enfim, a mais perfeita harmonia deve reinar en­tre eles. Por que, então, citam-se exemplos que pa­recem contradizer a eficácia dessas belas máxi­mas?

No início das manifestações espíritas, muitos as aceitaram sem prever suas consequências. A maioria viu nelas apenas efeitos mais ou menos curiosos; mas quando delas saiu uma moral severa, deveres rigorosos a cumprir, muitos não sentiram a força para praticá-las e a elas se conformar; não tiveram coragem, nem devotamento, nem abne­gação, nem humildade. Nessas pessoas a natureza corporal preva­leceu sobre a natureza espiritual; puderam crer, mas recuaram ante a execução. Havia, pois, na origem, ape­nas espíritas, isto é, crentes; a filosofia e a moral abriram a essa ciência um horizonte novo e criou os Espíritas praticantes; uns ficaram na retaguarda, outros foram à frente. Quanto mais a moral se sublimou, mais fez ressaltar as imperfeições daqueles que não quiseram segui-la, assim como uma intensa luz faz ressal­tar as sombras. Era como um espelho: alguns não quiseram nele se olhar, ou, crendo nele se reconhe­cerem, preferiram jogar pedras naqueles que lho mos­travam. Tal é, ainda hoje, a causa de certas animosidades. Todavia posso, por felicidade, dizer: es­tas são exceções, algumas pequenas sombras so­bre o vasto panorama, e que não lhe podem alterar a luminosidade. Neste grupo encontram-se, em grande parte, os que poderíamos chamar: espíritas de primeira formação. Quanto àqueles que se formaram depois e se formam a cada dia, em grande maioria aceitaram a doutrina precisamente por cau­sa de sua moral e de sua filosofia. Eis porque es­forçam-se em praticá-la. Pretender que deveriam to­dos se terem tornado perfeitos, é desconhecer a natureza da humanidade. Mas, terem-se despojado de resquícios do homem velho é sempre um pro­gresso que, por força, se deve levar em conta. São indesculpáveis aos olhos de Deus apenas aqueles que, estando bem e devidamente esclarecidos, não tiraram desse esclarecimento o proveito que poderiam ti­rar. A estes, certamente, será pedida uma conta severa, da qual sofrerão, conforme temos visto em numerosos exemplos, as consequências aqui na Terra. Mas, ao lado destes, há também o grande número no qual operou-se uma verdadeira meta­morfose. Encontraram na crença espírita a força para vencer pendores desde há muito tempo enrai­zados, de romper com velhas atitudes, de ignorar os ressentimentos e as inimizades, de tornar meno­res as distâncias sociais. Pede-se ao Espiritis­mo, milagres: eis os que ele produz.

Assim, pela força mesma das coisas, o Espiri­tismo levará, por inevitável consequência, à melhoria moral. Essa melhoria conduzirá à prática da caridade, e da caridade nascerá o sen­timento da fraternidade. Quando os homens estiverem imbuídos dessas ideias, conformarão a elas suas instituições e será assim que realizarão, naturalmente e sem agitações, as reformas desejáveis; é a base sobre a qual assentarão o edifício social futuro.         
Essa transformação é inevitável, pois é conforme à lei do progresso; todavia, se seguir apenas a marcha natural das coi­sas, sua realização poderá ser demorada. Se acreditarmos na revelação dos Espíri­tos, está nos desígnios de Deus ativá-La, e nós estamos nos tempos preditos para isso; a concordância das comunicações a este respeito é um fato digno de nota. Em toda parte diz-se que nós tocamos na era nova e que grandes coisas vão cumprir-se. Seria, entretanto, um erro supor que o mundo está ameaçado por um cataclis­mo material; examinando as palavras do Cristo, tor­na-se evidente que nesta, como em outras muitas circunstâncias, Ele falou de maneira alegórica. A renovação da humanidade, o reino do bem suceden­do ao reino do mal, são grandes coisas que podem se realizar sem que haja necessidade de um naufrágio universal, nem de fazer aparecer fenômenos extraordinários, ou derrogar as leis naturais. É sempre neste sentido que os Espíritos se têm exprimido.

