Joanna de Ângelis - Livro Conflitos Existenciais - Divaldo P. Franco - Cap. 1 - Fugas psicológicas - Pág. 14
Danos imediatos e remotos decorrentes
O hábito de evitar-se responsabilidades e deveres que parecem insuportáveis, conduz o indivíduo a uma falsa comodidade, assinalada pela conduta leviana e infantil.
Todos os seres humanos existem para realizar o crescimento interior, a sua individuação.
Inutilmente se busca burlar o impositivo do progresso, que é o recurso hábil para a conquista do Si profundo e de todas as suas potencialidades.
Quando, por uma ou outra razão, resolve-se pela acomodação ao já feito, ao já conhecido, deperece-se a energia vitalizadora e empobrece-se a existência, que tem por finalidade precípua o enriquecimento pela sabedoria.
Desse modo, os mecanismos de fuga psicológica quase sempre candidatam o paciente a um estado de inconsequências morais, frutos da constante evasão da realidade para um universo de fantasia, onde tudo se realiza magicamente, utopicamente.
Essa imaturidade emocional faz que se perca o interesse pelos nobres ideais, aqueles que exigem postura adequada e luta contínua, não dando abrigo a comportamentos alienantes ou desculpistas.
A culpa ancestral, fixada no inconsciente do indivíduo, exerce uma grande pressão sobre sua conduta atual, estimulando às evasões da realidade, ao esquivar-se dos compromissos vigorosos, mantendo atormentada a sua vítima, sempre à espera de algo perturbador.
Ignorar a responsabilidade de forma alguma a anula. Pelo contrário, apenas transfere-a em tempo e lugar, para futuros enfrentamentos inevitáveis, em situações aflitivas pelo impositivo da reencarnação.
Do ponto de vista psicológico, o próprio indivíduo perde a autoestima e considera-se incapacitado para quaisquer realizações que lhe exijam esforço, acostumado conforme se encontra a desistir diante de qualquer mobilização de forças físicas, morais ou intelectuais.
Com o tempo, torna-se desagradável, acreditando-se não amado, sempre traído pelos amigos, deixado à margem nos empreendimentos que se realizam a sua volta, acumulando mágoas e dissabores injustificáveis.
Certamente, as demais pessoas não têm capacidade para uma convivência fraternal com aqueles que se fazem omissos, com quem não se pode contar nos momentos difíceis, que sempre estão adiando decisões... Após algum período de tolerância, as pessoas afastam-se, procurando seus pares em Espíritos combativos, corajosos e empreendedores, aos quais se afeiçoam.
Os primeiros são considerados como enfermos, mais necessitados de compaixão do que de amizade, enquanto os segundos são tidos como companheiros, porque são participantes de tarefas e de convivências de variado teor.
A busca da harmonia é inevitável no ser humano. Lográ-la, no entanto, constitui-lhe uma empresa na qual se deve empenhar com as veras do sentimento.
Sabendo-se que trata de um logro de largo porte, o empenho de forças e de emoções constitui, sem dúvida, um fenômeno natural, que não pode ser considerado como sacrifício.
Todo herói, mesmo quando tomba no campo de batalha, em realidade não deve ser categorizado como vitimado pelo sacrifício. O seu gesto de doar a existência é-lhe motivo de alegria, de confirmação da nobreza do ideal que vibra em seu mundo íntimo.
Conta-se que Sólon, o maior sábio da Grécia no seu tempo, em um banquete que lhe foi oferecido pelo rei Creso, em Sardes, capital da Lídia, teria sido interrogado pelo monarca, tido como o homem mais rico do mundo naquela ocasião, para que informasse quem, na sua opinião de viajante ilustre, seria a pessoa mais feliz da Terra.
Sem perturbar-se, o pensador, após ter estado na sala dos tesouros reais, referiu-se que houvera conhecido em Atenas um jovem de nome Telus, que, após cuidar da genitora enferma, acompanhando-a até a morte, entregou o restante da existência à defesa da sua cidade.
Algo frustrado, o rei vaidoso retornou à carga, indagando-lhe, então, quem seria a segunda pessoa mais feliz do planeta, recebendo outra resposta desanimadora, quando foi afirmado por Sólon que ele houvera conhecido dois jovens, em Atenas, cuja existência fora notabilizada pela elevação moral e pela grandeza de sentimentos, que se imolaram para defender a cidade...
Sentindo-se subestimado, o rei Creso, que confundia poder com harmonia interna propiciadora de felicidade, não escondeu a desconsideração com que passou a tratar o convidado, dele havendo escutado que nunca se olvidasse do castigo do tempo, isto é, da fatalidade da própria vida, que altera comportamentos, ocorrências e circunstâncias de maneira tão prodigiosa quanto inesperada.
(...) E Creso, na sua guerra trágica contra Ciro, rei dos persas, viu a sua cidade incendiada, seus tesouros roubados, sendo preso e levado à fogueira, quando se referiu a Sólon, no justo momento em que passava o conquistador, que simpatizava com o filósofo, e indagou-lhe a causa pela qual enunciara que o sábio tinha razão. Explicando-lhe o que houvera acontecido, Ciro foi tomado de compaixão pelo vencido, libertando-o, enquanto exclamava a respeito da possibilidade de em algum dia cair na mesma situação de Creso, esperando receber complacência do seu triunfador.
Nomeou-o seu auxiliar, que lhe prestou relevantes serviços e continuou a trabalho na corte persa após a morte de Ciro, quando foi substituído pelo seu filho Cambises...
O castigo do tempo é a inexorabilidade do progresso, das transformações incessantes a que tudo e todos estão submetidos.
Os mecanismos, portanto, de fuga da responsabilidade e do dever somente atormentam aqueles que se lhes entregam inermes, quando seria mais factível e próprio lutar com tenacidade, vencendo os limites e impondo a vontade aos temores e conflitos, por cuja conduta encontraria a autorrealização, a paz.
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