sexta-feira, 19 de abril de 2024

Emmanuel - Livro Há Dois Mil Anos… - 1ª Parte - Chico Xavier - Cap. 9 - A calúnia vitoriosa



Emmanuel - Livro Há Dois Mil Anos… - 1ª Parte - Chico Xavier -  Cap. 9


A calúnia vitoriosa


Se Jesus de Nazaret havia sido abandonado por seus discípulos e seguidores mais diretos, o mesmo não se verificara quanto ao grande número de criaturas humildes que o acompanhavam com devoção purificada e sincera.

É verdade que essas almas, raras, não revelaram francamente as suas simpatias perante a turba desvairada, temendo-lhe as sanhas destruidoras, mas, muitos espíritos piedosos, como Ana e Simeão, contemplaram de perto os martírios do Senhor sob o açoite infamante, cheios de lágrimas angustiosas e esperando que, a cada momento, se pudesse manifestar a justiça de Deus contra a perversidade dos homens, a favor do Messias.

Contudo, esvaeceram-se-lhes as derradeiras esperanças, quando, sob o peso da cruz, o supliciado caminhou a passos cambaleantes, para o monte da última injúria, depois de confirmada a ignóbil sentença.

Foi assim que Ana e seu tio, reconhecendo inevitável o martírio da crucificação, deliberaram seguir para a residência de Públio, para suplicar o patrocínio de Lívia, junto ao governador.

Enquanto o cortejo sinistro e impressionante se punha em marcha nos seus movimentos vagarosos, ambos se desviaram da massa, encaminhando-se por uma viela ensolarada, em busca do almejado socorro.

Penetrando na residência, enquanto Simeão a esperava, pacientemente, numa calçada próxima, dirige-se Ana à esposa do senador, que a recebeu surpresa e angustiada.

— Senhora — diz, mal ocultando as lágrimas —, o profeta de Nazaret já está a caminho da morte ignominiosa na cruz, entre os ladrões!…

Uma emoção mais forte embargara-lhe a voz, sufocada de pranto.

— Como? — respondeu Lívia, penosamente surpreendida — se a prisão data de tão poucas horas?

— Mas é a verdade… — revidou a serva, compungida. — E em nome daqueles mesmos sofredores que vistes consolados pela sua palavra carinhosa e amiga, junto às águas do Tiberíade,  †  eu e meu tio Simeão vimos implorar o vosso auxílio pessoal perante o governador, a fim de fazermos um esforço derradeiro pelo Messias!…

— Mas, uma condenação como essa, sem estudo, sem exame, é lá possível? Vive, então, aqui este povo sem outra lei que não a da barbaria? — exclamou a senhora, visivelmente revoltada com a inopinada notícia.


4 Como se desejasse arrancá-la a qualquer divagação incompatível com o momento, a serva insistiu com decisão e amargura:

— Entretanto, senhora, não podemos perder um minuto.

— Antes de tudo, porém, eu precisava consultar meu marido sobre o assunto… — monologou a esposa do senador, recordando-se, repentinamente, dos seus deveres conjugais.

Onde estaria Públio naquele instante? Desde a manhã, não regressara a casa, após o chamado insistente de Pilatos. Teria colaborado na condenação do Messias? Num relance, a pobre senhora examinou toda a situação nos seus mínimos detalhes, recordando, igualmente, os bens infinitos que o seu coração havia recebido das mãos caridosas e complacentes do Mestre Nazareno, e como se estivesse iluminada por uma força superior, que lhe fazia esquecer todas as questões transitórias da Terra, exclamou com heroica resolução:

— Está bem, Ana, irei em tua companhia pedir a proteção de Pilatos para o profeta.


5 Esperar-me-ás um momento, enquanto vou retomar aqueles trajes galileus que me serviram naquela tarde de Cafarnaum, dirigindo-me, deste modo, ao governador, sem provocar a atenção da turbamulta desenfreada.

Em poucos minutos, sem refletir nas consequências da sua desesperada atitude, Lívia estava na rua, novamente enfiada nos trajes simples da gente pobre da Galileia, trocando amarguradas impressões com o ancião de Samaria e sua sobrinha, acerca dos dolorosos acontecimentos.

Aproximando-se da sede do governo provincial, seu coração palpitou com mais força, obrigando-a a mais demorados pensamentos.

Não seria uma temeridade da sua parte procurar o governador, sem prévio conhecimento do marido? Mas, tudo não fizera ela, em vão, por aproximar-se do esposo arredio e irritado, de maneira a reerguer sua antiga confiança? E Pilatos? Na sua imaginação, guardava ainda os pormenores das amargas comoções daquela noite em que lhe fora ele mais franco, quanto aos sentimentos inconfessáveis que a sua figura de mulher lhe havia inspirado.


