Maria Modesto - Livro Prazer de Viver - Ermance Dufaux / Wanderley Oliveira
Introdução
Viemos de tão longe na caminhada evolutiva, na busca do Cristo, que nos achamos famintos e estropiados, cansados e aflitos, no escaldante deserto de nossas lutas espirituais.
Apesar da sensação dilacerante de fracasso, este é o instante da esperança. Ainda que exaustos, este é o momento da vitória. Sem alimento divino desfaleceremos diante de nossas necessidades.
Uma das maiores fontes de nossa fome espiritual é o orgulho em não aceitar os próprios erros. Querer estar sempre certo e invulnerável é uma expressão da arrogância. Quem não se aceita como é, superdimensiona os resultados que decorrem de suas falhas ou fascina-se com a glória de seus êxitos.
Quando doutor Bezerra pronunciou o discurso “Atitude de Amor”(1) e hasteou a bandeira da humanização para a comunidade espírita, convocou-nos a uma árdua lição do progresso − aceitarmos nossa humanidade. Humanizar é também aceitarmo-nos como humanos. Simplesmente seres humanos. É o que somos!
Ser humano é ser gente que erra e acerta, cujas imperfeições não são maiores nem piores que os enganos da sociedade da qual fazemos parte. É aprendermos a ser quem somos fazendo o nosso melhor a cada dia, para sermos melhores a cada conquista.
Querer ser quem não somos é minar a alegria de viver.
Nossos principais focos de tratamento no Hospital Esperança, para resgatar o prazer de viver, baseiam-se nos seguintes princípios terapêuticos: o resgate da arte de sonhar, o desenvolvimento da honestidade emocional, a educação da carência afetiva, a morte da idealização, a cura da ignorância e o sentido da continuidade da vida. Esse conjunto de princípios forma a base da psicologia da libertação em direção ao amor legítimo.
Sem a sustentação do sonho, surge a rotina. A rotina acomoda-nos na indolência.
Sem honestidade com nós mesmos, alimentamos a ilusão. A ilusão complica a escolha pela fartura das racionalizações.
Sem educação da carência afetiva, sucumbimos na dependência. A dependência arruína o autoamor.
Sem aceitação, cultivamos a idealização. A idealização arruína a noção de limite.
Sem sabedoria, acreditamos que sabemos o necessário e dormimos nos braços da ignorância. A ignorância nos mantém prisioneiros da dor.
Sem a noção de continuidade, nossa vida mental não é capaz de centrar no presente. O presente é o único momento capaz de nos devolver a realidade.
Esses princípios são aplicados com o objetivo único de resgatar a esperança no coração dos internos no hospital. São pessoas que passaram pela existência sem experimentar a energia da vida ou perderam conexão com essa força, em razão dos testemunhos a que foram chamados nos roteiros da provação. Sem esperança, não há caminho para a legítima liberdade nem força para a expressão do amor.
Por meio de técnicas e dinâmicas que constituem ferramentas emocionais e psicológicas modeladoras da vida mental, aplicamos a terapia das potências da alma, cujo núcleo é reconhecer a luz que há em cada um de nós.
A maioria dos que são acolhidos nas alas recuperativas indaga “o por quê” de suas provas. Todavia, terapeutas especializados na arte de viver, dotados de larga soma de alegria no coração, desenvolvem técnicas curativas da alma com foco na seguinte pergunta: “Para que a dor na minha vida?”. O “porquê” não cria sentido para a existência e pode remeter a conflitos pavorosos nos sombrios porões do remorso. Saber “para que” vivemos, “para que” passamos pelas experiências, “para que” renascer e lutar é a fonte que vitaliza o ato de viver.
Saber a razão de viver é dar consciência à existência e torná-la mais digna.
Temos inúmeros pacientes que padecem da ausência de sentido de viver. Muitos já não gostavam da vida no plano físico e chegam aqui com uma soma ainda maior de queixas, tais como: vontade de retornar à matéria para a satisfação de certos hábitos, extrema saudade de pessoas e lugares, continuidade de doenças orgânicas, revolta pela interrupção de planos pessoais, indisposição para novas amizades, compulsão para a queixa em razão da inadequação para pequenas tarefas diárias, dificuldade de adaptação ao regime alimentar, apego a bens e utensílios.
