terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Emmanuel - Livro Há Dois Mil Anos… - Chico Xavier - 2ª Parte - Cap. 6 - Alvoradas do Reino do Senhor



Emmanuel - Livro Há Dois Mil Anos… - Chico Xavier - 2ª Parte - Cap. 6


Alvoradas do Reino do Senhor


Reportando-nos à dolorosa e comovedora cena do sacrifício dos mártires cristãos, na arena do circo, somos compelidos a acompanhar a entidade de Lívia na sua augusta trajetória para o Reino de Jesus.

Nunca os horizontes da Terra foram brindados com paisagens de tanta beleza, como as que se abriram nas Esferas mais próximas do planeta, quando da partida em massa dos primeiros apóstolos do Cristianismo, exterminados pela impiedade humana, nos tempos áureos e gloriosos da consoladora doutrina do Nazareno.

Naquele dia, quando as feras famintas estraçalhavam os indefesos adeptos das ideias novas, toda uma legião de Espíritos sábios e benevolentes, sob a égide do Divino Mestre, lhes rodeava os corações dilacerados no martírio, saturando-os de força, resignação e coragem para o supremo testemunho de sua fé.

Sobre as nefastas paixões desencadeadas naquela assistência ignorante e impiedosa, desdobravam os poderes do Céu o manto infinito de sua misericórdia, e além daquele vozeio sinistro e ensurdecedor havia vozes que abençoavam, proporcionando aos mártires do Senhor uma fonte de suaves e ditosas consolações.

Entardecia já, quando tombavam as últimas vítimas ao choque brutal dos leões furiosos e implacáveis.

Abrindo os olhos entre os braços carinhosos do seu velho e generoso amigo, Lívia compreendera, imediatamente, a consumação do angustioso transe. Simeão tinha nos lábios um sorriso divino e lhe acariciava os cabelos, paternalmente, com meiguice e doçura. Estranha emoção vibrava, porém, na alma liberta da esposa do senador, que se viu presa de lágrimas dolorosas. A seu lado notou, com penosa surpresa, os despojos sangrentos do corpo dilacerado e entendeu, embora o seu espanto, o doce mistério da ressurreição espiritual, de que falava Jesus nas suas lições divinas. Desejou falar, de modo a traduzir seus pensamentos mais íntimos e, todavia, tinha o coração repleto de emoções indefiníveis e angustiosas. Aos poucos, notou que, da arena ensanguentada, se erguiam entidades, qual a sua própria, ensaiando passos vacilantes, amparadas, porém, por criaturas etéreas, aureoladas de graça incomparável, como jamais contemplara em qualquer circunstância da vida. Aos seus olhos desapareceu o cenário colorido e tumultuoso do circo da ignomínia e aos ouvidos não mais ressoaram as gargalhadas irônicas e perversas dos espectadores impiedosos. Notou que, do firmamento constelado, fluía uma luz misericordiosa e compassiva, afigurando-se-lhe que nova claridade, desconhecida na Terra, se acendera maravilhosamente dentro da noite. Imensa multidão de seres, que lhe pareciam alados, cercava-os a todos, enchendo o ambiente de vibrações divinas.

Deslumbrada, viu, então, que entre a Terra e o Céu se formava radioso caminho…

Através de uma esteira de luz intraduzível, que não chegava a ofuscar o brilho caricioso e terno das estrelas que bordavam, cintilando, o azul macio do firmamento, observou novas legiões espirituais que desciam, celeremente, das maravilhosas regiões do Infinito…

Empolgados com as sonoridades delicadas daquele ambiente indescritível, seus ouvidos escutaram, então, melodias cariciosas do Plano invisível, como se, de envolta com liras e flautas, harpas e alaúdes, cantassem no alto as divinas toutinegras do Paraíso, projetando as alegrias siderais nas paisagens escuras e tristes da Terra…

Seu Espírito, como que impulsado por energia misteriosa, conseguiu, então, manifestar as emoções mais íntimas e mais queridas.

Abraçando-se ao velho e generoso amigo de Samaria, pôde murmurar banhada em lágrimas:

— Simeão, meu benfeitor e mestre, roga comigo a Jesus para que esta hora me seja menos dolorosa…

— Sim, filha — respondeu o venerável apóstolo aconchegando-a ao coração, como se o fizesse a uma criança —, o Senhor, na sua infinita misericórdia, reserva o seu carinho a quantos lhe recorrem à magnanimidade, com a fé ardente e sincera do coração!… Acalma o teu espírito porque estás, agora a caminho do Reino do Senhor, destinado aos corações que muito amaram!…

Naquele instante, porém, uma força incompreensível parecia impelir para as Alturas quantos ali se conservavam sem a pesada indumentária da Terra…

Lívia sentiu que o terreno lhe faltava e que todo o seu ser volitava em pleno espaço, experimentando estranhas sensações, embora fortemente amparada pelos braços generosos do venerando amigo.