6 Lívia hesitou ao penetrar num dos ângulos da grande praça, agora adormecida por um sol causticante, de brasas vivas.

Seu raciocínio contrariava a atitude que assumira aos apelos da serva, que representava, aos seus olhos, a súplica angustiada de inúmeros espíritos desvalidos; seu coração, porém, sancionava plenamente aquele derradeiro esforço em favor do emissário celeste que lhe havia curado as chagas da filhinha, enchendo de tranquilidade inalterável o seu coração atormentado de esposa e mãe, tantas vezes incompreendido. Além disso, nesse conflito interior da razão e do sentimento, este último lhe fazia lembrar que Jesus, nas margens do lago, lhe falara de amargurados sacrifícios pela sua grande causa, e não seria aquela a hora sagrada da gratidão de sua fé ardente e do seu testemunho de reconhecimento? Aliviada pela íntima satisfação do cumprimento do seu carinhoso dever, avançou então, desassombradamente, deixando os dois companheiros à sua espera, num dos largos recantos da praça, enquanto procurava ganhar as adjacências do edifício, com ligeiro desembaraço.


7 Batia-lhe o coração descompassadamente.

Como encontrar o governador da Judeia àquela hora? Um sol ardente concentrava, em tudo, calor intolerável e sufocante.

O cortejo, em demanda do Gólgota, partira havia quase uma hora e o palácio parecia agora mergulhado numa atmosfera de silêncio e de sono, após as penosas confusões daquele dia.

Apenas alguns centuriões montavam guarda ao edifício e, quando Lívia alcançou menor distância das portas principais de acesso ao interior, eis que se lhe depara a figura de Sulpício, a quem se dirigiu com o máximo de confiança e de inocência, pedindo-lhe o obséquio de solicitar uma audiência privada e imediata ao governador, em seu nome, a fim de falar-lhe quanto à dolorosa situação de Jesus de Nazaret.


8 O lictor mirou-a de alto a baixo com o olhar de lascívia e cupidez que lhe eram características e, crendo piamente nas relações ilícitas daquela mulher com o Procurador da Judeia, em virtude de suas observações pessoais, por coincidências que se lhe figuravam a realidade perfeita daquela suposta prevaricação, presumiu, naquele ato insólito; não o motivo apresentado, que lhe pareceu ótimo pretexto para afastar quaisquer desconfianças, mas o objetivo de se encontrar com o homem de suas preferências.

Criatura ignóbil, de que se utilizava o governador para instrumento de suas paixões malignas, entendeu que semelhante entrevista deveria ser levada a efeito na maior intimidade, e, sabendo que Públio Lêntulus ainda lá se encontrava em animada palestra com os companheiros, conduziu Lívia a um gabinete perfumado, onde se alinhavam preciosos vasos de aromas do Oriente, saturados de fluidos sutis e entontecedores, e onde Pilatos recebia, por vezes, a visita furtiva das mulheres de conduta equívoca, convidadas a participar dos seus licenciosos prazeres.


9 Ignorando, por completo, o mecanismo de circunstâncias que a conduziam a uma penosíssima situação, Lívia acompanhou o lictor ao gabinete aludido, onde, embora estranhando a suntuosidade extravagante do ambiente, demorou-se alguns minutos, a sós, aguardando ansiosamente o instante de implorar, de viva voz, ao procurador da Judeia a sua prestigiosa interferência a favor do generoso Messias de Nazaret.

Nem ela, nem Sulpício, todavia, chegaram a perceber que uns olhos perscrutadores os acompanharam com profundo interesse, desde o exterior do edifício ao gabinete privado a que nos referimos.

Era Fúlvia, que, conhecendo semelhante apartamento do palácio, surpreendera a esposa do senador, sob o disfarce daquela túnica humilde, da vida rural, enchendo-se-lhe o coração de pavorosos ciúmes, ao verificar aquela visita inesperada.


10 Enquanto Sulpício Tarquínius fazia um sinal familiar ao governador, a que este atendeu de pronto, indo imediatamente ao seu encontro num vasto corredor, onde murmuraram ambos algumas palavras em tom discreto, cientificando-se Pilatos da almejada entrevista em particular, aquela maliciosa criatura demandava alcovas do seu íntimo conhecimento, de maneira a certificar-se, positivamente, através dos reposteiros, da presença de Lívia na câmara privada do governador, destinada às suas expansões licenciosas.


11 Certificada, em absoluto, do acontecimento, a caluniadora antegozou o instante em que tomaria Públio pelas mãos, a fim de conduzi-lo à visão direta do suposto adultério de sua mulher e, quando regressava ao vasto salão, deixando transparecer levemente a satisfação sinistra da sua alma, ainda ouviu Pilatos exclamar com delicadeza para os seus convidados:

— Meus amigos, espero me concedam alguns minutos para atender a uma entrevista privada e urgente, que eu não esperava neste momento. Acredito que, consumada a condenação do Messias de Nazaret, batem já a estas portas os que não tiveram coragem para defende-lo publicamente, no momento oportuno!… Vamos ver!

E retirando-se com o assentimento unânime dos presentes, o governador atingia o gabinete reservado, onde, eminentemente surpreendido, encontrou o vulto nobre de Lívia, mais bela e mais sedutora naqueles trajes despretensiosos e simples, e que lhe falou nestes termos:

— Senhor governador, embora sem o consentimento prévio de meu marido, resolvi chegar até aqui, em virtude da urgência do assunto, a suplicar o vosso amparo político para a absolvição do profeta de Nazaret. Homem humilde e bom, caridoso e justo, que mal teria praticado para morrer assim, de morte infamante, entre dois ladrões? É por isso que, conhecendo-o pessoalmente e tendo-o na conta de um inspirado do Céu, ouso invocar as vossas elevadas qualidades de homem público, em favor do acusado!…

Sua voz era trêmula, indicando as emoções que lhe iam n'alma.