Tendo a Terra alcançado o tempo marcado pa­ra se transformar em morada feliz, elevando-se assim na hierarquia dos mundos, basta a Deus não permitir aos Espíritos imperfeitos aqui se reencar­narem, dela afastando aqueles que, por orgulho, incredulidade, maus instintos, possam tornar-se obstáculo ao progresso, perturbando a boa har­monia, como, aliás, procedeis vós mesmos, em uma assembleia em que necessitais ter paz e tranquili­dade e da qual afastais aqueles que a ela possam trazer a desordem, ou como se expulsam de um país os malfeitores, que são exilados em países lon­gínquos. Isso porque nas raças, ou melhor - pa­ra nos servir das palavras do Cristo - nas gerações de Espíritos enviados em expiação à Terra, aqueles que se mantiverem incorrigíveis serão substituídos por uma geração de Espíritos mais adian­tados e, para isso, bastará uma geração de homens e a vontade de Deus que pode, por acontecimentos inesperados, embora naturais, apressar-­lhes a partida da Terra. Se, pois, a maior parte das crianças que hoje nascem pertencem à nova gera­ção de Espíritos melhores, se os demais, que par­tem a cada dia, não mais regressarão, disso resultará uma renovação completa. E o que será fei­to dos Espíritos exilados? Serão encaminhados pa­ra mundos inferiores, expiar seu endurecimento por longos séculos de provas terríveis, pois também eles são anjos rebeldes, porque desprezaram o poder de Deus e se revoltaram contra a lei que Cristo veio Ihes recordar.[1]

Como quer que seja, nada se faz bruscamen­te na natureza. A velha levedura deixará ainda, du­rante algum tempo, traços que só de pouco em pouco se apagarão. Quando os Espíritos nos dizem - e isso eles o fazem por toda a parte - que nos abeiramos desse momento, não creais que sejamos testemunhas de uma transformação exposta à vis­ta. Querem significar que estamos no momento da transição, assistimos à partida dos velhos e à che­gada dos novos, que virão fundar uma nova ordem de coisas, isto é, o reino da justiça e da caridade que é o verdadeiro reino de Deus, predito pelos profetas e do qual o Espiritismo vem preparar os caminhos.

Vede, senhores, estamos já bem distantes das mesas girantes e, entretanto, apenas alguns anos nos separam do berço do Espiritismo! Quem quer que tivesse sido bastante audacioso para predizer o que hoje se passa, seria levado à conta de insen­sato aos olhos dos seus próprios correligionários. Observando a pequenina semente, quem poderia compreender, se dantes não tivesse assistido ao fe­nômeno, que dali sairia a árvore poderosa? Vendo a criança nascida no estábulo de uma pobre aldeia na Judéia, quem poderia supor que, sem o fausto e o poder material, sua voz singela abalaria o mun­do, reforçada apenas por alguns pescadores igno­rantes e tão pobres quanto ela mesma? Outro tan­to ocorre com o Espiritismo que, saindo de um hu­milde e vulgar fenômeno, já aprofundou suas raízes em todas as direções, e cuja ramalhada bem cedo, abrigará a Terra inteira. As coisas progridem ce­leremente quando Deus assim quer. E considerando que nada ocorre fora de Sua vontade, quem não veria aí o dedo de Deus?

Assistindo à marcha irresistível das coisas, po­deríeis dizer como outrora os Cruzados marchando para a conquista da Terra Santa: Deus o quer! mas, com a diferença que eles marchavam levando nas mãos ferro e fogo enquanto que vós apenas tendes por arma a caridade que, ao invés de ocasionar fe­rimentos morais, derrama um bálsamo salutar so­bre os corações doloridos. E, com esta arma pacífica, que cintila aos olhos como um raio divino e não como o metal assassino, que semeia a espe­rança e não o temor, tereis, dentro de alguns anos levado ao aprisco da fé mais ovelhas desgarradas do que o teriam podido fazer séculos de violência e de prepotência. É com a caridade por guia que o Espiritismo caminha para a conquista do mundo.

Será fantasioso e quimérico o quadro que es­bocei diante de vós? Não! A razão, a lógica, a ex­periência, tudo diz que esta é uma realidade.

