quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Cícero Pereira - Livro Reforma Íntima Sem Martírio - Ermance Dufaux / Wanderley Oliveira - Prefácio - Uma palavra inspiradora




Cícero Pereira - Livro Reforma Íntima Sem Martírio - Ermance Dufaux / Wanderley Oliveira - Prefácio


Uma palavra inspiradora


“Por que não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse eu faço”.  Paulo de Tarso (ROMANOS, 7:19)

Uma pergunta jamais deverá deixar de ser o centro de nossas cogitações nas vivências espíritas: em que estou melhorando?

Ter noções claras sobre as conquistas interiores, mesmo que pouco expressivas, é valoroso núcleo mental de motivação para a continuidade da empreitada da renovação. Por sua vez, não dar valor aos passos amealhados é permitir a expansão do sentimento de impotência e menosprezo aos esforços que já temos encetado.

Como seria justo, os irmãos na carne poderiam indagar: como adquirir então essa noção clara sobre a posição espiritual de cada um, considerando o tamponamento do cérebro físico?

A única postura que nos assegurará a mínima certeza de que algo estamos realizando em favor de nossa ascensão espiritual, na carne ou fora dela, é a continuidade que damos aos projetos de renovação que idealizamos. Os obstáculos serão incessantes até o fim da existência, não nos competindo nutrir expectativas com facilidades mas sim a coragem e o otimismo indispensáveis para vencer um desafio após o outro.

Que a esperança não desfaleça diante desse prognóstico. Nossas conquistas não podem ser edificadas na calmaria. Nossas virtudes não florescerão sem os golpes da dor que dilacera arestas e poda os espinhos da imperfeição.

Nossa palavra de ordem é RECOMEÇAR - uma palavra inspiradora.

Quantas vezes se fizerem necessárias, a nossa grande e única virtude nos áridos campos do aprimoramento íntimo é a capacidade de resistir aos apelos para a queda, jamais desistindo do ideal de libertação que acalentamos, trabalhando mesmo que cansados, servindo mesmo que carentes, estudando mesmo que desmotivados, aprendendo mesmo que sem objetivos definidos.

A própria reencarnação é o mecanismo divino do recomeço, da retomada. Justo, portanto, que abracemos amorosamente os compromissos abandonados de outros tempos e aplainemos nossos caminhos tortuosos.

Temos o que merecemos e somos aquilo que plasmamos.

Em meio ao lodaçal do desânimo nasce o lírio da personalidade tenra que estamos, paulatinamente, cultivando. Sob o peso cruel da angústia, estamos construindo a condição imunizadora do poder mental.

Desde que não desistamos, sempre haverá uma chance para a vitória.

Prossigamos sem expectativas de angelitude que não temos como alcançar por agora.

Não ser o que gostaríamos é o mais alto preço tributado àquele que optou pelos descaminhos do egoísmo, essa também é a maior tormenta para todos os que almejam a melhoria de si próprios. Nisso reside o drama interior narrado por Paulo de Tarso: "Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço."

Não queremos ser mais quem fomos, mas ainda não somos quem queremos ser. Então quem somos?

Isso gera uma etapa definida por profunda inaceitação com tudo na vida. Corpo, profissão, relações, afetos e mesmo os sucessos do caminho são dramaticamente abalados pela diminuição da alegria e do encanto face a essas "provas de ajustamento".

Todavia, a lei estabelece a morte do pecado e não do pecador.

Para todos é abundante a misericórdia - lei universal da piedade Paternal - que assegura-nos: o amor cobre multidão de pecados.(1)

Apesar desse ditame celeste, a dor-evolução não tem sido suportada por muitos e agravada por outros, levando a quadros de graves enfermidades morais e desamor a si mesmo.

Até mesmo a reforma íntima, em muitos casos, devido às más interpretações costumeiras, têm sido um "bordão" de autopunição e martírio penitencial.

Nesse torvelinho de conceitos e dramas psicológicos, Ermance Dufaux surge com uma palavra de conforto e discernimento aos nossos corações. Sua iniciativa nessa obra reveste-se de valorosa inspiração que trará estímulo, pacificação e luz a muitos corações encarcerados nas árduas provas do crescimento íntimo.

Analisando seus textos objetivos e lúcidos, podemos antever a utilidade da iniciativa de enviá-los à Terra. Entretanto, a despeito de sua oferenda, ela própria é a primeira a declinar de seus méritos, solicitando-nos destacar que essas páginas são frutos de um conjunto de esforços de almas que laboram pela implantação do programa de valores humanos(2) para as sociedades espíritas, cujo responsável é o nosso benfeitor Bezerra de Menezes que cumpre diretrizes superiores do Espírito Verdade.