Senhora — respondeu Pilatos, fazendo o possível para sensibilizar e seduzir-lhe o coração com a fingida ternura de suas palavras —, tudo fiz para evitar a Jesus a morte do madeiro infamante, vencendo todos os meus escrúpulos de homem de governo, mas, infelizmente, tudo está consumado. Nossa legislação foi vencida pelas iras da multidão delinquente, nas explosões injustificadas de seu ódio incompreensível.

— Então, não é lícito esperarmos nenhuma providência mais a benefício desse homem caridoso e justo, condenado como vulgar malfeitor? Será ele então, crucificado pelo crime de praticar a caridade e plantar a fé no coração dos seus semelhantes, que ainda não sabem adquiri-la por si próprios?

— Infelizmente, assim é… — replicou Pilatos, contrafeito. — Tudo fizemos a fim de evitar os desatinos da plebe amotinada, mas os meus escrúpulos não conseguiram vencer, sendo obrigado a confirmar a pena de Jesus, a contragosto.

Por um momento, entregou-se Lívia às suas meditações dolorosas, como se estivesse inquirindo, a si mesma, qualquer providência nova a adotar sem perda de um minuto.

Quanto ao governador, depois de imprimir uma pausa às suas palavras, deixou que os instintos do homem surgissem, plenamente, naquelas circunstâncias .

Aquele dia havia sido de lutas penosas e intensas. Singular abatimento físico lhe dominava os centros mais poderosos da força orgânica, mas, diante dos seus olhos habituados à conquista e, muitas vezes, aos recursos da própria crueldade, estava aquela mulher, que lhe resistira… Poderosa algema parecia imantá-lo à sua personalidade simples e carinhosa, e ele, mais que nunca, desejou possuí-la, tornando-a, como as outras, um instrumento de suas transitórias paixões. O ambiente, sobretudo, conturbava-lhe as fontes mais puras do raciocínio. Aquele gabinete era destinado, exclusivamente, às suas extravagâncias noturnas, e fluidos estontecedores pairavam em todos os seus escaninhos, embotando os mais nobres pensamentos.

Via a mulher ambicionada, perdida por alguns segundos em graciosas cismas, diante da sua presença dominadora.

Aquela graça simples, saturada de generosidade quase infantil e aliada aos olhos límpidos e profundos de madona do lar, obscureceu-lhe o cavalheirismo que, por vezes, aflorava no modo brusco das suas injustiças e crueldades de homem da vida particular e da vida pública.

Avançando como tomado por força incoercível, exclamou inopinadamente, fazendo-lhe sentir o perigo da posição em que se colocara:

— Nobre Lívia — começou ele, na inquietação de seus impuros pensamentos —, nunca mais olvidei aquela noite, cheia de músicas e de estrelas, em que vos revelei pela primeira vez a ardência do meu coração apaixonado… Esquecei, por um momento, esses judeus incompreensíveis e ouvi, ainda uma vez, a palavra sincera dos profundos sentimentos que me inspirastes com as vossas virtudes e peregrina beleza!…

— Senhor!… — teve forças para, exclamar a pobre senhora, procurando aliviar-se da afronta.

Mas, o governador, com a ousadia dos homens impetuosos, não teve outro gesto senão o de obedecer aos seus caprichos impulsivos, tomando-lhe as mãos, atrevidamente.

Lívia, todavia, movimentando todas as suas energias, alcançou recursos para se desvencilhar dos seus braços longos e fortes, redarguindo, intrépida:

— Para trás, senhor! Acaso será esse o tratamento de um homem de Estado para com uma cidadã romana e esposa de um senador ilustre do Império? E, ainda que me faltassem todos esses títulos, que me deveriam dignificar aos vossos olhos cúpidos e desumanos, suponho que não deveríeis faltar, neste momento, com o comezinho dever de cavalheirismo respeitoso, que qualquer homem é obrigado a dispersar a uma mulher!

O governador estacou ante aquele gesto heroico e imprevisto, tão habituado estava ele aos mais avançados processos de sedução.

A resistência daquela mulher espicaçava os desejos de vencer-lhe o orgulho nobre e a virtude incorruptível.

Tinha ímpetos de se atirar àquela criatura delicada e frágil, no turbilhão de lascívia e voluptuosidade que lhe obumbravam o raciocínio; no entanto, força incoercível parecia impor-se aos seus caprichos perigosos de apaixonado, inutilizando-lhe as forças necessárias à execução de semelhante cometimento.

Neste comenos, a esposa do senador, lançando-lhe um olhar doloroso onde se podia ler toda a extensão do seu sofrimento e do seu desprezo em face do ultraje recebido, retirou-se profundamente emocionada, com o cérebro fervilhante dos mais desencontrados pensamentos.