Era, de fato, uma radiosa caravana de entidades puríssimas, que se elevava em conjunto, através daquele cintilante caminho traçado de luz, em pleno éter!…

Experimentando singulares sensações de leveza, a esposa do senador sentiu-se mergulhada num oceano de vibrações cariciosas e suavíssimas.

Todos os companheiros lhe sorriam e, contemplando-os, igualmente amparados pelos mensageiros divinos, ela identificava, um a um, quantos lhe haviam sido irmãos no cárcere, no martírio e na morte infamante. Em dado instante, todavia, como se a memória fosse chamada a todos os pormenores da realidade ambiente, lembrou-se de Ana, sentindo-lhe a falta naquela jornada de glorificação em Jesus-Cristo.

Bastou que a recordação lhe aflorasse no íntimo, para que a voz de Simeão esclarecesse com a proverbial bondade:

— Filha, mais tarde poderás saber tudo… Na tua saudade, porém, inclina-te sempre aos desígnios divinos, inspirados em toda a sabedoria e misericórdia… Não te impressiones com a ausência de Ana neste banquete de alegrias celestiais, porque aprouve a Jesus conservá-la ainda algum tempo na oficina de suas bênçãos, entre as sombras do degredo terrestre…

Lívia ouviu e resignou-se, silenciosa.

Reconheceu que seguiam sempre pela mesma estrada maravilhosa, que, a seus olhos, parecia ligar o Céu e a Terra num carinhoso amplexo de luz, afigurando-se-lhe que todos os divinos componentes da luminosa caravana flutuavam num movimento de ascensão, em pleno espaço, demandando regiões gloriosas e desconhecidas. No seio dos elementos aéreos, admirava-se de conservar todo o mecanismo de suas sensações físicas, através do eterizado e radioso caminho.

Ao longe, nos abismos do ilimitado, parecia divisar novos firmamentos estrelados, que se multiplicavam maravilhosamente no seio do Infinito, e observava radiações fulgurantes que, por vezes, lhe ofuscavam os olhos deslumbrados…

De outras vezes, olhando furtivamente para trás, via um acervo de sombras compactas e movediças, onde se localizavam as Esferas de vida na Terra distante.

Em ambas as margens do caminho verificou a existência de flores graciosas e perfumadas, como se os lírios terrestres, com expressões mais delicadas, se houvessem transportado aos jardins do Paraíso.

A eternidade apresentava-se-lhe com encantos e venturas indizíveis!…

Simeão falava carinhosamente da sua adaptação à vida nova e das belezas sublimadas do Reino de Jesus, recordando com alegria as penosas angústias da vida na Terra, quando aos seus ouvidos ecoaram vozes argentinas e harmônicas dos rouxinóis siderais que festejavam, nas Alturas, a redenção dos mártires do Cristianismo, como se estivessem chegando às cercanias de uma nova Galileia, saturada de melodias e perfumes deliciosos, erguida à luz plena do Infinito, como se fosse um ninho de almas santificadas e puras balouçando, aos ventos perfumados de interminável primavera, na árvore maravilhosa e sem fim da Criação…

Aquele hino suave e claro, ora se elevava às alturas em sonoridades prodigiosas, como se fora um incenso sutil das almas procurando o sólio do Sempiterno em hosanas de amor, de alegria e de reconhecimento, ora descia em melodias arrebatadoras, demandando as sombras da Terra, como se fosse um brado de fé e esperança em Jesus-Cristo, destinado a acordar no mundo os corações mais perversos e mais empedernidos…

A linguagem humana não traduz fielmente as harmoniosas vibrações das melodias do Invisível, mas aquele cântico de glória, ao menos palidamente, deve ser lembrado por nós outros como suave reminiscência do Paraíso:

“— Glória a Ti, Senhor do Universo, Criador de todas as maravilhas!…

“É por tua sabedoria inacessível que se acendem as constelações nos abismos do Infinito e é por tua bondade que se desenvolve a erva tenra na crosta escura da Terra!…

“Por tua grandeza inapreciável e por tua justiça misericordiosa, abre o Tempo os seus ilimitados tesouros para as almas!…

