quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Espírito José Mario - Livro Quem sabe pode muito, quem ama pode mais: Os desafios da convivência no centro espírita - Wanderley Oliveira - Cap. 3 - Examinando o Orgulho



Espírito José Mario - Livro Quem sabe pode muito, quem ama pode mais: Os desafios da convivência no centro espírita - Wanderley Oliveira - Cap. 3


Examinando o Orgulho


"Porquanto qualquer que a si mesmo se exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado." Lucas, 14:11

- Dona Modesta como avaliar a reação de Calisto ante as ponderações feitas por Ana durante a festa? 

Pareceu-me que não as recebeu como devia!

- Sua análise é pertinente, meu amigo. A personalidade de Calisto merece um estudo aprofundado nos meios espíritas. Estudar suas particularidades morais significa ampliar nosso raio de compreensão, acerca de uma das características comportamentais mais destrutivas de nossa causa de amor. 

- O orgulho? - Um derivado do orgulho. A arrogância. Lembra-se de nossa conversa ontem durante o chá? 

Calisto é um trabalhador devotado e esclarecido. Superou lutas íntimas e externas que poucos se dispõem a vencer. Reúne qualidades sobre as quais nós, os espíritas, pudemos edificar farta semeadura de bênçãos em favor da doutrina e do próximo. - E mesmo com essas qualidades... - Mesmo com essas qualidades, ainda não conseguiu, como a maioria de nós, suplantar suas expressões morais inferiores. 

Consideremos a esse respeito que nossa ótica espiritual encontra-se excessivamente viciada, porque, entre nós, os aprendizes do Espiritismo em ambos os planos de vida, acostumamo-nos avaliar os esforços alheios de modo míope, distante da verdadeira condição em que o Espírito se encontra na evolução. 

O fato de atingirmos longos anos de trabalho ou reunir vultosa folha de cooperação ao ideal espírita, não é garantia de realização íntima ou vitória definitiva na luta contra as velhas tendências da alma. - A arrogância então deriva do orgulho? 

- O orgulho é o sentimento de superioridade e a arrogância é uma das manifestações mais salientes desse traço moral. A personalidade arrogante supervaloriza seu próprio eu. Mantém uma fixação enfermiça nas "vibrações do ego". 

O arrogante não aceita críticas, quando as aceita procurar maquiar as correções que ela indica em sua conduta; despreza o valor alheio e se o reconhece adapta-o aos seus interesses e modo de ver; tiraniza a si mesmo nas malhas da culpa; tem uma convicção inabalável em suas próprias crenças, porque calcadas no perfeccionismo que o martiriza. 

A arrogância afasta as pessoas. O arrogante comete o disparate de acreditar que pode e até deve mudar o modo de pensar dos outros. Nesse sentido usa de toda sua ardilosidade. Não costuma ouvir senão as opiniões que vem de encontro ao seu próprio ego. Raramente abre-se a pensar nas ponderações dos outros por nutrir um exagerado sentimento de certeza naquilo que realiza. 

A personalidade arrogante é autossuficiente. Alimenta-se de confiança exacerbada. Quase sempre, tem suas origens nas experiências de sucesso que deve riam insuflar a competência e arte de promover o ser humano ao crescimento, à habilitação em novos misteres. Tais ingredientes morais mascaram a compulsiva sensação de grandeza alcançando patamares de desrespeito à vida alheia no campo individual ou coletivo, sem que o arrogante o perceba. 

- Perdoe a indiscrição, Calisto tem sido muito arrogante junto às suas atividades? 

- Para o grupo carnal, nesse momento das vivências do Grupo X, ele se tornou um ônus. 

- Por que Dona Modesta? É muito fácil, José Mário, no nosso estágio evolutivo, perdermos a condição de servidores, operários da causa, e nos autopromovermos a qualificações que ainda não possuímos. Julgarmo-nos mais importantes que o ideal. Efeitos do nosso orgulho. 

Calisto sente-se indispensável e não acredita na possibilidade de que outros possam fazer o que ele faz com a mesma competência. É um trabalhador valoroso que corre o risco eminente de atolar-se em severas refregas pelo simples fato de não aceitar os alvitres que a própria vida vem lhe apresentando. É um coração com grande alcance de visão, mas incapaz de submeter sua capacidade de enxergar ao exame alheio. As pessoas que lhe contestam são taxadas por obsidiadas. Raramente ouve opiniões diversas. 

- Há quanto tempo Calisto vem atuando no Grupo X? 

- Quase duas décadas. - Sua conduta seria a causa dos conflitos? 