Antes, porém, que a vejamos sair do gabinete, somos obrigado a retroceder alguns minutos, quando Fúlvia solicitou ao sobrinho de seu marido o obséquio de uma palavra em particular, pondo-o ao corrente de tudo o que se passava.

O senador experimentou um choque terrível no coração, pressentindo que a prevaricação da mulher estava prestes a confirmar-se diante dos seus próprios olhos, e, contudo, hesitou ainda acreditar em semelhante vilania.

— Lívia, aqui? — perguntou soturnamente à esposa do tio, dando a entender, pela inflexão da voz, que tudo não passava de criminosa calúnia.

— Sim — exclamou Fúlvia, ansiosa por fornecer-lhe a prova tangível de suas asserções —, ela está em colóquio com o governador, no seu compartimento privado, sem ajuizar da situação e das circunstâncias em que se verifica tal encontro, porque, afinal, Cláudia ainda está nesta casa e, perante a lei, minha irmã é a esposa legítima de Pilatos, mal habituado com os costumes dissolutos da Corte, de onde foi enviado para cá em virtude de sérios incidentes desta mesma natureza!

Públio Lêntulus arregalou os olhos, na sua ingenuidade, dando guaridas aos mais horríveis sentimentos, intoxicando-se com o veneno da mais acerba desconfiança, em vista de todas as circunstâncias operarem contra sua mulher, embora jogasse ele no assunto com os mais vastos cabedais da sua tolerância e liberalidade.

Sua atitude de expectativa revelava ainda o máximo de incredulidade, com respeito às acusações que ouvira, mas, observando a caluniadora o seu angustiado silêncio, acudiu ansiosa, exclamando:

— Senador, acompanhai-me através destas salas e vos entregarei a chave do enigma, porquanto verificareis a leviandade de vossa esposa, com os vossos próprios olhos…

— Desvairais? — perguntou ele, com serenidade terrível. — Um chefe de família da nossa estirpe social, a menos que uma confiança mais forte lhe outorgue esse direito, não deve conhecer as intimidades domésticas de uma casa que não seja a sua própria.

Percebendo que o golpe falhara, voltou Fúlvia a exclamar com a mesma firmeza:

— Está bem, já que não desejais fugir aos vossos princípios, aproximemo-nos de uma dessas janelas. Daqui mesmo, podereis observar a veracidade de minhas palavras, com a retirada de Lívia dos apartamentos privados deste palácio.

E quase a tomar o interlocutor pelas mãos, tal o abatimento moral que se apossara dele, a mulher do pretor aproximou-se do parapeito de uma janela próxima, seguido pelo senador, que a acompanhava, cambaleante.

Não foram necessários outros argumentos que melhor o convencessem.

Chegados ao local preferido de Fúlvia, como posto de observação, em poucos segundos viram abrir-se a porta do gabinete indicado, ao mesmo tempo que Lívia se retirava, nos seus disfarces galileus, deixando transparecer na fisionomia os sinais evidentes da sua emoção, como se quisesse fugir de situação que a acabrunhava penosamente.

Públio Lêntulus sentiu a alma dilacerada para sempre. Considerou, num relance, que havia perdido todos os patrimônios de nobreza social e política, de envolta com as aspirações mais sagradas do seu coração. Diante da atitude de sua mulher, considerada por ele como indelével ignomínia, que lhe infamava o nome para sempre, supôs-se o mais desventurado dos homens. Todos os seus sonhos estavam agora mortos, e perdidas, terrivelmente, todas as esperanças. Para o homem, a mulher escolhida representa a base sagrada de todas as realizações da sua personalidade nos embates da vida, e ele experimentou que essa base lhe fugia desequilibrando-lhe o cérebro e o coração.

Contudo, nesse turbilhão de fantasmas da sua imaginação superexcitada, que escarneciam de suas mentirosas venturas, lobrigou o vulto suave e doce dos filhinhos, que o fitavam silenciosos e comovidos. Um deles vagava no desconhecido, mas a filha esperava-lhe o carinho paternal e deveria ser, doravante, a razão da sua vida e a força de todas as suas esperanças.

Que dizeis, agora? exclamou Fúlvia, triunfante, arrancando-o do seu doloroso silêncio.

— Vencestes! — respondeu secamente, com a voz embargada de emoção.

E, dando à expressão fisionômica o máximo de energia, voltou ao salão extenso, a passos pesados e soturnos, despedindo-se heroicamente dos amigos, a pretexto de leve enxaqueca.

— Senador, esperai um momento. O governador ainda não voltou dos seus aposentos particulares — exclamou um dos patrícios presentes.

— Muito agradecido! — disse Públio, gravemente. Mas os prezados amigos hão-de desculpar a insistência, apresentando minhas despedidas e agradecimentos ao nosso generoso anfitrião.

E, sem mais delongas, mandou preparar a liteira que o conduziria de regresso ao lar, pelas mãos fortes dos escravos, de modo a proporcionar algum repouso ao coração supliciado por emoções dolorosas e inesquecíveis.

