Humberto de Campos - Livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho - Chico Xavier - Cap. 23
A obra de Ismael
O grande movimento preparatório do Espiritismo em todo o mundo tinha, no Brasil, a sua repercussão, como era natural.
Por volta de 1840, ao influxo das falanges de Ismael, chegavam dois médicos humanitários ao Brasil. Eram Bento Mure e Vicente Martins [João Vicente Martins (1808-1854)], que fariam da medicina homeopata verdadeiro apostolado.
Muito antes da codificação kardeciana, conheciam ambos os transes mediúnicos e o elevado alcance da aplicação do magnetismo espiritual. Introduziram vários serviços de beneficência no Brasil e traziam por lema, dentro da sua maravilhosa intuição, a mesma inscrição divina da bandeira de Ismael — “Deus, Cristo e Caridade”. Indescritível foi o devotamento de ambos à coletividade brasileira, à qual se haviam incorporado, sob os altos desígnios do mundo espiritual.
Nas suas luminosas pegadas, seguiram, mais tarde, outros pioneiros da homeopatia e do Espiritismo, na Pátria do Evangelho. Foram eles, os médicos homeopatas, que iniciaram aqui os passes magnéticos, como imediato auxílio das curas. Hahnemann conhecia a fonte infinita de recursos do magnetismo espiritual e recomendava esses processos psicoterápicos aos seus seguidores.
Os primeiros fenômenos de Hydesville, na América do Norte, em 1847, não passaram despercebidos à corte do segundo reinado. A febre de experimentações que se lhes seguiu, nas grandes cidades europeias, incendiou, igualmente, no Rio de Janeiro, alguns cérebros mais destacados no meio social. Em 1853, a cidade já possuía um pequeno grupo de estudiosos, entre os quais se podia notar a presença do Marquês de Olinda e do Visconde de Uberaba. Em Salvador, esses núcleos de experimentação também existiam, em idênticas circunstâncias.
Em 1860 surgem as primeiras publicações espiritistas. Em 1865, o Dr. Luís Olímpio Teles de Menezes, com alguns colegas, replicava pelo “Diário da Bahia” a um artigo algo irônico de um cientista francês, desfavorável ao Espiritismo, publicado na Gazette Médicale e transcrito no jornal referido. As publicações brasileiras não passaram despercebidas ao próprio Allan Kardec, que delas teve conhecimento, com a mais justa satisfação íntima. [v. O Espiritismo no Brasil]
A doutrina seguia marcha vitoriosa, através de todos os ambientes cultos da Europa e da América, quando o grande codificador se desprendeu dos laços que o retinham à vida material, em 1869. Justamente nesse ano surgira o primeiro periódico espírita brasileiro — “O Eco de Além-Túmulo”. O desaparecimento do mestre deixara algo desorientado o campo geral da doutrina em organização. Em Paris, como nos grandes centros mundiais quiseram inutilmente substituir-lhe a autoridade. As falanges de Ismael estavam vigilantes.
Sugeriram aos espiritistas brasileiros a necessidade de criar, no Rio, um núcleo Central das atividades, que ficasse como o órgão orientador de todos os movimentos da Doutrina no Brasil. Um dos emissários de Ismael, que dispunha de maiores elementos no terreno das afinidades mediúnicas, para se comunicar nos grupos particulares organizados na cidade, adotou o pseudônimo de Confúcio, sob o qual transmitia instrutivas mensagens e valiosos ensinamentos. Em 1873 fundava-se, com estatutos impressos e demais formalidades exigidas, o “Grupo Confúcio” que constituiria a base da obra tangível e determinada de Ismael, na terra brasileira. Por esse grupo passaram, na época, todos os simpatizantes da Doutrina e, se efêmera foi a sua existência como sociedade organizada, memoráveis foram os seus trabalhos, aos quais compareceu pessoalmente o próprio Ismael, pela primeira vez esclarecendo os grandes objetivos da sua elevada missão no país do Cruzeiro.
