quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Ermance Dufaux - Livro Emoções que Curam: Culpa, raiva e medo como forças de libertação - Wanderley Oliveira - Cap. 4 - Palavras de uma mãe sobre a culpa




Ermance Dufaux - Livro Emoções que Curam: Culpa, raiva e medo como forças de libertação - Wanderley Oliveira - Cap. 4


Palavras de uma mãe sobre a culpa


"Quando os pais hão feito tudo o que devem pelo adiantamento moral de seus filhos, se não alcançam êxito, não têm de que se inculpar a si mesmos e podem conservar tranquila a consciência. À amargura muito natural que então lhes advém da improdutividade de seus esforços, Deus reserva grande e imensa consolação, na certeza de que se trata apenas de um retardamento, que concedido lhes será concluir noutra existência a obra agora começada e que um dia o filho ingrato os recompensará com seu amor." Santo Agostinho (Paris, 1862). O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. 14, Item 9.


No Hospital Esperança, mais uma manhã de bênçãos e trabalho nos esperava a colaboração. Era dia dos grupos terapêuticos se reunirem, sendo a tarefa marcada para nove horas e reservada para mais de 400 mulheres que foram mães no mundo físico, todas ainda em processo de adaptação e recuperação.

Diversos grupos com funções educativas e libertadoras se organizavam sob os cuidados de dona Modesta. Oficinas do sentimento, tribuna da humildade (1), grupos de reencontro, palestras e vivências de terapia ocupacional foram distribuídas em equipes de vinte a setenta pessoas, conforme o tratamento que cada uma delas estava realizando.

Naquela manhã, todas as salas educativas no primeiro andar foram ocupadas.

Fomos acompanhar dona Modesta e o professor Cícero Pereira, que supervisionavam a tribuna da humildade. Era o maior grupo naquela ocasião, com cem aprendizes que ouviriam o testemunho.

A tribuna da humildade é o lugar para se abrir o coração. A pessoa que ocupa a tribuna para falar de si já havia sido previamente selecionada por terapeutas cuidadosos que acompanhavam os casos. Mesmo aquelas mães que ouviriam a palavra naquela oportunidade obedeciam a uma sequência de tratamentos especializados até chegarem ali para mais uma etapa de benefícios, conforme os atendimentos recuperativos que vinham recebendo.

Essas mães traziam um semblante sofrido. A dor da separação de suas famílias adicionada à forma repressora com que viveram a maternidade as havia entregado aos braços da depressão. Todas desencarnaram entre 1990 e 2010.

Depois que todas as mães estavam devidamente acomodadas, dona Modesta explicou a importância da tarefa, fez a oração e passou a palavra à mãe que faria o depoimento.

Uma mulher franzina, trazendo um largo sorriso no rosto, iniciou sua fala:

— Amigas e irmãs do coração, que Deus nos guarde a todos em sua misericórdia. Meu nome é Bernadete. Não sou acostumada a falar, mas estava ansiosa por estar aqui e poder dizer algo a vocês. 

Já estive assentada onde vocês estão há alguns anos, quando aqui cheguei. Lembro até hoje, com nitidez, a importância que teve para mim o depoimento de outras mães aqui na tribuna da humildade. Foi um divisor de águas.

Quero deixar claro que não falo com nenhuma autoridade e nem vim ensinar nada a ninguém. Só estou aqui porque dona Modesta me convenceu de que o que aprendi pode ser útil a outras mães. Atendendo ao pedido dela - e olhou para dona Modesta assentada na primeira fila de cadeiras -, espero poder ser útil, conquanto reconheça que o que vou dizer foi libertador para minha alma.

Desencarnei em 1999, com quase 60 anos. Essa geração pós-guerra desenvolveu um costume nocivo, até certo ponto fruto de uma herança de gerações, porque eu não conheci uma mãe sem culpa, uma mãe que se achasse boa o bastante para desempenhar sua missão. Culpa por fazer, culpa por deixar de fazer, culpa por pensar em fazer.

Além da herança cultural, o modelo social projetou a mulher a novas e inesperadas formas de participação, criando conflitos íntimos severos entre trabalho, maternidade e família.

A maioria de nós aqui presente pertence a uma geração cujo estandarte foi "ser mãe é padecer no paraíso", uma concepção lamentável que gerou e sustentou muitas crenças enfermiças.

Sei que muitas de vocês estão aqui e gostariam de ainda estar ao lado de seus filhos. Eu também experimentei essa dor. Muitas aqui, assim como eu, fizeram o seu melhor enquanto estavam no corpo físico na condição de mães e, no entanto, depois do desencarne, sofreram uma terrível sensação de fracasso. Sei também que muitas já se sentiam assim enquanto estavam na vida corporal.