Muitos desses atendidos foram iluminados com as bênçãos da Doutrina Espírita. Nutriam larga expectativa de colheita em razão dos movimentos de assistência que prestaram nas fileiras da caridade cristã. Pelos relevantes esforços a que se devotaram foram alvo de incondicional proteção e carinho. Entretanto, como não poderia ser diferente, não se livraram de si mesmos.
Deslocados de plano, distantes de suas creches e obras de solidariedade, sentiram-se sozinhos e desvalorizados. Na verdade, ficaram na superficialidade da caridade. Estavam envolvidos com o dever de ajudar, mas não comprometidos com o ato de amar. Derramaram apoio e suprimiram fome e dor. No entanto, esqueceram-se de si mesmos, não como um ato de renúncia, mas como uma fuga do enfrentamento pessoal. Bem-intencionados, porém, descuidados. De boa vontade, mas sem coragem para zelar por suas necessidades mais profundas. Passaram pela vida física fazendo muito bem aos outros, mas se esqueceram de realizar o bem a si próprios, com medo de se entregarem novamente ao egoísmo.
Pela bondade semeada, colheram os frutos da amizade e da atenção. Espera-lhes agora a tarefa redentora de investigarem-se, de saberem como amar também a si mesmos. Carregam na alma o peso da aflição que negaram. São tratados na mesma linha terapêutica para a recuperação do prazer de viver, porque, com raras exceções, escapam ao doloroso episódio da depressão depois da morte.
É lamentável constatar que até mesmo nas linhas de serviço da religião há uma multidão de almas que erguem o estandarte do amor e se asilam em fugas complexas em relação ao autoencontro.
Para todos, porém, há esperança. Se a misericórdia celeste não abandona os vales mais sombrios da maldade, tampouco abandonaria aqueles que já se esforçam por realizar algo no bem.
Há tratamento e alívio para todos os casos. Que ninguém no plano físico se exaspere perante tais informes. Cuide apenas de estar atento à edificação de valores indispensáveis no reino da alma, cujas bases repousem na mais legítima obra de educação dos sentimentos.
Após entender o “para que” da vida, surge a mais educativa das questões: “Como?” Como se conduzir diante do labirinto da vida inconsciente? Como resgatar as pedras preciosas do bem em meio à escuridão das emoções? Como penetrar nos porões da vida mental para extrair os germes da divindade depositados pelo Pai em nossa intimidade profunda?
Trazendo estas considerações sobre os cuidados de amor na vida espiritual, queremos chamá-los à campanha gloriosa pela maioridade na comunidade espírita. Cada centro espírita ou templo erguido em nome da mensagem do Evangelho é um celeiro que pode se tornar uma célula de redenção e construção do prazer de viver. A aplicação dos princípios que norteiam o Hospital Esperança pode constituir, igualmente, um conjunto de princípios orientadores para tratar as dores do homem no mundo físico.
Em nossas enfermarias, nos grupos de reencontro(2) e na tribuna da humildade(3), os sentimentos mais estudados são: medo, culpa, tristeza, mágoa e orgulho. Que maior missão pode ter uma casa espírita do que presentear o homem do mundo com a orientação para que ele próprio seja o condutor de seu destino e construtor de sua própria felicidade?
Sem esperança, a humanidade procura uma luz, uma saída para suas dores. Façamos de nossos centros as Casas do Caminho da atualidade. Tenhamos ali uma maca para aliviar as dores morais e um banco de escola para iluminar o cérebro e o coração com as luzes da instrução e do afeto.
Estamos vindo de muito longe para identificar Jesus em nossa vida. Longe de Deus, longe do bem... Famintos, buscamos alimento novo em pleno deserto das provações.
Renascemos no corpo e dele saímos com a sensação de fracasso, abandono e tristeza pelo que fizemos. O renascimento, todavia, ocorre porque temos chances de reerguer nossos passos, ainda que com forças mínimas. Por que a tormenta agora, quando tudo conspira para um futuro promissor?
