terça-feira, 16 de março de 2021

Calderaro - Livro Escutando Sentimentos: A atitude amar-nos como merecemos - Ermance Dufaux / Wanderley Oliveira - Introdução - A rota dos filhos pródigos




Calderaro - Livro Escutando Sentimentos: A atitude amar-nos como merecemos - Ermance Dufaux / Wanderley Oliveira - Introdução


A rota dos filhos pródigos


"Vem um dia em que ao culpado, cansado de sofrer, com o orgulho afinal abatido, Deus abre os braços para receber o filho pródigo que se lhe lança aos pés. As provas rudes, ouvi-me bem, são quase sempre indício de um fim de sofrimento e de um aperfeiçoamento do Espírito, quando aceitas com o pensamento em Deus". Santo Agostinho, Paris, 1862. (O Evangelho Segundo o Espiritismo - Capítulo 14 - Item 9)


Os terapeutas e voluntários dispostos a servirem ao próximo na tarefa de amor e recuperação espiritual não podem dispensar uma análise cuidadosa da passagem evangélica do Filho Pródigo, constante no Evangelho de Lucas, capítulo quinze, versículos onze a trinta e dois. Essa mensagem evangélica é a história da peregrinação humana ao longo dos evos. A história de nosso caminhar pela conquista da humanização.

Consideremos o egoísmo como a doença original do Ser. Ninguém escapou de experimentá-lo na espiral do crescimento. Até certa etapa, foi impulso para frente. Depois, quando a racionalidade permitiu a capacidade de escolher, tornou-se a matriz nosológica das dores humanas, transformando-se no hábito doentio de atender aos caprichos pessoais.

A "centralidade" do homem no ego estruturou a arrogância - sentimento de exagerada importância pessoal. Perdemos o contato com a fonte inexaurível da vida - o "self Divino" - e passamos a peregrinar sob a escravidão do "eu". O resultado mais infeliz desse caminhar "apartado de Deus" foi uma terrível sensação de abandono e inferioridade. O ato de arrogar constituiu, pois, a proteção instintiva da alma contra a sensação de menos-valia. Esse foi seu primeiro passo no processo evolutivo em direção à ilusão, ou seja, a criação de uma imagem idealizada - um mecanismo de defesa para não desistir -, que fixou a vida mental em noções delirantes sobre si mesma. Assim nasceram no tempo as "matrizes psíquicas" das mais graves patologias mentais.

Essa autoimagem é o "delírio-primitivo", um recurso que, paulatinamente, a consciência foi "obrigada" a construir no conjunto das percepções de si mesma para se defender da sensação de indignidade perante a vida.

Nessa ótica podemos pensar em psicopatologias como uma recusa em ser humano, uma desobediência por não querer assumir o que se é na caminhada do progresso. Tornar-se humano significa assumir sua pequenez no todo universal, ter consciência da cruel sensação de "desconexão" com o Criador e do que realmente representamos no contexto do bailado cósmico. Mas também significa assumir-se como "Filho de Deus", um Filho Pródigo de heranças excelsas que precisa descobri-las por si próprio e adquirir o título de "Herdeiro em Sua Obra". Isso exige trabalho, dinamismo, ação e responsabilidade.

Portanto, a velha questão filosófica da realidade é mais velha que se imagina. Fragmentação psíquica não se restringe apenas ao resultado de desajustes ou traumas. Existe um desajuste original, um "gatilho milenar" dos processos psíquicos do Espírito, agravados pelas sistemáticas recusas em admitir a realidade íntima no peregrinar das reencarnações.

Esse mecanismo defensivo primitivo foi trazido para a Terra por almas desobedientes que o consolidaram em outros orbes. As noções de abandono e castigo trazidas com os deportados incitaram os habitantes singelos da Terra a imitarem as atitudes de rebeldia, orgulho, revolta e desvalor. Analisar o adoecimento psíquico sem essa anamnese ontológico-espiritual é desconsiderar a causa profunda das enfermidades sob a perspectiva sistêmica da evolução.

Algumas patologias constitucionais, endógenas, encontram explicações ricas na compreensão das histórias longínquas da deportação. Isso não é uma hipótese tão distante quanto se imagina, porque os efeitos dessa história milenar são ativos e determinantes na atualidade em bilhões de criaturas atormentadas e enfermas. O "desajuste primário", a dificuldade em aceitar a realidade terrena, é fator patogênico de bilhões de almas reencarnadas e de mais um conjunto de bilhões de outras fora do corpo, formando uma "teia vibratória psicótica" no cinturão da psicosfera terrena. A energia emanada da sensação coletiva de inferioridade é uma força epidêmica que puxa o homem para trás e dificulta o avanço dos que anseiam pela ascensão.

O "tamponamento mental" na transmigração intermundos foi parcial. Os "símios psíquicos", quando fora do corpo pelo sono físico, tinham noções claras do sucedido, acendendo o destrutivo pavio da inconformação ao regressarem à carne, dilatando a sensação de prisão, ódio e rebeldia. O ato de rebelar-se passou a ser uma constante nas comunidades que se formaram. Estamos falando de um tempo aproximado de trinta a quarenta mil anos passados.