Parece uma sina as mães se sentirem culpadas... parece um carma. Entretanto, todo esse processo da nossa geração pós-guerra é muito mais uma questão educacional e em nada identificada com a missão luminosa da maternidade.

Eu tive que rever conceitos aqui no hospital. Foi uma verdadeira cirurgia na mente e no coração. Fui educada por meus pais e familiares para ser perfeita e nunca me achei boa o suficiente. Tive dois lindos filhos e adotei a renúncia e doação por amor como compromissos essenciais para educá-los. Fiz planos de uma família unida e harmonizada juntamente com o marido, um homem exemplar. Ambos espíritas, desde cedo orientamos nossos filhos pelas práticas doutrinárias. Idealizamos nossos filhos como tarefeiros comprometidos e servidores do bem na casa espírita.

Veio, porém, a juventude, e eles queriam suas escolhas. Seguiram o caminho dos estudos, da ciência e do bem. Viveram uma mocidade distante dos ideais que eu e o pai lhes havíamos projetado. Foi difícil aceitar, porque eles não só adquiriram hábitos estranhos à nossa mentalidade, como também se distanciaram do afeto do lar. Para mim, isso se tornou um problema, pois é como se eles tivessem se transformado em oponentes. A distância afetiva me machucava, porque a interpretava como desamor e, o pior, sentia-me responsável pelo que estava acontecendo. Culpava-me e perguntava-me sempre onde foi a minha falha.

Foi então que surgiram os conflitos, porque, no desespero de mãe zelosa, transformei-me em uma cobradora implacável, cansando meus filhos com advertências e enfrentamentos inoportunos que substituíram o lugar do diálogo. Exigi tanto, que eles não suportaram e abandonaram o lar para estudar longe de nossa cidade. Com esforço e a contragosto, eu e meu marido financiamos os recursos e eles foram trabalhar para se sustentar.

O lar depois disso parecia para mim um ninho vazio. Contando assim, superficialmente, ninguém imagina quantos dias de angústia e dor no peito eu sofri, porque os filhos queriam asas próprias e eu as queria podar. Na verdade, dos quinze aos dezenove anos de ambos os filhos, foram noites e dias de sofreguidão.

Onde foi a minha falha? Perguntava sempre a mim mesma e não encontrava resposta. Não encontrava porque sempre lancei o olhar para o passado, procurando lá na infância dos meus filhos o que teria faltado, o que teria sido de mais ou de menos. Não encontrava resposta.

Em verdade, não havia uma resposta para essa pergunta.

A pergunta coerente só vim a aprender aqui no mundo espiritual. Eu não tinha que olhar para trás. Se havia alguma falha, se havia algo a ser feito, era ali, naquele momento, no momento presente em que eles apresentaram suas particularidades. Mas eu não enxerguei que, em vez de ser uma mãe cobradora, podia ter me comportado também como uma mãe amiga e respeitosa, dialogadora e companheira.

Pouco tempo depois que saíram de casa, eu entrei em profunda depressão. Para ser sincera, já estava deprimida e não sabia. A saída deles apenas me permitiu olhar para isso com mais precisão. Tomei medicações fortíssimas, dei trabalho ao marido, perdi a bênção do sono, da alegria e do prazer. Foram quinze anos de luta íntima e dor e, no final de tudo, como se saísse de um túnel escuro de sofrimento e pavor, eu enxerguei, depois de todos esses anos, que meus filhos apenas amadureceram e se tornaram quem eles tinham que ser. Homens bons e conscientes que davam amostras claras de que o exemplo no lar valeu a pena.

Fiz uma descoberta chocante depois de toda essa depressão: meus filhos não se tornaram o projeto que idealizei para eles, eles se tornaram algo muito melhor do que idealizei para eles, eles se tornaram quem são e quem gostariam de ser. Superaram meus próprios planos de mãe neurótica.

Essa é a grande lição da vida. Ninguém vai ser exatamente como gostaríamos que fosse, e nem a vida vai acontecer exatamente como planejamos que ela aconteça.

Desencarnei me sentindo melhor, mas ainda trazendo na alma estiletes de culpa que teimavam em me ferir. Mesmo tendo tempo de ver com meus olhos a realização de meus filhos, ainda guardava na alma uma pesada sensação de fracasso.

Somente aqui pude tratar essa doença nos grupos terapêuticos. Descobri que minha depressão foi o resultado do meu autoabandono. Senti-me tão responsável pelos filhos, que adoeci, esqueci de mim, do marido, da diversão e até desencantei com as tarefas espíritas.

Por várias vezes acreditei que a desobsessão e as orações seriam os caminhos para transformar meus filhos, enquanto a vida esperava-me com outro tipo de aprendizado: deixar uma mensagem clara aos meus amores de que eu também existia, de que eu também respirava, de que eu também tinha aspirações.