Amigos na vida física, em vez de perguntarem “por que”, perguntem “para que”.
Sim! Façam um balanço de suas escolhas. Verifiquem como podem fazer tudo ficar melhor. Ocupem suas mãos e prossigam sem lamentar. Lamentação é depressão.
Viajem! Ponham os pés na terra. Curtam o sol. Sirvam. Sequem lágrimas. E orem, orem sem cessar, todos os dias.
Uma pessoa centrada nos ensinos do Evangelho e nos processos mentais de seu comportamento é um ser identificado com seus valores e habilidades. Quando não conseguimos atingir este estado, temos duas extremidades psicológicas perigosas. De um lado, a arrogância para nos defender da sensação de inferioridade; do outro, a descrença como um reflexo da nossa incapacidade de lidar com os sentimentos de medo, culpa e tristeza.
A vida nos espera com o prazer de viver e de sermos felizes. Abandonem a tirania de querer agradar a todos. Uma pessoa que quer vencer usa duas armas poderosas: a inteligência para criar saídas e a humildade para submetê-las ao critério de Deus. Somente com soluções o caminho se recompõe.
Vamos recordar novamente uma frase de Eurípedes Barsanulfo, que merece lugar de destaque nos centros espíritas: “Aqui mora a fé, a sublime qualidade dos que jamais deixarão de acreditar na força superior do bem”. Essa frase foi escrita nas portas do Hospital Esperança, para que todos os que passarem por lá tenham condições de lê-la. Ela é o contrário da que está escrita às portas das furnas infernais, segundo os registros fiéis de Dante Alighieri, em A Divina Comédia, no livro Inferno, canto III, em que pode ser lido um poema destruidor da fé humana. Seu último verso diz: “[...] deixai toda esperança vós que entrais.”
Concedam-se o direito de ser feliz. Vamos adiante, certos de que há muito mais alegria nos céus no êxito de um arrependido que em noventa e nove pessoas que já vieram com o coração recheado de esperança.
Esperança é o alimento de quem vem de longe e, como diz o versículo de Jesus, Ele não nos deixará seguir em jejum. O alimento existe. Sempre existirá.
Com este intuito, o Mestre indagou: “[...] Quantos pães tendes?”. E disseram-lhe: “Sete.”.
Vamos dar o que temos e a vida nos brindará com o melhor.
Esperança é a energia que preenche o coração e nos faz sentir que todos, sem exceção, somos Filhos de Deus, dotados, portanto, dos mais ricos recursos para superar todas as nossas provas e capazes de caminhar em direção da nossa libertação definitiva.
Felicita-nos saber que o mundo físico receberá mais uma obra generosa por parte de Ermance Dufaux.
Neste tempo de busca do prazer ilusório, a reflexão sobre o prazer de existir é muito bem-vinda.
Meus apontamentos, a título de introdução, têm apenas o intuito de chamar a atenção para a inadiável missão entregue aos discípulos sinceros do Cristo: “Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens.”(4)
Rogamos a Jesus, Mestre e Senhor de nossas vidas, que essas linhas multipliquem a esperança e fortaleçam a fé de muitos, para que, o quanto antes, tenhamos dias melhores na Terra, nutridos pela mais preenchedora alegria de viver.
Da servidora do Cristo e amante do bem,
Maria Modesto Cravo.
Belo Horizonte, agosto de 2008.
(1) Atitudes de amor - de autoria espiritual de Cícero Pereira, está inserida na obra Seara bendita, psicografada por Maria José da Costa e Wanderley Oliveira – diversos espíritos – Editora Dufaux.
(2) Vide livro Escutando sentimentos, obra mediúnica de autoria espiritual de Ermance Dufaux e psicografia de Wanderley Oliveira, Editora Dufaux.
(3) Vide livro Lírios de esperança, obra mediúnica de autoria espiritual de Ermance Dufaux e psicografia de Wanderley Oliveira, Editora Dufaux.