Enquanto o senador se retira profundamente contrariado, acompanhemos Lívia, de volta à praça, a fim de notificar aos dois amigos o resultado improfícuo da sua tentativa.

Profundas amarguras lhe pungiam o coração. Jamais pensara, na sua generosidade simples e confiante, que o procurador da Judeia pudesse receber-lhe a súplica com tamanha demonstração de indiferença e impiedade pela sua situação de mulher.

Procurou refazer-se daquelas emoções, em se aproximando de Ana e do tio, porquanto lhe competia ocultar aquele desgosto no mais íntimo do coração.

Junto de ambos os companheiros humildes, da mesma crença, deixou expandir a sua angústia, exclamando pesarosa:

— Ana, infelizmente tudo está perdido! A sentença foi consumada e não há, mais nenhum recurso!… O profeta carinhoso de Nazaret nunca mais voltará a Cafarnaum para nos levar as suas consolações brandas e amigas!… A cruz de hoje será o prêmio, deste mundo, à sua bondade sem limites!…

Todos três tinham os olhos orvalhados de lagrimas.

— Faça-se, então, a vontade do Pai que está nos Céus — exclamou a serva, prorrompendo em soluços.

— Filhas — disse, porem, o ancião de Samaria com o olhar profundo e límpido, fito no céu, onde fulguravam as irradiações do sol ardente —, o Messias nunca nos ocultou a verdade dos seus sacrifícios, dos martírios que o aguardavam nestes sítios, a fim de nos ensinar que o seu reino não está neste mundo! Nas sombras da minha velhice, estou apto a reconhecer a grande realidade das suas palavras, porque honras e vanglórias, mocidade e fortuna, bem como as alegrias passageiras do plano terrestre, de nada valem, pois tudo aqui vem a ser ilusão que desaparece nos abismos da dor e do tempo… A única realidade tangível é a de nossa alma a caminho desse reino maravilhoso, cuja beleza e cuja luz nos foram trazidas por suas lições inesquecíveis e carinhosas…

— Mas — obtemperou Ana, entre lágrimas — nunca mais veremos a Jesus de Nazaret, confortando-nos o coração!…

— Que dizes, filha? — exclamou Simeão, com firmeza. — Não sabes, então, que o Mestre afiançou que a sua presença consoladora é sempre inalterável entre os que se reúnem e se reunirão, neste mundo, em seu nome? Regressando, agora, a Samaria erguerei uma cruz à porta da nossa choupana, e reunirei, ali, a comunidade dos crentes que desejarem continuar as amorosas tradições do Messias.

E, depois de uma pausa em que parecia despertar sob o peso de pungentes preocupações, acentuou:

— Mas, não temos tempo a perder… Sigamos para o Gólgota… Vamos receber, ainda uma vez, as bênçãos de Jesus!

— Muito grato me seria acompanhá-los — retrucou Lívia, impressionada —, entretanto, urge volte a casa, onde me esperam os cuidados com a filha. Sei que hão-de relevar minha ausência, porque a verdade é que estou, em pensamento, junto à cruz do Mestre, meditando nos seus martírios e inomináveis padecimentos… Meu coração acompanhará essa agonia indescritível, e que o Pai dos Céus nos conceda a força precisa para suportarmos corajosamente o angustioso transe!…

— Ide, senhora, que os vossos deveres de esposa e mãe são também mais que sagrados — exclamou Simeão, carinhosamente.

E enquanto o velho e a sobrinha se dirigiam para o Calvário, escalando as vias públicas que demandavam a colina, Lívia regressava ao lar, apressadamente, buscando os caminhos mais curtos, através das vielas estreitas, de modo a voltar, quanto antes, não só pela circunstância inesperada de sair à rua em trajes diferentes, compelida pelos imperativos do momento, mas também porque inexplicável angústia lhe azorragava o coração, fazendo-lhe experimentar uma necessidade mais forte de preces e meditações.

Chegando ao lar, seu primeiro cuidado foi retomar a túnica habitual, buscando um recanto mais silencioso dos seus apartamentos, para orar com fervor ao Pai de infinita misericórdia.

Daí a minutos, ouviu os ruídos indicativos da volta do esposo, que, notou, se recolhia ao gabinete particular, fechando a porta com estrépito.

Lembrou-se, então, que, de sua casa era possível avistar ao longe os movimentos de Gólgota, procurando um ângulo de janela de onde conseguisse contemplar os penosos sacrifícios do Mestre de Nazaret. Bastou buscasse faze-lo, para que enxergasse nas eminências do monte o grande ajuntamento de povo, enquanto levantavam as três cruzes famosas, daquele dia inesquecível.

A colina era estéril, sem beleza, e através da distância podiam seus olhos lobrigar os caminhos poeirentos e a paisagem desolada e árida, sob um sol causticante.

Lívia orava com toda a intensidade emotiva do seu espírito, dominada por angustiosos pensamentos.

