sexta-feira, 12 de março de 2021

Allan Kardec - O Livro dos Espíritos - Conclusão - VII




Allan Kardec - O Livro dos Espíritos - Conclusão


VII


O Espiritismo se apresenta sob três aspectos diferentes: o fato das manifestações, os princípios de filosofia e de moral que delas decorrem e a aplicação desses princípios. Daí, três classes, ou, antes, três graus de adeptos: 1o, os que creem nas manifestações e se limitam a comprová-las; para esses, o Espiritismo é uma ciência experimental; 2o, os que lhe percebem as consequências morais; 3o, os que praticam ou se esforçam por praticar essa moral. Qualquer que seja o ponto de vista, científico ou moral, sob que considerem esses estranhos fenômenos, todos compreendem constituírem eles uma ordem inteiramente nova de ideias, cujas consequências não podem deixar de ser uma profunda modificação no estado da humanidade. Compreendem também que essa modificação se dá exclusivamente no sentido do bem.

Quanto aos adversários, também podemos classificá-los em três categorias: 1a, a dos que negam sistematicamente tudo o que é novo, ou deles não venha, e que falam sem conhecimento de causa. A essa classe pertencem todos os que não admitem senão o que possa ter o testemunho dos sentidos. Nada viram, nada querem ver e ainda menos aprofundar. Ficariam mesmo aborrecidos se vissem as coisas muito claramente, porque forçoso lhes seria convir em que não têm razão. Para eles, o Espiritismo é uma quimera, uma loucura, uma utopia, não existe: está dito tudo. São os incrédulos de opinião formada. Ao lado desses, podem colocar-se os que se dignaram dar uma olhada nos fatos, por desencargo de consciência, a fim de poderem dizer: Quis ver e nada vi. Não compreendem que seja preciso mais de meia hora para alguém se inteirar de uma ciência. – 2a, a dos que, sabendo muito bem o que pensar da realidade dos fatos, os combatem, todavia, por motivos de interesse pessoal. Para estes, o Espiritismo existe, mas lhes receiam as consequências. Atacam-no como a um inimigo. – 3a, a dos que acham na moral espírita uma censura por demais severa aos seus atos ou às suas tendências. Tomado a sério, o Espiritismo os embaraçaria; não o rejeitam, nem o aprovam: preferem fechar os olhos. Os primeiros são movidos pelo orgulho e pela presunção; os segundos, pela ambição; os terceiros, pelo egoísmo. Concebe-se que, nenhuma solidez tendo, essas causas de oposição deverão desaparecer com o tempo, pois em vão procuraríamos uma quarta classe de antagonistas, a dos que em patentes provas contrárias se apoiassem, demonstrando estudo laborioso e porfiado da questão. Todos apenas opõem a negação, nenhum aduz demonstração séria e irrefutável.

Seria presumir demais da natureza humana supor que ela possa transformar-se de súbito, por efeito das ideias espíritas. A ação que estas exercem não é certamente idêntica, nem do mesmo grau, em todos os que as professam. Qualquer que seja o caso, porém, o resultado dessa ação, mesmo que fraco, representa sempre uma melhora. Será, quando menos, o de dar a prova da existência de um mundo extracorpóreo, o que implica a negação das doutrinas materialistas. Isso é a própria consequência da observação dos fatos. Porém para os que compreendem o Espiritismo filosófico, e nele veem outra coisa que não somente fenômenos mais ou menos curiosos, tem ainda outros efeitos. O primeiro, e mais geral, consiste em desenvolver o sentimento religioso até naquele que, sem ser materialista, olha com indiferença para as questões espirituais. Daí lhe advém o desprezo pela morte. Não dizemos o desejo de morrer; longe disso, porquanto o espírita defenderá sua vida como qualquer outro; mas uma indiferença que o leva a aceitar, sem queixa, nem pesar, uma morte inevitável, como coisa mais de alegrar do que de temer, pela certeza que tem do estado que se lhe segue. O segundo efeito, quase tão geral quanto o primeiro, é a resignação nas vicissitudes da vida. O Espiritismo dá a ver as coisas de tão alto, que, perdendo a vida terrena três quartas partes da sua importância, o homem não se aflige tanto com as tribulações que a acompanham. Daí, mais coragem nas aflições, mais moderação nos desejos. Daí, também, o banimento da ideia de abreviar os dias da existência, pois a ciência espírita ensina que, pelo suicídio, sempre se perde o que se queria ganhar. A certeza de um futuro que de nós mesmos depende tornar feliz, a possibilidade de estabelecermos relações com os entes que nos são caros, oferecem ao espírita suprema consolação. O horizonte se lhe dilata ao infinito, graças ao espetáculo, a que assiste incessantemente, da vida de além-túmulo, cujas misteriosas profundezas lhe é facultado sondar. O terceiro efeito do Espiritismo é o de estimular no homem a indulgência para com os defeitos alheios. Todavia, cumpre dizê-lo, o princípio egoísta e tudo que dele decorre são o que há de mais tenaz no homem e, por conseguinte, de mais difícil de desarraigar. Toda gente faz sacrifícios com prazer, contanto que nada custem e de nada privem. Para a maioria dos homens, o dinheiro tem ainda irresistível atrativo, e bem poucos compreendem a palavra supérfluo quando se trata de si. Por isso mesmo, a abnegação da personalidade constitui sinal do mais eminente progresso.


Allan Kardec






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