(4) Mateus, 5:13
Fonte: Prazer de Viver-pdf
Biografia:
A dona Modesta de Uberaba
Maria Modesto Cravo nasceu na cidade de Uberaba-MG, em 16 de abril de 1899. Teve formação católica, casando-se aos 17 anos com Nestor Cravo, em 1915. No ano seguinte transferiram residência para Belo Horizonte e tiveram como filhos: Eurythmia, Euclydes, Ermelinda, Eduardo, Erasto, Esdras e Erasmo.
Maria Modesto teve importante participação no nascente movimento espírita em Uberaba, juntamente com a participação de seu pai e sua tia.
Em documentos que tratam sobre os planos pioneiros da doutrina em Uberaba, consta: "em 20 de março de 1910, reuniram-se na casa de José Villela de Andrade os irmãos em crença José Villela de Andrade, Manoel Felippe de Souza, Anselmo Trezzi, João Augusto Chave, Evarista Modesto dos Santos (irmã de João Modesto) e outros, para tratarem dos meios de obter-se os recursos para a aquisição de um terreno e a construção de um edifício, destinados à reunião e mais trabalhos que tinham o objetivo de propagar a Doutrina Espírita.
Sentindo os primeiros fenômenos mediúnicos em sua esposa, em forma de obsessão, o que acarretou inúmeros problemas para a família, seu esposo buscou o aconselhamento espiritual, recebendo como orientação que ela fosse ao encontro de Eurípedes Barsanulfo, na cidade de Sacramento-MG.
Seu organismo estava fraco, sendo realmente diagnosticada a influenciação, oriunda de espíritos infelizes. Eurípedes indica tratamento físico e espiritual, através da fluidoterapia. Em poucos dias, Maria Modesto apresentava significativa melhora, sendo convidada a trabalhar na equipe mediúnica. Passado pouco tempo, já recuperada, Maria Modesto é orientada por Eurípedes Barsanulfo para se mudar para Uberaba.
Em janeiro de 1919, um novo local de trabalho é fundado na cidade mineira, o Ponto Bezerra de Menezes, ao lado da casa de Maria Modesto, onde, juntamente com outros médiuns, ela passa a servir de intermediária dos Benfeitores Espirituais, assistindo a enfermos.
Todavia, a assistência não se limitava ao intercâmbio espiritual. Em 1922 inicia-se a realização do Natal dos Pobres, beneficiando os necessitados que ali buscavam o amparo, além da assistência prestada aos cegos, presidiários e outras instituições.
Pouco tempo depois de fundada a sede social do Centro Espírita Uberabense, em 13 de maio de 1919, um fato importante ocorre: a comunicação psicográfica através de Maria Modesto, do luminoso espírito Ismael, designado pelo Cristo para organizar o trabalho da propagação da Boa Nova no Brasil. Na época, a direção do Centro Espírita Uberabense resolveu consultar a Federação Espírita Brasileira, para saber da autenticidade da mensagem, sendo confirmada pelo próprio comunicante, na sede da FEB.
Recebendo orientações de Bezerra de Menezes, a respeito do trabalho desenvolvido do Ponto, o grupo recebe orientação para iniciarem a construção do Sanatório Espírita de Uberaba, sendo sua planta recebida mediunicamente por Maria Modesto. Em 6 de janeiro de 1928, a pedra fundamental é lançada pelo presidente do Centro Espírita Uberabense, médico sanitarista Henrique von Krugger Schroeder. Em 31 de dezembro de 1934 o Sanatório é inaugurado, exercendo o cargo de diretor clínico, o dr. Inácio Ferreira.
Junto ao Sanatório Espírita, o trabalho de Maria Modesto foi constante, tendo a benfeitora encontrado ainda tempo para auxiliar na fundação da União da Mocidade Espírita de Uberaba (UMEU), em 1940.
Em julho de 1963, devido a sérios problemas de saúde, Maria Modesto Cravo transfere-se para Belo Horizonte, retornando à Pátria Espiritual em 8 de agosto de 1964, vitimada pelo câncer.
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