À sua visão espiritual, surgiram ainda os quadros suaves e encantadores do “mar” da Galileia, conhecendo que à memória lhe revinha aquele crepúsculo inolvidável, quando, entre criaturas humildes e sofredoras, aguardava o doce momento de ouvir a confortadora palavra do Messias, pela primeira vez. Via ainda a tosca barca de Simão, encostando-se às flores mimosas das margens, enquanto a renda branca das espumas lambia os seixos claros da praia… Jesus ali estava, junto da multidão dos desesperados e desiludidos, com seus grandes olhos ternos e profundos…

Todavia, aquela cruz que se levantava no monte da Caveira, trazia-lhe o coração em amargosas cismas.

Depois de orar e meditar longamente, examinou de longe os três madeiros, presumindo escutar o vozeio da multidão criminosa, que se acotovelava junto à cruz do Mestre, em terríveis impropérios.

De repente, sentiu-se tocada por uma onda de consolações indefiníveis. Figurava-se-lhe que o ar sufocante de Jerusalém  †  se havia povoado de vibrações melodiosas e intraduzíveis. Extasiada, observou, na retina espiritual, que a grande cruz do Calvário estava cercada de luzes numerosas.

Ao calor invulgar daquele dia, nuvens escuras se haviam concentrado na atmosfera, prenunciando tempestade. Em poucos minutos, toda a abóbada celeste permanecia represada de sombras espessas. No entanto, naquele momento, Lívia notara que se havia rasgado um longo caminho entre o Céu e a Terra, por onde desciam ao Gólgota legiões de seres graciosos e alados. Concentrando-se, aos milhares, ao redor do madeiro, pareciam transformar a cruz do Mestre em fonte de claridades perenes e radiosas.

Atraída por aquele imenso foco de luz resplandecente, sentiu que sua alma desligada do corpo carnal se transportava ao cume do Calvário, a fim de prestar a Jesus o último preito do seu devotamento. Sim! via, agora, o Messias de Nazaret rodeado dos seus lúcidos mensageiros e das legiões poderosas de seus anjos. Jamais supusera vê-lo tão divinizado e tão belo, de olhos voltados para o firmamento, como em visão de gloriosas beatitudes.

Ela o contemplou, por sua vez, tocada de sua maravilhosa luz, alheia a todos os rumores que a rodeavam, implorando-lhe fortaleza, resignação, esperança e misericórdia.

Em dado instante, seu espírito sentiu-se banhado de consolação indefinível. Como se estivesse empolgada pela maior emoção de sua vida, notou que o Mestre desviara levemente o olhar, pousando-o nela, numa onda de amor intraduzível e de luminosa ternura. Aqueles olhos serenos e misericordiosos, nos tormentos extremos da agonia, pareciam dizer-lhe: — “Filha, aguarda as claridades eternas do meu reino, porque, na Terra, é assim que todos nós deveremos morrer!…”

Desejava responder às exortações suaves do Messias, mas seu coração estava sufocado numa onda de radiosa espiritualidade. Todavia, no íntimo, afirmou, como se estivesse falando para si mesma: — “Sim, é desse modo que deveremos morrer!… Jesus, concedei-me alento, resignação e esperança para cumprir os vossos ensinamentos, para alcançar um dia o vosso reino de amor e de justiça!…

Lágrimas copiosas banhavam-lhe o rosto, naquela visão beatífica e maravilhosa.

Nesse momento, porém, a porta abriu-se com estrépito e a voz soturna e desesperada do marido vibrou no ar abafado, despertando-a bruscamente, arrancando-a de suas visões consoladoras.

— Lívia! — bradou ele, como se estivesse tocado por comoções decisivas e desesperadas.

Públio Lêntulus, regressando ao lar, encaminhou-se imediatamente ao gabinete, onde se deixou ficar por muito tempo, engolfado em atrozes pensamentos. Depois de sentir o cérebro trabalhado pelas mais antagônicas resoluções, lembrou-se de que deveria suplicar a piedade dos deuses para os seus penosos transes. Dirigiu-se ao altar doméstico onde repousavam os símbolos inanimados de suas divindades familiares, mas, enquanto Lívia alcançara o precioso conforto, aceitando no coração os ensinos de Jesus com o perdão, a humildade e a prática do bem, debalde o senador procurou esclarecimento e consolo, elevando as suas orações aos pés da estátua de Júpiter, impassível e orgulhoso. Debalde suplicou a inspiração de suas divindades domésticas, porque esses deuses eram a tradição corporificada do imperialismo da sua raça, tradição que se constituía de vaidade e de orgulho, de egoísmo e de ambição.

Foi assim que, intoxicado pelo ciúme, procurou a esposa, sem mais delongas, a fim de cuspir-lhe em rosto todo o desprezo da sua amargurada desesperação.

Ao chamá-la, bruscamente, observou que seus olhos semicerrados estavam cheios de lágrimas, como a contemplar alguma visão espiritual inacessível à sua observação. Jamais Lívia lhe parecera tão espiritualizada e tão bela, como naquele instante; mas o demônio da calúnia lhe fez sentir imediatamente, que aquele pranto nada representava senão sinal de remorso e compunção ante a falta cometida, ciente, como deveria achar-se a esposa, da sua presença no palácio governamental, depreendendo-se daí que ela deveria esperar a possibilidade da sua severa punição.