Surgem, nesse contexto emocional e psicológico, entre dez a vinte mil anos atrás, as primeiras manifestações de perfeccionismo - o anseio neurótico de resgate do perfeito dentro da concepção dos "anjos decaídos". Um litígio que essas almas deportadas assumiram com Deus para provarem a grandeza que supunham possuir.

Quando foi dinamizado o processo distônico? Na Terra? Fora dela? Ou teríamos também a hipótese de uma loucura aprendida? Que casos de patologias se enquadrariam no perfil psíquico dos que habitavam a Terra antes da vinda dos deportados? Que componentes nas doenças severas nos permitem analisá-las como rebeldia imitada ou rebeldia processual? Que natureza de obsessão envolve as patologias severas? Até onde e como a vivência do Espírito errante influencia nesse contexto?

Lançando o olhar para tão longe nas rotas de crescimento humano, fica mais permissível compreender a estreiteza dos conceitos de muitas correntes das ciências psíquicas, que esboçam uma valorosa cartografia da mente, porém, rudimentar, incompleta. Sem o estudo dos ascendentes espirituais, jamais teremos uma análise judiciosa das psicopatologias. Mormente dos casos raros e desafiantes que têm surgido na transição do planeta, cujo Código Internacional de Doenças é insuficiente para classificar.

Igualmente, é imperioso considerar a relação entre psicopatologia e erraticidade. Existem ignorados lances de dor e "morte psicológica" que são deflagrados em aglomerações subcrostais ou regiões abissais da Terra onde transita uma semicivilização de almas. Autênticos "símios psíquicos".

Em tempo algum, como atualmente, no orbe terreno, tivemos mais que 1/5 (um quinto) de sua população geral em processo de reencarnação. Reencarnar não é tão fácil quanto possa parecer. É oportunidade rara e "disputada". Cada história individual requer inúmeros quesitos para ser disponibilizada. Laços afetivos, urgência das necessidades sociais, natureza dos compromissos com os seres das regiões da maldade. Os pontos de análise que pesam para a possibilidade de um Espírito reencarnar são muito variados. Há corações que nesse trajeto de deportação, ou seja, nos últimos quarenta mil anos, estiveram no corpo menos de vinte vezes. O que significa afirmar que reencarnam aproximadamente de dois em dois mil anos. Outros não reencarnam há mais de dez mil anos.

Portanto, como analisar doenças mentais graves sem considerar que estagiamos na "vida dos Espíritos", pelo menos, dois terços do tempo da evolução, incluindo a emancipação pelos desdobramentos noturnos?! Como ignorar a decisiva influência das experiências da erraticidade? Enquanto os homens, à luz do Espiritismo, analisam a raiz de suas lutas íntimas, lançando o olhar para as vidas passadas, urge uma reflexão sobre a influência das experiências do Espírito errante.

Inúmeras almas já "renascem adoecidas", isto é, com os componentes psíquicos enfermiços em efervescência. Perdem o prazer de viver ou nunca o experimentam em decorrência da força dos laços que ainda mantêm com essas "regiões infernais" da erraticidade.

Assevera O Livro dos Espíritos na questão 975: "Para o Espírito errante, já não há véus. Ele se acha como tendo saído de um nevoeiro e vê o que o distancia da felicidade. Mais sofre então, porque compreende quanto foi culpado. Não tem mais ilusões: vê as coisas na sua realidade."

"Na erraticidade, o Espírito descortina, de um lado, todas as suas existências passadas; de outro, o futuro que lhe está prometido e percebe o que lhe falta para atingi-lo. É qual viajor que chega ao cume de uma montanha: vê o caminho que percorreu e o que lhe resta percorrer, a fim de chegar ao fim da sua jornada."

Os profissionais da saúde mental e mesmo quantos sofrem o amargor do adoecimento psíquico necessitam aprofundar a sonda do conhecimento nessas desafiantes questões. Somente através de "laboratórios de amor" nos serviços de intercâmbios socorristas, realizados distantes de preconceitos e convenções, poderá o médico ou o pesquisador espírita deflagrar um leque imenso de observações e informações para auxiliar a humanidade cansada e oprimida.

Além dos reflexos que conduzem em si mesmos, os doentes mentais cujos quadros exibem componentes dessa natureza ainda sofrem de simbioses intrigantes e desconhecidas até mesmo pelos mais experientes doutrinadores.

A história da evolução da alma na humanidade é assunto de valor na erradicação dos mais variados problemas sociais. Já não basta mais uma análise perfunctória das lutas humanas. Imperioso que os corações mais comprometidos com a arte de amar, estando ou não sob a luz da ciência, lancem-se ao mister da "pesquisa fraterna" e da "investigação educativa", em atividades que transponham os limites institucionais do exercício mediúnico ou de terapias experimentais, no intuito de rasgarem véus.

Uma indagação do codificador na questão 973 de O Livro dos Espíritos merece análise na conclusão de nossos raciocínio:

"Quais os sofrimentos maiores a que os Espíritos maus se vêem sujeitos?"