Espíritas, sois os pioneiros dessa grande obra. Tornai-vos dignos da gloriosa missão, cujos primei­ros frutos já recolheis. Pregai por palavras, mas, sobretudo, pregai por exemplos. Comportai-vos de modo a que, em vos vendo, não possam dizer que as máximas que ensinais são palavras vãs em vos­sos lábios. A exemplo dos apóstolos, fazei mila­gres, pois, para isso, Deus concedeu-vos o dom! Não milagres que chocam os sentidos, porém mi­lagres de caridade e de amor. Sede bons para com vossos irmãos, sede bons para com o mundo intei­ro, sede bons para com vossos inimigos! A exem­plo dos apóstolos, expulsai os demônios. Para isso tendes o poder, e eles pululam em torno de vós, os demônios do orgulho, da ambição, da inveja, do ciúme, da cupidez, da sensualidade, que alimen­tam todas as más paixões e semeiam por entre vós os pomos da discórdia. Expulsai-os de vossos co­rações, a fim de que tenhais a força necessária para expulsá-los dos corações alheios. Fazei esses milagres e Deus vos abençoará, as gerações futuras vos abençoarão como as de agora abençoam os primeiros cristãos, dentre os quais, muitos revi­vem entre vós para assistir e concorrer para o co­roamento da obra do Cristo. Fazei esses milagres e vossos nomes serão inscritos gloriosamente nos anais do Espiritismo. Não empanai esse clarão por sentimentos e atos indignos do verdadeiro espírita, do espírita cristão. Libertai-vos, o quanto antes pos­sível, de tudo quanto possa ainda restar em vós do velho levedo. Cuidai que de um momento para o outro, amanhã talvez, o anjo da morte pode vir bater à vossa porta e dizer: Deus vos chama para prestar­des conta do que fizestes de sua palavra, da pala­vra de Seu Filho, que Ele fez repetir pelos bons Espíritos. Estai, pois, sempre prontos a partir e não façais como o viajor imprudente que é surpre­endido desprevenido. Fazei vossas provisões com antecipação, provisões de boas obras e de bons sentimentos, pois infeliz é aquele que o momento fatal surpreende com a ira, a inveja ou o ciúme no coração. Terão por escolta os maus Espíritos, ju­bilosos das desgraças que o esperam, uma vez que essas desgraças serão a sua obra. E vós sabeis, Espíritas, quais são essas desgraças: os que as sofrem chegam até nós, eles próprios, para descrever seus sofrimentos. Àqueles, pelo contrário, que se apresentarem puros, os bons Espíritos virão esten­der a mão, dizendo-Ihes: Irmãos, sede bem-vindos às celestes moradas onde, vos esperam cantos de ale­gria!

Vossos adversários rirão de vossa crença nos Espíritos e em suas manifestações, mas não poderão rir das virtudes que resultam dessa cren­ça. Não se rirão quando virem os inimigos perdoar­-se ao invés de ferir-se, a paz renascer entre aque­les que se dividiram pela dissídia, o incrédulo de ontem concentrado hoje em prece fervorosa, o ho­mem violento e colérico modificado em ser doce e pacífico, o debochado transfigurado no homem cum­pridor de seus deveres e perfeito pai de família, o orgulhoso que se tornou humilde, o egoísta ofere­cendo provas do mais alto espírito de caridade. Não rirão quando constatarem que já não têm a temer a vingança de seus inimigos, transformados em espíritas. O rico não se rirá quando verificar que o pobre não inveja sua fortuna e o pobre, ao invés de alimentar sentimentos de ciúmes, abençoará o rico que se fez humano e generoso. Os chefes não rirão de seus subordinados e não os molestarão quando constatarem que se fizeram escrupulosos e conscienciosos na realização de seus deveres. Fi­nalmente os patrões encorajarão seus servidores e subalternos quando os virem, sob o império da fé espírita, mais fiéis, mais devotados e mais sinceros. Eles verificarão que o Espiritismo é bom para tudo e para todos e não apenas para salvaguardar­-Ihes os interesses materiais. E tanto pior será pa­ra aqueles que não quiserem ver um pouco mais além. Sob o império dessa mesma fé, o militar se­rá mais disciplinado, mais humano, mais fácil de ser conduzido. Terá sentimentos e obedecerá não pelo temor mas pela razão. É o que constatam os dirigentes imbuídos desses princípios e eles são nu­merosos. E, por tal motivo, sinceramente desejam que nenhum entrave se oponha à propagação das ideias espíritas entre aqueles que se encontram sob sua direção.