Arrancada ao seu êxtase pela voz vibrante do marido, a pobre senhora observou que a sua visão se desvanecera inteiramente, e que o céu de Jerusalém fora invadido por intensa escuridão, ouvindo-se os ribombos formidáveis de trovões longínquos, enquanto relâmpagos terríveis riscavam a atmosfera em todas as direções.

— Lívia — exclamou o senador, com voz forte e pausada, dando a entender o esforço que despendia para dominar o complexo de suas emoções —, as lágrimas de arrependimento são inúteis neste momento doloroso dos nossos destinos, porque todos os laços de afetividade comum, que nos uniam, estão agora rotos para sempre…

— Mas, que é isso? — pôde ela dizer, revelando o pavor que tais palavras lhe produziam.

— Nem mais uma palavra — revidou o senador, pálido de cólera, dentro de uma serenidade feroz e implacável —, observei, com os próprios olhos, o seu nefando delito e agora conheço a finalidade dos seus disfarces humildes de galileia!… Ouvir-me-á a senhora até ao fim, eximindo-se de qualquer justificativa, porque uma traição como a sua só poderá encontrar justo castigo no silêncio profundo da morte.

Mas, não quero matá-la. Minha formação moral não se compadece com o crime. Não porque haja piedade em minha alma, à vista do possível arrependimento do seu coração, no tempo oportuno, mas porque tenho ainda uma filha sobre cuja fronte recairia o meu gesto de crueldade contra a sua felonia, que basta para nos tornar infelizes por toda a vida…

Homem honesto e pronto a desafrontar-me de qualquer ultraje, tenho muito amor ao meu nome e às tradições de minha família, de modo a me não tornar um pai desnaturado e criminoso.

Poderia abandoná-la para sempre, na consideração do seu ato de extrema deslealdade, porém os servos desta casa se alimentam igualmente à minha mesa, e, sem reconhecer os outros títulos que me ligavam à senhora, na intimidade doméstica, vejo ainda na sua pessoa a mãe de meus filhos desventurados. É por isso que, doravante, desprezo, em face das provas palpáveis da sua desonestidade, neste dia nefasto do meu destino, todas as expressões morais da sua personalidade indigna, para conservar nesta casa, tão somente, a sua expressão de maternidade, que me habituei a respeitar nos irracionais mais humildes.

Os olhos súplices da caluniada deixavam entrever os indizíveis martírios que lhe dilaceravam o coração carinhoso e sensibilíssimo.

Ajoelhara-se aos pés do esposo, com humildade, enquanto lágrimas dolorosas lhe rolavam das faces pálidas.

Lembrava-se Lívia, então, de Jesus nos seus intraduzíveis padecimentos. Sim… ela recordava as suas palavras e estava pronta para o sacrifício. No meio de suas dores, parecia sentir ainda o gosto daquele pão de vida, abençoado por suas divinas mãos, e figurava-se lavada de todas as mundanas preocupações. A ideia do reino dos Céus, onde todos os aflitos são consolados, anestesiava-lhe o coração dolorido, nas suas primeiras reflexões a respeito da calúnia de que era vítima o seu espírito fustigado pelas provas aspérrimas.

Não obstante essa atitude de serena humildade, o senador continuou no auge da angústia moral:

— Dei-lhe tudo o que possuía de mais puro e mais sagrado neste mundo, na esperança de que correspondesse aos meus ideais mais sublimes; entretanto, relegando todos os deveres que lhe competiam, não vacilou em derramar sobre nós um punhado de lama… Preferiu, ao convívio do meu coração, os costumes dissolutos desta época de criaturas irresponsáveis, no capítulo da família, resvalando para o desfiladeiro que conduz a mulher aos abismos do crime e da impiedade.

Mas ouça bem minhas palavras que assinalam os mais terríveis desgostos do meu coração!

Nunca mais se afastará dos labores domésticos, das obrigações diárias de minha casa. Mais um ato, com que provoque as derradeiras reservas da minha tolerância, não deverá esperar outra providência que não seja a morte.

Não me solicite as mãos honestas para um ato de tal natureza. Se as tradições familiares desapareceram no âmago do seu espírito, continuam elas cada vez mais vivas em minh'alma, que as deseja cultivar incessantemente no santuário de minhas recordações mais queridas. Viva com o seu pensamento na ignomínia, mas abstenha-se de zombar publicamente dos meus sentimentos mais sagrados, mesmo porque, a paciência e a liberdade também têm os seus limites.

Saberei ressurgir desta queda em que as suas leviandades me atiraram!…

De ora em diante, a senhora será nesta casa apenas uma serva, considerando a função maternal que hoje a exime da morte; mas, não intervenha na solução de qualquer problema educativo de minha filha. Saberei conduzi-la sem o seu concurso e buscarei o filhinho perdido talvez pela sua inconsciência criminosa, até o fim de meus dias. Concentrarei nos filhos a parcela imensa de amor que lhe reservara, dentro da generosidade da minha confiança, porquanto, doravante, não me deve procurar com a intimidade da esposa, que não soube ser, pela sua injustificável deslealdade, mas com o respeito que uma escrava deve aos seus senhores!…

Enquanto se verificava uma ligeira pausa na palavra acrimoniosa e amargurada do senador, Lívia dirigiu-lhe um olhar de angústia suprema.