"Não há descrição possível das torturas morais que constituem a punição de certos crimes. Mesmo o que as sofre teria dificuldade em vos dar delas uma ideia. Indubitavelmente, porém, a mais horrível consiste em pensarem que estão condenados sem remissão."

É por conta desse sentimento de condenação, incrustado no psiquismo desde tempos imemoriais, que a criatura, em tese, não consegue ou desconhece o prazer de viver, a saúde.

Possivelmente, a esmagadora maioria da população terrena, por essa razão, esteja situada psicologicamente na passagem do Filho Pródigo exatamente no versículo dezenove que diz:

"Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus jornaleiros".

A rota evolutiva dos Filhos Pródigos - que somos todos nós - é um percurso de esbanjamento psíquico através da atitude arrogante. Tal ação não poderia ser correspondida com outra sensação senão de vazio interior, cansaço de si e desvalimento, que são os elementos emocionais estruturadores da depressão - doença da alma ou estado afetivo de penúria e insatisfação. A terminologia contemporânea que melhor define esse "caos sentimental" é a baixa auto-estima, quadro psicológico que nos enseja ampliar ostensivamente os limites conceituais dos episódios depressivos, sob enfoque do Espírito imortal.

Nesta hora grave pela qual passa a Terra, um destrutivo sentimento de indignidade aninha-se na vida psicológica dos homens. Raríssimos corações escapam dos efeitos de semelhante tragédia espiritual, causadora de feridas diversas. Uma dolorosa sensação de inadequação e desvalor pessoal assoma o campo das emoções com efeitos lastimáveis. Abandono, carência, solidão, sensação de fracasso e diversos tormentos da mente agrupam-se na construção de complexos psíquicos de desamor e adversidade consigo próprio.

Salienta Santo Agostinho: Vem um dia em que ao culpado, cansado de sofrer, com o orgulho afinal abatido, Deus abre os braços para receber o filho pródigo que se lhe lança aos pés.

Imprescindível atestar que nossa trajetória eivada de quedas e erros não retirou de nenhum de nós a excelsa condição de Filhos de Deus. A Celeste Bondade do Mais Alto, mesmo ciente de nossas mazelas, conferiu-nos a bênção da reencarnação com enobrecedores propósitos de aquisição da Luz. É a Lei do Amor, mola propulsora do progresso e das conquistas evolutivas.

A Misericórdia, todavia, não é conivente. Espera-nos no cadinho educativo do serviço paciente do burilamento íntimo. Contra os anelos de ascensão, encontramos em nossa intimidade os frutos amargos da semeadura inconsequente. São forças vivas e renitentes a vencer.

Sem dúvida, a ignorância cultural é causa de misérias sociais incontáveis, entretanto, a ignorância moral, aquela que mata ideais e aprisiona o homem em si mesmo, é a maior fonte de padecimentos da humanidade terrena.

O amor a si mesmo ainda é uma lição a aprender. Uma longa e paciente lição!

Quantas reencarnações neste momento têm por objetivo precípuo restabelecer o desejo de viver e recuperar a alegria de sentir-se em paz! Como operar semelhante transformação sem a aplicação da caridade consigo mesmo?

Criados para o amor, nosso destino glorioso é a integração com a energia da vida e com a liberdade em seu sentido de plenitude e paz interior. Ninguém ficará fora desse Fatalismo Divino.

Distantes do amor a si, ficaremos à mercê das provações sem recursos para sustentar na vida interior os valores latentes que nos conduzirão à missão individual estabelecida pelo Pai em nosso favor.

O autoamor é base para uma vida em sintonia com a mensagem do Evangelho do Cristo. Sua proposta, aliás, é que nos amemos tanto quanto ao nosso próximo.

Descobrir nosso valor pessoal na Obra da Criação é assumirmo-nos como somos. Sois Deuses (1), eis a mensagem de inclusão e o convite para uma participação mais consciente e responsável no destino de cada um de nós.

Inspirada em O Evangelho Segundo o Espiritismo, Ermance Dufaux garimpa pérolas de raro valor com as quais, abnegadamente, oferece-nos esta preciosa joia literária para a alma. Suas reflexões constituem o antídoto para a velha doença da qual buscamos nos desvencilhar: o egoísmo e suas múltiplas manifestações doentias.

Felicita-nos avalizá-la, sob a égide do Espírito Verdade, para que destine aos homens na Terra uma mensagem de paz interior no resgate da nossa condição excelsa de Filhos Pródigos e Homens de Bem.


Calderaro
Hospital Esperança, Março de 2005






Calderaro é o iluminado instrutor de André Luiz na obra "No Mundo Maior", psicografia de Francisco Cândido Xavier - edição FEB.

(1) João, 10:34.

Nota do médium: O prefácio de Calderaro foi escrito no Hospital Esperança e transcrito pela autora espiritual Ermance Dufaux através da psicografia. O Hospital Esperança é uma obra de amor erguida por Eurípedes Barsanulfo na erraticidade.




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