Ressalte-se que, os casos aqui narrados vividos no Hospital Esperança(3), onde mourejamos juntos no serviço do bem, são indicativas preciosas colhidas diretamente de almas que viveram os dramas descritos.

Assim expressamos em respeito a todos eles que permitiram de bom grado a narrativa de suas quedas ou experiências em favor do bem alheio.

Que a mensagem aqui contida seja uma palavra de recomeço e uma inspiração para a continuidade da luta íntima pela vitória do homem renovado no Cristo de Deus.

E lembrando mais uma vez o baluarte da mensagem cristã livre, destacamos que os percalços não o cercearam em direção aos cimos. Apesar de seus conflitos ele, imbativelmente, declarou: "( .. .) tornai a levantar as mãos cansadas, e os joelhos desconjuntados, e fazeis veredas direitas para os vossos pés (...)(4) "E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido."(5)

Sejamos fiéis e confiantes nos pequenos esforços de ascensão que temos conseguido realizar. Abandonemos a aflição e a ansiedade relativamente ao que gostaríamos de ser, porque somente amando o que somos encontraremos força para prosseguir. O mesmo Paulo de Tarso que declarou na angústia de suas lutas: ( ... ) o mal que não quero esse faço, mais adiante, calejado pelas refregas educativas compreendeu a importância que tinha para os ofícios do bem ao afirmar: "(...) não sou digno de ser chamado apóstolo ( .. .) mas pela graça de Deus sou o que sou."(6)

Por nossa vez, estejamos convictos de que não somos eleitos especiais para a obra a que nos entregamos, contudo, já nos encontramos dispostos a esquecer o mal e a construir o bem que pudermos. Existe um melhor recomeço do que esse?


Cícero Pereira




(1) I Pedro, 4:8  
(2) Seara Bendita - Cap. “Atitude de amor”.
(3) Obra de amor erguida por Eurípedes Barsanulfo.  
(4) Hebreus, 12:12­13  
(5) Gálatas, 6:9  
(6) I Coríntios, 15:9­10





Biografia: 
Cícero Pereira

Quem visse aquele homem de estatura mediana, humilde, simples, sóbrio e austero, escondido atrás de óculos de grossas lentes, jamais suporia estar diante de um professor, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, poliglota e esperantista, possuidor de grande erudição e inteligência vulgar.

Cícero dos Santos da Silva Pereira nasceu em São José do Gorotuba - então distrito de Grão Mogol, Minas Gerais - em 11 de novembro de 1881. Foi o segundo filho de Ludovica e Manoel José da Silva Pereira, pais também de Ulisses (primogênito), Ezequiel e Maria Lisbela.

Desde pequeno, o menino Cícero revelou profundo interesse pelos problemas espirituais, iniciando-se aos 13 anos no estudo da Doutrina Espírita, sob a orientação segura de Antônio Loureiro, grande expositor espírita que conhecera em Montes Claros/MG, e do qual se tornou amigo e admirador.

Espírito evoluído, inteligência lúcida e trabalhador incansável, fez de sua vida um evangelho de amor, no exercício da fraternidade e no cultivo da Doutrina de Kardec a que se dedicou com total zelo.

Fez o curso primário na escola pública de São José do Gorotuba, transferindo-se em 1894 para Montes Claros, a fim de cursar a Escola Normal daquela cidade, estabelecimento no qual, na condição de professor recém-formado, iniciou-se no magistério, chegando a ocupar, por indiscutível mérito, o cargo de diretor. Foi nessa Escola que conheceu aquela que viria a ser a companheira devotada de sua vida: Guiomar Léllis, sua aluna.

Casaram-se em 5 de março de 1903, em Riacho do Mato, município de Porteirinha, onde ambos foram professores. Dessa união não houve filhos biológicos, mas adotaram o menino Ruy Sócrates Loureiro, que se formou em Direito. Imenso é o número de filhos espirituais que o casal foi gerando por toda a vida, além dos sobrinhos Antônio dos Santos, José, Joffre e Geraldo Léllis, acolhidos amorosamente em seu lar.

Na cidade de Grão Mogol, para onde regressou em 1909, exerceu o magistério e foi prefeito, coletor estadual e colaborador assíduo do jornal local. Ali, levantou a bandeira do Espiritismo, conseguindo reunir elevado número de adeptos, mercê de sua simpatia, cultura e talento de grande orador.

Em vista disso, a perseguição religiosa se fez sentir sobre ele durante os quase dez anos que ali permaneceu. Como cristão autêntico, suportou todas as agressões recebidas com a maior serenidade e tolerância, amparado pelos amigos espirituais que sempre o assistiram.