- É difícil admitir que uma só pessoa seja a causa isolada dos problemas em qualquer grupo. Os conflitos surgem de um conjunto de situações. A personalidade arrogante de Calisto cria um largo tronco de lenha na fogueira que está preste a ser acesa no Grupo X. Contudo, é preciso franqueza em nossas análises para um bom aprendizado José Mário. 

Calisto, a despeito de sua coragem e inquestionável bagagem espiritual, está sendo chamado a novas lições na condução de seus potenciais. Manejar o conhecimento e a experiência doutrinária como se tem feito com muitas conquistas do homem comum, distante das realidades espirituais, é correr riscos perigosos de se lançar no personalismo. Nosso irmão tem sido infantil em relação a sua experiência. Tem agido como cidadão comum na luta humana que alcança seus sonhos e metas e se acomoda na atitude de vangloriar-se de si mesmo, supondo-se mais do que realmente é. 

Essas características são muito salutares para catalisar pessoas, aglutiná-las. É um líder nato. Aglutinar pessoas, porém, é muito fácil. Difícil é mantê-las coesas e em harmonia. Com a mesma facilidade que catalisa, Calisto dispersa pessoas. E os que dispersam sempre estão incorrendo em erro. Não queira saber, por conta de seu caráter, quantas pessoas já passaram pelas tarefas sob sua coordenação. Entretanto, para ele, todos se afastam por imaturidade e ataques espirituais. 

A festa continuava bulhenta. Com muitos risos e descontração. Como disse Doutor Inácio aos meus ouvidos: - Pronto socorro para desopilar o fígado. Minha mente estava distante dos ruídos daquele instante. As lições de Dona Modesta calaram na minha intimidade profunda. 

Lembranças eclodiam em minha tela mental acerca das minhas próprias lutas de relacionamento. Apesar de ingressar nas provas de nossos irmãos somente agora, sentia-me sensivelmente responsável pelo que lhes ocorria. É como se fizesse parte de tudo o que ali presenciei já há muito tempo. O Grupo X era um espelho de minhas próprias necessidades e experiências. Ficava clara, a cada instante, a razão do convite para cooperar. 

Meus olhos, novamente, marejaram. Algo soterrado no meu inconsciente viera à tona. Tamanha foi minha emoção, e seguindo as orientações de meus terapeutas, não me contive e adotei a espontaneidade. Supliquei a Dona Modesta: - Não sei como dizer, mas sei que a senhora vai me entender! Por caridade, não me afaste dessa tarefa. 

- José Mário, aqui será sua nova sala de aula!... 

Logo na manhã seguinte, bem cedo, Calisto telefona para Ana a fim de lhe fazer um pedido. 

- Ana, bom dia! - Bom dia, Calisto! - Olha, vou direto ao assunto. Estou ligando para lhe pedir, encarecidamente, deixar Antonino fora dessa reunião de diretoria. Estive pensando no que falamos ontem na festa. Acredito, realmente, que esteja na hora de conversarmos. A reunião é bem-vinda. Entretanto, vamos preservar Antonino. 

- Vou pensar no assunto, Calisto, e discutir com os companheiros. Talvez possamos fazer dessa forma. Confesso-lhe que a ideia não me agrada. 

- E você está bem? - Bem?! - É que ficou muito nervosa ontem durante nosso diálogo. 

- Não houve diálogo, Calisto. Aliás, cada dia mais, escasseia em nosso grupo a possibilidade de qualquer concórdia. 

- Mas me responda como está? - Olha, Calisto! Vou te ser franca mais uma vez! Sequer tenho vontade de falar de meus sentimentos para você, considerando que só se utiliza desse expediente para gerir seus interesses e manipular pessoas. Esteja certo amigo, dessa vez é pra valer. Ou nós mudamos, ou não sei o que virá. 

- Você tem que abrir seus olhos, Ana. Lembra daquela comunicação mediúnica alertando sobre o telhado do centro que seria apedrejado? 

- Lembro sim, Calisto. 

- Então, fique atenta com essa atitude. 

- Quer saber?! Estou farta de seus argumentos sobre trevas e alertas mediúnicos. Você não tem olhar para o que se passa a um palmo de seu coração, não é mesmo? Você não existe Calisto. Uma pessoa que não sente, não existe. Sua mente está voltada para o exterior. Muito fácil arrolar problemas com as trevas, mas e nós como ficamos? 

- Olha Ana... - ela nem o deixou terminar. 

- Olha aqui você, Calisto. Tenho mais o que fazer! Estou com muitas panelas no fogo! Com licença e até a reunião. 

- Considere meu pedido, Ana. 

- Se o fizer não farei por você, esteja certo. 