Eis, senhores, que rides, o que produz o Espi­ritismo, essa utopia do século dezenove, - parcialmente ainda, é verdade, - mas cuja influência já se reconhece e cuja propagação em breve se compreenderá ser do maior benefício, em favor de todos. Sua influência é uma garantia de seguran­ça para as relações sociais, pois que constitui o mais poderoso freio às más paixões, às efervescên­cias desordenadas, mostrando o laço de amor e de fraternidade que deve unir o grande ao peque­no e o pequeno ao grande. Fazei, pois que, por vosso exemplo, logo se possa dizer: Praza a Deus que todos os homens sejam espíritas de coração!

Caros irmãos espíritas, venho vos indicar o ca­minho, fazer-vos ver o objetivo. Possam minhas pa­lavras, por mais impotentes que elas sejam, ter-vos feito compreen­der a sua grandeza! Todavia, outros virão, depois de mim, que vo-la mostrarão também, e cuja voz, mais poderosa do que a minha, terá para as na­ções o brilho vivaz da trombeta. Sim meus irmãos, Espíritos mensageiros de Deus, encarregados de es­tabelecer o Seu reino na Terra, logo surgirão entre vós e os reconheceríeis por sua sabedoria e a autoridade de sua linguagem. À sua voz, os incrédu­los e os ímpios se encherão de espanto e de estu­por, e curvarão a cabeça, pois não ousarão chama-­los loucos. Eu não poderia, irmãos, revelar-vos tu­do quanto vos prepara o futuro. Mas o tempo está próximo em que todos os mistérios serão revela­dos, para a confusão dos mentirosos e a glorificação dos bons.

Enquanto a oportunidade se apresenta, revesti­-vos do manto branco, abafai as discórdias, pois que as discórdias pertencem ao reino do mal que vai ter fim. Seja-vos possível fundir-vos em uma única e mesma família e dar-vos mutuamente, do fundo do coração e sem pensamento premeditado, o no­me de irmãos. Se entre vós há dissidências, cau­sas de antagonismos, se os grupos que devem to­dos marchar para um objetivo comum estiverem di­vididos, eu o lamento, sem me preocupar com as causas, sem examinar quem cometeu os primeiros erros e me coloco, sem hesitar, do lado daquele que tiver mais caridade, isto é, mais abnegação e verdadeira humildade, pois aquele a quem falta a caridade está sempre errado, assistido embora por qualquer espécie de razão, pois Deus maldiz quem diz a seu irmão: racca.

Os grupos são indivíduos coletivos que devem viver em paz, como os indivíduos, se, realmente, são espíritas. Eles são os batalhões da grande fa­lange. Ora, o que será feito de uma falange cujos batalhões se dividirem? Aqueles que veem o pró­ximo com olhos ciumentos, provam, só por isso, que estão sob uma ruim influência, pois que o Espírito do bem não pode produzir o mal. Vós o sa­beis: a árvore reconhece-se pelos frutos. Ora, o fruto do orgulho, da inveja e do ciúme é um fruto envenenado que mata quem dele se nutre.

O que digo das dissidências entre grupos vale, igualmente, para as que possam haver entre os in­divíduos. Em semelhante circunstância, a opinião das pessoas imparciais é sempre favorável àquele que dá provas de maior grandeza e de generosida­de. Aqui na Terra, onde ninguém é infalível, a in­dulgência recíproca é uma consequência do prin­cípio da caridade que nos leva a agir para com os outros como quereríamos que os outros agissem para conosco. Ora, sem indulgência não há cari­dade, sem caridade não há verdadeiro Espírita. A moderação é um dos sinais característicos desse sentimento, como a acrimônia e o rancor são sinais da negação. Com acrimônia e espírito vingativo deterioram-se as mais dignas causas, mas com a mo­deração fortalecemo-las, se estamos de seu lado, ou delas passamos a participar, se não o fizemos ainda. Se, pois, eu tivesse de opinar em uma di­vergência, eu me preocuparia menos com as causas e mais com as consequências. As causas, em querelas ocasionadas sobretudo por palavras, po­dem ser o resultado de questões das quais nem sempre somos senhores; a conduta ulterior de dois adversários é o resultado da reflexão; eles agem de sangue frio e é então que o verdadeiro caráter de cada uma das partes se define. Uma ruim ca­beça e um mau coração caminham muitas vezes juntos, porém rancor e bom coração são incompa­tíveis. Minha medida de apreciação seria, então, a caridade, isto é, eu observaria aquele que menos mal diz de seu adversário, aquele que é o mais mo­derado em suas recriminações. É segundo esta me­dida que Deus nos julgará, pois Ele será in­dulgente para quem tiver sido indulgente e será in­flexível para quem tiver sido inflexível.