“Por teu amor, sacrossanto e sublime, florescem todos os risos e todas as lágrimas no coração das criaturas!…

“Abençoa, Senhor do Universo, as sagradas esperanças deste Reino. Jesus é para nós o teu Verbo de amor, de paz, de caridade e beleza!… Fortalece as nossas aspirações de cooperar em sua Seara Santa!…

“Multiplica as nossas energias e faze chover sobre nós o fogo sagrado da fé, para espalharmos na Terra as divinas sementes do amor de teu Filho!…

“Basta uma gota do orvalho divino de tua misericórdia para que se purifiquem todos os corações mergulhados no lodo dos crimes e das impenitências terrestres, e basta um raio só do teu poder para que todos os Espíritos se convertam ao bem supremo!…

“E agora, ó Jesus, Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, recebe as nossas súplicas ardentes e fervorosas!

“Abençoa, ó Divino Mestre, os que chegam redimidos da terra da amargura, santifica-lhes as esperanças com o anélito criador de tuas bênçãos sacratíssimas!…

“Vítimas da perversidade humana, cumpriram, valorosamente, os teus missionários, todas as obrigações que os prendiam ao cárcere do penoso degredo!…

“O mundo, no torvelinho de suas inquietações e iniquidades, não lhes compreendeu o coração amantíssimo, mas, na tua bondade e misericórdia, abres aos mártires da verdade as portas divinas do teu Reino de luz!…”

Estrofes de profunda beleza espalhavam nas estradas claras e sublimadas do éter universal as bênçãos da paz e das alegrias harmoniosas!

Os seres inferiores, das Esferas espirituais mais próximas do planeta, recebiam aqueles eflúvios sacrossantos do celeste banquete reservado por Jesus aos mártires da sua doutrina de redenção, como se fossem também convidados pela misericórdia do Divino Mestre e muitos deles recebendo no íntimo aquelas vibrações maravilhosas, se converteram para sempre ao amor e ao bem supremos.

Harmonias suavíssimas saturavam todas as atmosferas espirituais, derramando sobre a Terra claridades augustas e soberanas.

Naquela região de belezas ignotas e prodigiosas, intraduzíveis na pobreza da linguagem humana, Lívia retemperou as forças morais, depois do austero cumprimento de sua missão divina.

Ali, compreendeu a extensão do conceito de “muitas moradas”, dos ensinamentos de Jesus, contemplando junto de Simeão as mais diversas Esferas de trabalho localizadas nas cercanias da Terra ou estudando a grandeza dos mundos disseminados pela sabedoria divina no oceano imensurável do éter, na imortalidade. Obedecendo às tendências do seu coração, não se esqueceu das antigas amizades nos círculos espirituais, colocados nas zonas terrestres.

Depois de alguns dias de emoções suaves e carinhosas, todos os Espíritos, reunidos naquela paisagem luminosa, se prepararam para receber a visita do Senhor, como quando da sua divina presença na bucólica moldura da Galileia.

Num dia de rara e indefinível beleza, em que uma claridade de cambiantes divinos entornava saboroso mel de alegria em todos os corações, descia o Cordeiro de Deus da Esfera superior de suas glórias sublimes e, tomando a palavra naquele cenáculo de maravilhas, recordava as suas inesquecíveis pregações junto às águas tranquilas do pequeno “mar” da Galileia. De modo algum se poderia traduzir fielmente, na Terra, a beleza nova da sua palavra eterna, substância de todo o amor, de toda a verdade e de toda a vida, mas constitui para nós um dever, neste escorço, lembrar a sua ilimitada sabedoria, ousando reproduzir, imperfeitamente e de leve, a essência de sua lição divina naquele momento inesquecível.

Figurava-se, a todos os presentes, a cópia fiel dos quadros graciosos e claros do Tiberíades. A palavra do Mestre derramava-se no ádito das almas, com sonoridades profundas e misteriosas, enquanto de seus olhos vinha a mesma vibração de misericórdia e de serena majestade.

“— Vinde a mim, vós todos que semeastes, com lágrimas e sangue, na vinha celeste do meu Reino de amor e verdade!…

“Nas moradas infinitas do Pai, há luz bastante para dissipar todas as trevas, consolar todas as dores, redimir todas as iniquidades…

“Glorificai-vos, pois, na sabedoria e no amor de Deus Todo Poderoso, vós que já sacudistes o pó das sandálias miseráveis da carne, nos sacrifícios purificadores da Terra! Uma paz soberana vos aguarda, para sempre, no reino dilatado e sem fim, prometido pelas divinas aleluias da Boa-Nova, porque não alimentastes outra aspiração no mundo, senão a de procurar o Reino de Deus e de sua justiça.