Assumi uma responsabilidade que extrapolava a esfera do limite entregue a mim. É uma velha ilusão que faz a mente pernoitar no conceito de que amar é ser responsável pelas pessoas que amamos. Querendo ser salvadora, abri mão do papel de educadora. Dizendo amar, transformei-me em uma controladora compulsiva. Levantando a bandeira da missão espiritual para com os outros, neguei necessidades básicas de minha própria caminhada de aprimoramento na missão essencial de minha cura interior.

Hoje, colaborando nos serviços de adaptação do hospital junto aos grupos de mães, impressiono-me com o que fazemos de nossa missão. Mães diversas saem do corpo físico sentindo-se fracassadas para, somente aqui, orientadas e tratadas, assimilarem uma nova perspectiva de sua reencarnação e descobrirem que o fracasso só estava nas suas cabeças e que, muitas delas, foram vitoriosas e não sabiam.

Uma percepção perfeccionista da maternidade pode adoecer-nos mentalmente, causando enfermidades que solicitam tratamentos especializados. Eu já precisei desse tratamento no mundo físico e tive que continuar aqui no Hospital Esperança.

Eu sei que muitas de vocês padecem dores ainda maiores do que as que vivi na maternidade e eu quero lhes dizer: perdoem-se. Vocês foram apenas mães, e não Deus.

Todas temos um limite e o que passa disso é prepotência, é querer ser mais do que damos conta ou precisamos.

Por fim, sentimo-nos culpadas por raiva. Raiva de não conseguir controlar, de não atingir nossas metas, por não dar conta, por estar extrapolando todos os nossos limites. Com o tempo, toda essa raiva contra nós se transforma em culpa, cobrança, mal-estar e tristeza.

A raiva existe para nos mostrar que precisamos nos proteger, que temos uma urgência em relação ao bem-estar pessoal. Ela é uma emoção de proteção energética, social e emocional.

Cada filho, como espírito eterno que é, responde por sua caminhada. Libertem-se desse peso.

Agindo como se fôssemos Deus, apenas nos escravizamos à enfermidade do amor prepotente, que nos alucina com a ideia de que temos a obrigação de salvar filhos que não querem ser salvos ou de dirigir a vida de filhos que anseiam eles próprios serem proprietários de seus caminhos.

Mães que se sentem fracassadas à luz da reencarnação porque não atingiram os objetivos que supunham essenciais com os espíritos que renasceram como seus filhos, precisam de ajuda e orientação para entenderem que amar não pode ser confundido com ser responsável pelo bem e pelo mal de quem amamos.

Sem dúvida, uma das crenças mais prejudiciais sobre o amor é a de que somos capazes de mudar as pessoas que amamos ou, mais grave ainda, que respondemos pela escolha de nossos entes amados. Adicionada a essa ilusão, sob a ótica da imortalidade da alma, muitos aprendizes do espiritismo, entre os quais eu me incluo, acreditam que é também um dever conseguir essa renovação das pessoas que a vida nos entrega, seja nas experiências do parentesco ou da afetividade, por uma questão de carma.

O efeito mais lamentável dessa falsa crença é a sensação dilacerante de ser também responsável pela queda moral e espiritual daqueles que amamos quando eles não optam pelo seu reerguimento. Fomos educados para pensar que amar é ser responsável por aquilo que o outro faz ou escolhe e dentro da cultura dos espíritas, infelizmente, isso é reforçado.

Não será exagero dizer que essa forma de pensar e comportar é uma tragédia social no terreno dos relacionamentos, porque muitas dores, tormentos e dissabores ocorrem por conta dessa cruel sensação de falência, que encarcera o ser humano nas mais diversas formas de infelicidade e fantasias de fracasso.

Ser responsável pelo outro é bem diferente de ter responsabilidade com o outro. Perante a eternidade, em verdade, somos responsáveis unicamente por nós mesmos. Em relação ao outro, cabe-nos exercer os deveres cooperativos inspirados na lei de sociedade e amor que promove uma teia de solidariedade, apoio mútuo e motivação de uns para com os outros, mas não a ponto de anular o desejo, a intenção, a escolha e a atitude que a outrem compete para o erguimento de si mesmo.

Podemos, sim, estender a mão, orientar, incentivar, alertar, acompanhar, oferecer tempo, atenção e carinho aos nossos afetos de caminhada, todavia, além disso, quaisquer ações que visem ajudar podem conduzir para a perturbação, para o engano, para a cobrança e para a necessidade egoística de controle, estabelecendo um quadro emocional de dependência e tormenta afetiva.