A rota traçada pela caridade é clara, infalível e sem equívocos. Poderíamos defini-Ia assim: "Sen­timento de benevolência, de justiça e de indulgên­cia relativamente ao próximo, baseado no que que­reríamos que o próximo nos fizesse". Tomando-a por guia, podemos estar certos de não nos afastar do caminho reto que conduz a Deus. Quem dese­ja, de maneira sincera e séria trabalhar por sua própria melhoria, deve analisar a caridade em seus mínimos detalhes e por ela conformar sua condu­ta, pois ela se aplica a todas as circunstâncias da vida, tanto às mais simples, quanto às mais com­plexas. De cada vez que estivermos incertos quan­to ao partido a tomar, no interesse alheio, basta que interroguemos a caridade e ela responderá, sempre de maneira justa. Infelizmente escuta-se mais frequentemente a voz do egoísmo.

Sondai, pois, os refolhos de vossa alma, pa­ra dela arrancardes os últimos vestígios das ruins paixões, se delas algo restar ainda. E se experi­mentais algum ressentimento contra alguém, cuidai de abafá-lo e dizei: "Irmão, esqueçamos o passa­do. Os maus Espíritos nos haviam separado, que os bons nos reúnam!" Se ele recusar a mão que lhe estendeis, oh! então, Lamentai-o, pois Deus, por sua vez, lhe dirá: "Por que pedes perdão, tu que não perdoastes?"

Apressai-vos, pois, para que se não vos apli­que esta frase fatal: É tarde demais!

Tais são, queridos irmãos espíritas, os conse­lhos que venho vos dar. A confiança que depositais em mim é uma garantia de que eles da­rão seus frutos. Os bons Espíritos que vos assis­tem vos dizem a cada dia a mesma coisa, mas julguei um dever apresentar-vos essas advertências em um conjunto, para fazer que delas ressaltem melhor as consequên­cias. Venho, pois, em nome deles, lembrar-vos a prática da grande lei de amor e de fraternidade que deverá, em breve, reger o mundo e fazer nele reinar a paz e a concórdia sob o estandarte da caridade para todos, sem exceções de seitas, de castas e nem de cores.

Com este estandarte, o Espiritismo será o tra­ço de união que aproximará os homens divididos pelas crenças e os preconceitos mundanos; ela abaixará as mais fortes barreiras que separam os povos: o an­tagonismo nacional. À sombra dessa bandeira, que será o seu ponto de ligação, os homens se habitua­rão a ver irmãos naqueles que viam como inimi­gos. Daqui até lá ainda haverá lutas, pois o mal não larga facilmente sua presa, e os interesses ma­teriais são tenazes. Sem dúvida não vereis com os olhos do corpo a realização dessa obra, para a qual concorreis, e isso embora esse momento não este­ja remoto. Os anos iniciais do século próximo de­verão prenunciar essa era nova que se prepara ao crepúsculo desta em que vivemos. Mas fruireis, com os olhos do Espírito, o bem que tiverdes fei­to, como os mártires do Cristianismo rejubilaram-se contemplando os frutos de seu sangue derramado. Coragem, pois, e perseverança. Não recueis ante os obstáculos. O campo não se torna fértil sem a dádiva do suor. Assim como o pai, mesmo no ocaso da vida, constrói o lar que irá abrigar seus fi­lhos, crede que construís para as gerações futuras, um templo à fraternidade universal e no qual as únicas vitimas imoladas serão o egoísmo, o orgulho e todas as más paixões que ensanguenta­ram a humanidade.


Allan Kardec






[1] Ver a Revista Espírita, Janeiro de 1862, Ensaio sobre a interpretação da doutrina dos An­jos decaídos.



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