Mal se despediram. O clima agoniava. Calisto ao telefone agia com extrema habilidade de cálculo. Sempre que questionado, era essa sua reação. Ao desligar o telefone, estava completamente ensimesmado, como se arquitetasse algo mentalmente. Falava sozinho na sala de sua residência. Pensava uma maneira de dissuadir a diretoria da reunião. Via nisso uma terrível armadilha das trevas para levar o grupo ao pior. 

Mal terminou seus raciocínios e o telefone tilintou. 

- Olá, é Calisto? 

- Sim, sou eu. 

- Como vai amigão? 

- Antonino? Tudo em paz, amigo? Passou bem de ontem? 

- Que caldos! Comi até não poder mais! 

- E então? Ligando tão cedo assim! 

- Tive algumas percepções e queria dividir com você. 

Calisto se apressou em pegar uma agenda para fazer anotações. Ouvia com atenção. Por um segundo chegou a relampejar em sua mente a ideia de que algo novo surgiria para clarear a situação. 

- Pode falar, Antonino. 

- Tive sonhos horríveis dos quais não me lembro. Havia muita batalha, muita guerra nos sonhos. Agora a pouco, quando acordei, tive uma nítida sensação da presença de Dona Modesta. Lembra dela? 

- Aquela dos livros de Inácio Ferreira? 

- Sim, é ela mesma. Nunca a havia percebido. 

- Ela disse algo - manifestou Calisto com certa apreensão de que algo obtivesse acerca da suas recentes lucubrações ou mostrou alguma visão? 

- Sim. Ela me disse que os trabalhadores de linha de frente do Grupo X precisam descer dos tronos. 

- Tronos?! 

- Tronos do orgulho. Foi assim que ela disse. 

- Compreendo. E ela citou algum episódio? 

- Não. Ela não me disse mais nada, mas fiquei com um senti mento de que deveria me preparar para uma longa batalha. Está acontecendo algo na casa, Calisto? 

- As lutas de sempre Antonino. Tudo contornável. 

- Ainda bem! E de forma muito humilde e simplória, expressou Antonino. 

- Fiquei muito comovido com a presença dela. Lembrei-me da mensagem de Eurípedes. Você se lembra? Aquela dirigida A diretoria? 

- Sim, lembro bem! Pena que o grupo esqueceu a mensagem, não é Calisto?! Achei-a tão oportuna a todos nós! Nos dias seguintes à sua recepção, tive uma sensação que ela teria muitos efeitos no grupo Mas vou me desligar disso, não é tarefa minha essa análise, não é... 

Após a fala de Antonino, Calisto desconcertou. Ficou lívido Mudou de assunto e sentiu raiva pelo que vinha ocorrendo. No íntimo, ele é um homem com nobreza de ideal. Queria preservar exatamente essa pureza que sentia em Antonino. Guardar sua vida mental das tricas e futricas. A vida, porém, reserva lições indispensáveis ao crescimento de todos... A pureza de estufa não condiz com o verdadeiro cristão. 

Antonino sequer imaginava o que deflagrou a referida mensagem mediúnica. Os autênticos discípulos do Cristo não encontram na imortalidade um adorno cultural com o qual possam tecer digressões filosóficas ou louvar os Planos Mais Altos com intercâmbios esporádicos. Para eles, imortalidade é sentimento que eleva e aperfeiçoa, encoraja e liberta. Quem o experimenta, renova-se. Quem sente a imortalidade, dirige-se para o alto em busca da ascensão moral. 

Imortalidade é conquista no reino das emoções nobres. Serviço de aperfeiçoamento através dos choques da dor. Aquisição feita nos entrechoques da realidade. Os médiuns com Jesus devem conhecer os campos sangrentos das lutas de cada dia, a fim de não se tornarem pítons dos tempos modernos, acomodados em confortáveis tendas de proteção, enquanto seus irmãos entregam-se ao combate ardoroso. 

Calisto agia como um profissional competente em diagnosticar a enfermidade, mas totalmente incapaz de aplicar a solução mais adequada. Habilidoso no trato com as questões do mundo espiritual, e cego para a realidade de seus próprios sentimentos. Míope para sua intimidade. 

Muito fácil para almas em nosso estágio, encontrar as causas dos desentendimentos fora de nós. Colocar um espelho diante do coração, pedir desculpas, propor novos caminhos com base nessas descobertas, assumir o arrependimento pelos nossos atos e decisões, voltar atrás nas escolhas mal feitas, propor acordos de paz, tudo isso ainda é muito raro. 

A percepção de Antonino dentro da história foi de uma fidelidade ímpar. Era exatamente a expressão usada por Dona Modesta. Desapegarem-se do trono. Vencerem as posturas psicológicas de orgulho que criam as miragens dos personalismos. 

Sem essa conquista, nossas iniciativas espirituais não passam de manifestações farisaicas dos lábios para fora a declamar: senhor, senhor!


Espírito José Mario













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