“Entre a Manjedoura e o Calvário, tracei para as minhas ovelhas o eterno e luminoso caminho… O Evangelho floresce, agora, como a seara imortal e inesgotável das bênçãos divinas. Não descansemos, contudo, meus amados, porque tempo virá na Terra, em que todas as suas lições hão-de ser espezinhadas e esquecidas… Depois de longa era de sacrifícios para consolidar-se nas almas, a doutrina da redenção será chamada a esclarecer o governo transitório dos povos; mas o orgulho e a ambição, o despotismo e a crueldade hão-de reviver os abusos nefandos de sua liberdade! O culto antigo, com as suas ruínas pomposas, buscará restaurar os templos abomináveis do bezerro de ouro. Os preconceitos religiosos, as castas clericais, os falsos sacerdotes, restabelecerão novamente o mercado das coisas sagradas, ofendendo o amor e a sabedoria de Nosso Pai, que acalma a onda minúscula no deserto do mar, como enxuga a mais recôndita lágrima da criatura, vertida no silêncio de suas orações ou na dolorosa serenidade de sua amargura indizível!…

“Soterrando o Evangelho na abominação dos lugares santos, os abusos religiosos não poderão, todavia, sepultar o clarão de minhas verdades, roubando-as ao coração dos homens de boa vontade!…

“Quando se verificar este eclipse da evolução de meus ensinamentos, nem por isso deixarei de amar intensamente o rebanho das minhas ovelhas tresmalhadas do aprisco!…

“Das Esferas de luz que dominam todos os círculos das atividades terrestres, caminharei com os meus rebeldes tutelados, como outrora entre os corações impiedosos e empedernidos de Israel, que escolhi, um dia, para mensageiro das verdades divinas entre as tribos desgarradas da imensa família humana!…

“Em nome de Deus Todo Poderoso, meu Pai e vosso Pai, regozijo-me aqui convosco, pelos galardões espirituais que conquistastes no meu reino de paz, com os vossos sacrifícios abençoados e com as vossas renúncias purificadoras! Numerosos missionários de minha doutrina ainda tombarão, exânimes, na arena da impiedade, mas hão de constituir convosco a caravana apostólica, que nunca mais se dissolverá, amparando todos os trabalhadores que perseverarem até ao fim, no longo caminho da salvação das almas!…

“Quando a escuridão se fizer mais profunda nos corações da Terra, determinando a utilização de todos os progressos humanos para o extermínio, para a miséria e para a morte, derramarei minha luz sobre toda a carne e todos os que vibrarem com o meu reino e confiarem nas minhas promessas, ouvirão as nossas vozes e apelos santificadores!…

“Pela sabedoria e pela verdade, dentro das suaves revelações do Consolador, meu verbo se manifestará novamente no mundo, para as criaturas desnorteadas no caminho escabroso, através de vossas lições, que se perpetuarão nas páginas imensas dos séculos do porvir!…

“Sim! amados meus, porque o dia chegará no qual todas as mentiras humanas hão-de ser confundidas pela claridade das revelações do Céu. Um sopro poderoso de verdade e vida varrerá toda a Terra, que pagará, então, à evolução dos seus institutos, os mais pesados tributos de sofrimentos e de sangue… Exausto de receber os fluidos venenosos da ignomínia e da iniquidade de seus habitantes, o próprio planeta protestará contra a impenitência dos homens, rasgando as entranhas em dolorosos cataclismos… As impiedades terrestres formarão pesadas nuvens de dor que rebentarão, no instante oportuno, em tempestades de lágrimas na face escura da Terra e, então, das claridades de minha misericórdia, contemplarei meu rebanho desditoso e direi como os meus emissários: “Ó Jerusalém, Jerusalém!…” 

“Mas Nosso Pai, que é a sagrada expressão de todo o amor e sabedoria, não quer se perca uma só de suas criaturas, transviadas nas tenebrosas sendas da impiedade!…

“Trabalharemos com amor, na oficina dos séculos porvindouros, reorganizaremos todos os elementos destruídos, examinaremos detidamente todas as ruínas buscando o material passível de novo aproveitamento e, quando as instituições terrestres reajustarem a sua vida na fraternidade e no bem, na paz e na justiça, depois da seleção natural dos Espíritos e dentro das convulsões renovadoras da vida planetária, organizaremos para o mundo um novo ciclo evolutivo, consolidando, com as divinas verdades do Consolador, os progressos definitivos do homem espiritual.”