Desejava falar-lhe como dantes, entregando-lhe o coração sensível e carinhoso; todavia, conhecendo-lhe o temperamento impulsivo, adivinhou a inutilidade de qualquer tentativa para justificar-se.

Passadas as primeiras reflexões e ouvindo, amargurada de dor, aquela terrível insinuação acerca do desaparecimento do filhinho, deixou vagar no coração vacilações injustificáveis e numerosas. Ante aquelas calúnias que a faziam tão desditosa, chegava a pensar se as boas ações não seriam vistas por aquele Pai de infinita bondade, que ela acreditava velar, dos Céus, por todos sofredores, de conformidade com as promessas sublimes do Messias Nazareno. Não guardara ela uma conduta nobre e exemplar, como mãe dedicada e esposa carinhosa? Todo o seu coração não estava posto em tributos de esperança e de fé naquele reino de soberana justiça, que se localizava fora da vida material? Além disso, sua ida precipitada a Pilatos, sem a audiência prévia do marido, fora tão somente com o elevado propósito de salvar a Jesus de Nazaret da morte infamante. Onde o socorro sobrenatural que não chegava para esclarecer a penosa situação dela e mostrar tal injustiça?

Lágrimas angustiosas enevoavam-lhe os olhos cansados e abatidos.

Mas antes que o marido recomeçasse as acusações, viu-se de novo defronte da cruz, em pensamento.

Uma brisa suave parecia amenizar as úlceras que o libelo do esposo lhe abrira no coração. Uma voz, que lhe falava aos refolhos mais íntimos da consciência, lembrou-lhe ao espírito sensível que o Mestre de Nazaret também era inocente e expirara, naquele dia, na cruz, sob os insultos de algozes impiedosos. E ele era justo, bom e compassivo. Daqueles a quem mais havia amado, recebera a traição e o abandono na hora extrema do testemunho e, de quantos havia servido com a sua caridade e o seu amor, tinha recebido os espinhos envenenados da mais acerba ingratidão. Ante a visão dos seus martírios infinitos, Lívia consolidou a sua fé e rogou ao Pai Celestial lhe concedesse a intrepidez necessária para vencer as provações aspérrimas da vida.

Suas meditações angustiosas haviam durado um momento. Um minuto apenas, após o qual, continuou Públio Lêntulus com voz desesperada:

— Aguardarei mais dois dias, nas pesquisas de meu filhinho desventurado! Decorridas estas poucas horas, voltarei a Cafarnaum para afrontar a passagem do tempo… Ficarei neste cenário maldito, enquanto for necessário e, quanto à senhora, recolha-se doravante em sua própria indignidade, porque, com o mesmo ímpeto generoso com que lhe poupo a existência neste momento, não vacilarei em lhe infligir a derradeira punição no momento oportuno!…

E, abrindo a porta de saída, que estremecera aos ribombos do trovão, exclamou com terrível acento:

— Lívia, este momento doloroso assinala a perpétua separação dos nossos destinos. Não ouse transpor a fronteira que nos isola um do outro, para sempre, no mesmo lar e dentro da mesma vida, porque um gesto desses pode significar a sua inapelável sentença de morte.

Atrás dele, fechara-se a porta com estrépito abafado pelos rumores da tempestade.

Jerusalém estava sob um verdadeiro ciclone de destruição, que ia deixar, após sua passagem, sinal de ruína, desolação e morte.

Ficando só, Lívia chorou amargamente.

Enquanto a atmosfera se lavava com a chuva torrencial que descia a cântaros no fragor das trovoadas, também a sua alma se despia das ilusões amargas e purificadoras.

Sim… estava só e profundamente desventurada.

Doravante, não poderia contar com o amparo do marido, nem com o afeto suave da filhinha, mas um anjo de serenidade velava à sua cabeceira, com a doçura das sentinelas que nunca se afastam do seu posto de amor, de redenção e de piedade. E foi esse Espírito luminoso que, fazendo gotejar o bálsamo de esperança no cálice do seu coração angustiado, deu-lhe a sentir que ainda possuía muito: — o tesouro da fé que a unia a Jesus, ao Messias da renúncia e da salvação, a esperá-la em seu reino de luz e de misericórdia.


ÁUDIO:

Radionovela
Emmanuel : Há Dois Mil Anos
Paz e Amor



 


Minissérie em formato de Radionovela

O conhecido romance Há 2000 anos, de Emmanuel, psicografado por Francisco Cândido Xavier (1910-2002), um dos maiores best-sellers da literatura espiritualista, narra a saga de Públio Lêntulus, nobre romano, cuja esposa Lívia renuncia ao luxo, à ostentação e às antigas crenças para entregar seu espírito a uma nova fé e lutar intensamente pela causa de Jesus, o Cristo de Deus.

A radionovela é uma iniciativa do escritor Paiva Netto e nela estão reunidos os melhores dubladores das superproduções de Hollywood, sob a direção do ator e diretor de TV Paulo Figueiredo.




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