Amar não é algemar-se a alguém. Amar não significa agradar o tempo todo. Amar é criar laços saudáveis que deixam marcantes motivos para desejar a presença de quem se cativa. Amar é estar presente no coração das pessoas mesmo estando longe.

Quando exigimos excessivamente dos outros, esperando o que eles, na maioria das vezes, não têm condições de atender ou não desejam fazê-lo, certamente estamos tratando a nós mesmos dessa exata forma. Quando também fazemos pelas pessoas que amamos aquilo que elas não nos pediram, a pretexto de agradá-las ou de socorrê-las, poderemos nos enredar, com o tempo, na armadilha da mágoa e do destempero emocional.

Cobranças e expectativas desmedidas são neuroses, doenças psíquicas e comportamentais que oneram nossa vida com climas pesados e tóxicos, criando uma convivência distante da verdadeira amorosidade cristã e refazente.

Amar não significa ter uma varinha de condão capaz de transformar os outros naquilo que gostaríamos que eles fossem, e quem se aventura a essa experiência na escola da vida, quase sempre, abandona a si próprio acreditando que essa atitude de renúncia é uma das expressões mais virtuosas e legítimas do amor. Ao contrário do que se pensa, o amor verdadeiro não deve ser interpretado como a ação de se esforçar ao máximo para facilitar a vida dos que amamos. Pelo contrário, o amor nunca solicitou tanto limite como atualmente.

A ausência de condições para que o amor se expresse em favor da dignidade e do crescimento moral tem feito muitos reféns emocionais, que são aquelas pessoas que vivem da troca de favores, esperando uma resposta do ser amado aos seus esforços para agradar ou salvá-lo, e terminam prisioneiras de seus medos, de suas culpas e de suas supostas derrotas em relação ao que esperavam ou desejavam do ser amado. Os reféns emocionais basicamente se caracterizam por acreditar que nasceram para fazer a felicidade de alguém, que essa é sua missão, seu dever. Entendem que amar é sofrer com a dor das pessoas que amam ou que para ser feliz necessita do amor alheio. Por essas razões, essas pessoas se sentem responsáveis pelo que o outro faz ou é.

O remédio para nos mães perfeccionistas e o autoamor, o cuidado com nós mesmas. Assim como para amar é necessária a educação, também o autoamor é um caminho que nos espera para construção paciente de hábitos de autoacolhimento e ternura, aceitação e bondade.

Espero que minhas palavras se transformem em consolo e motivação para que vocês encontrem forças para o autoperdão.

Para finalizar, eu peço a todas vocês que fiquem de pé para orarmos juntas uma oração, a mim ensinada por dona Modesta, dirigida à nossa mãe santíssima, Maria, a mãe do senhor Jesus.

Maria Santíssima, somos também tuas filhas.

Mãe salvadora de todos, rogai por nós que desejamos sair dos vales da sombra e da amargura de nossas culpas injustas e dilacerantes.

Oh, Santíssima Mãe de Jesus! Ajuda-nos a transformar nosso arrependimento em luz e coragem no caminho.

Coroa-nos o esforço do autoperdão com tua doce e santa misericórdia, com a energia de tua ternura infinita.

Te pedimos refúgio para não nos sentirmos falidas e conseguirmos olhar com compaixão para nossas faltas.

Empresta-nos tua mão delicada para levantarmo-nos dos tropeços da frustração perante nossas exigências descabidas.

Oh, Soberana Senhora ! Sabemos que merecemos a felicidade e a prosperidade, mas nos sentimos distantes da condição de filhas amadas pelo Pai de nossas jornadas evolutivas.

Auxilia-nos a tecer com os fios da caridade um manto de proteção que nos faça sentir acolhidas e credoras da bondade celeste.

Concede-nos, em nome de tua pureza, a energia salutar da fé imbatível para nos nutrirmos de amor e merecimento, amizade e farturas do coração.

Em nome de teu poder de amar-nos incondicionalmente, envolva-nos na candura de tua paz e generosidade.

Sob a guarda de tua sabedoria e doçura, Mãe querida, nossa vida terá mais rumo, nossos dias serão mais abundantes, nossa alegria será mais justa e nossa vontade será mais lúcida.

"Disse-lhe, então, o anjo: Maria, não temas, porque achaste graça diante de Deus;" (2)

Santíssima Maria de Nazaré, pelas graças que o Pai te confiou, faça-nos também tuas filhas, para que igualmente possamos afirmar: achamos graça diante do amor e da vida.

Assim seja!


Ermance Dufaux




(1) Nota da editora: No livro Lírios de esperança, a autora espiritual Ermance Dufaux oferece informações mais detalhadas sobre essa tarefa educativa.

(2) Lucas 1:30



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