Nem todos os espiritistas modernos conhecem o fecundo labor daqueles humildes arroteadores dos terrenos inférteis da sociedade humana. A realidade é que eles lutaram denodadamente contra a opinião hostil do tempo, contra o anátema, o insulto e o ridículo e, sobretudo, contra as ondas reacionárias das trevas do mundo invisível, para levantarem bem alto a bandeira de Ismael, como manancial de luz para todos os espíritos e de conforto para todos os corações. As entidades da sombra trouxeram a obra ingrata da oposição ao trabalho produtivo da edificação evangélica no Brasil. Bem sabemos que, assim como Aquiles possuía um ponto vulnerável no seu calcanhar, o homem em si, pela sua vaidade e fraqueza, também tem um ponto vulnerável em todos os escaninhos da sua personalidade espiritual, e os seres das trevas, se não conseguiram vencer totalmente os trabalhadores, conseguiram desuni-los no plano dos seus serviços à grande causa. O Grupo Confúcius teve uma existência de três anos rápidos.
Os mensageiros de Ismael, triunfando da discórdia que destruía o grande núcleo nascente, fundavam sobre ele, em 1876, a “Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade”, sob a direção esclarecida de Francisco Leite de Bittencourt Sampaio, grande discípulo do emissário de Jesus, que, juntamente com Bezerra, tivera a sua tarefa previamente determinada no Alto. A ele se reuniu Antônio Luís Saião, em 1878, para as grandes vitórias do Evangelho nas terras do Cruzeiro. O trabalho maléfico das trevas, no Plano invisível, é arrojado e perseverante.
No seio desse redil de almas humildes e simples, esclarecidas à luz dos princípios cristãos, onde militavam espíritas lúcidos e sábios como Bittencourt Sampaio, que abandonara os fulgores enganosos da sua elevada posição na literatura e na política para se apegar às claridades do ideal cristão, as entidades tenebrosas conseguem encontrar um médium, pronto para a dolorosa tarefa de fomentar a desarmonia e, estabelecida de novo a discórdia, os mensageiros de Ismael reorganizam as energias existentes, para fundarem, em 1880, a “Sociedade Espírita Fraternidade”, com a qual se carregava em triunfo o bendito lema do suave estandarte do emissário do Divino Mestre.
Em 1883, Augusto Elias da Silva, na sua posição humilde, lançava o “Reformador”, coadjuvado por alguns companheiros e com o apoio das hostes invisíveis. As mesmas reuniões do grupo humilde de Antônio Saião e Bittencourt Sampaio continuam. Uma plêiade de médiuns curadores, notáveis pela abnegação, iniciam, no Rio, o seu penoso apostolado. Elias da Silva e seus companheiros notam, entretanto, que a situação se ia tornando difícil com as polêmicas esterilizadoras. A esse tempo, os emissários do Alto prescrevem categoricamente aos seus camaradas do mundo tangível:
— “Chamem agora Bezerra de Menezes ao seu apostolado!”
Elias bate, então, à porta generosa do mestre venerável, o que não era preciso, porque seu grande coração já se encontrava a postos, no sagrado serviço da Seara de Jesus, na face da Terra.
Bezerra de Menezes traz consigo a palma da harmonia, serenando todos os conflitos. Estabelece a prudência e a discrição entre os temperamentos mais veementes e combativos.
A obra de Ismael, no que se referia às luzes sublimes do Consolador, estava definitivamente instalada na Pátria do Cruzeiro, apesar da precariedade do concurso dos homens. As divergências foram atenuadas, para que a tranquilidade voltasse a todos os centros de experimentação e de estudo. Os operários espalhavam-se pelo Rio, cada qual com a sua ferramenta, dentro do grande plano da unificação e da paz, nos ambientes da Doutrina, plano esse que eles conseguiram relativamente realizar, mais tarde, organizando o aparelho central de suas diretrizes, que se consolidaria com a Federação Espírita Brasileira, onde seria localizada a sede diretora, no Plano tangível, dos trabalhos da obra de Ismael no Brasil.
Humberto de Campos
(Irmão X)
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