Removido em 1920 para Montes Claros, assumiu a gerência do Banco da Lavoura e, junto com colegas de magistério, reorganizou a antiga Escola Normal, da qual foi eleito diretor, assumindo também a atividade docente que ali desenvolvera anos seguidos. Foi escolhido para ocupar a cadeira número 27 da Academia Montesclarense de Letras. Em homenagem póstuma, seu nome foi dado a uma rua no bairro dos Santos Reis, por força do decreto municipal número 778 (de 31 de julho de 1967).

Mudou-se para Belo Horizonte em 1927, como funcionário da matriz do Banco da Lavoura, e dedicou-se ao magistério público - função em que se aposentou. Fundou o jornal O Tempo, ao qual deu sua melhor colaboração. Tornou-se um dos primeiros sócios da União Espírita Mineira, à época sob a direção do amigo Antônio Lima, ocupando o cargo de 1º Tesoureiro. Cultor do Esperanto, foi grande propagandista da língua criada por Zamenhof.

Em março de 1935, Cícero Pereira fez ressurgir o jornal da UEM, figurando seu nome como redator-secretário, no Ano I da Segunda Época e, no Ano II, como regente de O Espírita Mineiro. O número 5 deste Jornal registra a doação de quatro mil réis, feita por Cícero Pereira, para ajudar na aquisição da antiga sede da UEM, na Rua Curitiba, 626.

Como prefeito de Grão Mogol no biênio 1935-1936, deixou a marca de sua capacidade administrativa. Foi eleito Presidente da União Espírita Mineira em 1936, terminando o mandato em 1940. Assumiu, então, o cargo de Vice-Presidente, que ocupou até pouco antes da desencarnação.

Seu nome está indissoluvelmente ligado a várias instituições do nosso Estado, entre as quais o Grupo Espírita Paz e Caridade; o Grupo Espírita dos Trabalhadores Humildes; o Grupo Espírita Perseverança; o Abrigo Jesus – que ajudou a fundar com Leonardo Baumgratz, Alencar Braga, Osório de Moraes, César Burnier Pessoa de Melo, Rodrigo Agnelo Antunes, Francisco Cândido Xavier, Salvador Schembri, Rubens Romanelli, Oscar Santos e outros; a Casa Transitória - que fundou com Maria de Lourdes Carvalho -, entidade inspiradora de obras similares em Brasília e São Paulo; o Centro Espírita Amigos na Dor, em Boa Esperança; e o Grupo das Samaritanas, que mantém a Creche Vovó Guiomar em funcionamento no local onde residiam o Prof. Cícero Pereira e sua esposa Guiomar Léllis Pereira, na rua Bonfim, 360, em Belo Horizonte.

Francisco Cândido Xavier era tido como um filho querido do Prof. Cícero Pereira. Disse o querido Chico: “Achava-me me grandes dificuldades no desdobramento de minhas atividades mediúnicas, após a publicação do Parnaso de Além-Túmulo, em 1932, e precisava ouvir um companheiro que me auxiliasse nos esclarecimentos de que necessitava. Nosso caro Professor, não só me recebeu com imensa bondade, como também me franqueou a própria moradia, onde, por muitas vezes, tive o privilégio de ouvi-lo, tanto quanto à sua querida esposa D. Guiomar, sobre os mais variados problemas da vida, com o que ambos me fortaleceram a fé no estímulo ao trabalho de que foram exemplos vivos em nosso mundo.”

Confessou Cícero Pereira a D. Áurea Netto Pinto, Presidente do Grupo das Samaritanas, quando esta o visitou no hospital, no dia 24 de junho de 1948, que deveria desencarnar naquele dia do “meu Elias”, como costuma dizer, mas o Senhor lhe concedera mais algum tempo na Terra. Momentos antes, Chico Xavier fora abraçá-lo, e ele sussurrou à visitante com a voz entrecortada de soluços e os olhos cintilantes, agora umedecidos: “Que pena a senhora não ter chegado um minuto antes; nosso Chico acaba de me dar uma notícia tão confortadora: que eu reencontrei em Samaritana uma filha muito querida, de outras eras.”

Samaritana era D. Áurea, que assim conclui seu relato:  “Ele soluçava. Soluçamos juntos, enquanto eu depositava, em suas mãos santas e benfazejas, um beijo de filial ternura. E abraçados os três - ele, D. Guiomar e eu - choramos de emoção, de feliz e grata emoção.”

Assim era esse homem bom chamado Cícero Pereira ou, simplesmente, Professor Cícero, que desencarnou em 4 de novembro de 1948, pouco antes de completar 67 anos de idade. O abnegado Professor jamais se recusou a atender qualquer chamado para um passe a um necessitado. Sua palavra mansa, doce, amorosa era remédio infalível para os doentes do corpo ou da alma. Sua autoridade apostólica era irresistível e seus passos deixaram rastros de luz.


Fonte: Jornal “O Espírita Mineiro” (maio/junho - 2003)

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