A voz do Mestre parecia encher os âmbitos do próprio Infinito, como se Ele a lançasse, qual baliza divina do seu amor, no ilimitado do espaço e do tempo, no seio radioso da Eternidade.

Terminando a exposição de suas profecias augustas, sua figura sublimada elevava-se às Alturas, enquanto um oceano de luz azulada, de mistura aos sons de melodias divinas e incomparáveis, invadia aqueles domínios espirituais, com as tonalidades cariciosas das safiras terrestres.

Todos os presentes, genuflexos na sua doce emoção, choravam de reconhecimento e alegria, enchendo-se de santificada coragem para as elevadas tarefas que lhes competia levar a efeito, no curso incessante dos séculos. Flores de maravilhoso azul-celeste choviam do Alto sobre todas as frontes, desfazendo-se, todavia, ao tocarem nas delicadas substâncias que formavam o solo daquela paisagem de soberana harmonia, como se fossem lírios fluídicos, de perfumada neblina.

Lívia chorava de comoção indefinível, enquanto Simeão, com seus generosos ensinamentos a instruía das novas missões de trabalho santificante, que lhe aguardavam a dedicação no Plano espiritual.

— Meu amigo — disse ela, entre lágrimas —, as agonias terrestres são um preço misérrimo para estas recompensas radiosas e imortais!… Se todos os homens tivessem conhecimento direto de semelhantes venturas, não possuiriam outra preocupação além da de buscar o glorioso Reino de Deus e de sua justiça.

— Sim, filha — acrescentou Simeão, como se os seus olhos pousassem serenamente nos quadros do futuro —, um dia, todos os seres da Terra hão-de conhecer o Evangelho do Mestre, observando-lhe os ensinos!… Para isso, haveremos de sacrificar-nos pelo Cordeiro de Deus, quantas vezes forem necessárias. Organizaremos avançados postos de trabalho entre as sombras terrestres, buscaremos acordar todos os corações adormecidos nas reencarnações dolorosas, para as harmonias sublimes destas divinas alvoradas!…

Se for preciso, voltaremos de novo ao mundo, em missões santificadoras de paz e verdade… Sucumbiremos na cruz infamante, ou daremos o sangue em repasto às feras da ambição e do orgulho, do ódio e da impiedade, que dormitam nas almas dos nossos companheiros da existência terrestre, convertendo todos os corações ao amor de Jesus Cristo!…

Nesse instante, todavia, Lívia notou que um grupo gracioso de entidades angélicas distribuía as graças do Senhor naquela paisagem florida do Infinito, organizada no Além como estância de repouso, recompensando os que haviam partido das angústias terrenas, após o cumprimento de missão divina.

Todos os que haviam alcançado a vitória celeste com os seus esforços, nos martírios santificantes, retemperavam agora as forças morais e desejavam conhecer novas Esferas de gozo espiritual, novas expressões da vida noutros mundos, recebendo outros conhecimentos nos templos radiosos e sublimes da Eternidade e restabelecendo, ao mesmo tempo, o equilíbrio de suas emoções.

Junto à magnanimidade dos mensageiros de Jesus, sublimados planos foram arquitetados. Novos cenários, novas oficinas de estudo, novas emoções no reencontro de afetos inesquecíveis, que haviam antecedido os missionários do Senhor na noite escura e fria da morte.

Mas, chegando-lhe a vez de externar seus mais recônditos desejos, a nobre companheira do senador, depois de auscultar os seus sentimentos mais profundos, respondeu, entre lágrimas, ao emissário de Jesus que a interpelava:

— Mensageiro do Bem — as maravilhas do Reino do Senhor teriam para mim uma nova beleza, se eu pudesse penetrar-lhes a excelsitude, em companhia do coração que é metade do meu, da alma gêmea da minha, que a sabedoria de Deus, em seus profundos e doces mistérios, destinou ao meu modo de ser, desde a aurora dos tempos!…

Não desejo menosprezar a glória sublime destas regiões de felicidade e de paz indizíveis, mas no meio de todas estas alegrias que me rodeiam, sinto saudades da alma que é o complemento da minha própria vida!…

Dai-me a graça de voltar às sombras da Terra e erguer, do lodaçal do orgulho e das vaidades impiedosas, o companheiro do meu destino!… Permiti que possa protege-lo em Espírito, a fim de um dia traze-lo aos pés de Jesus, igualmente, de modo que também receba as suas divinas bênçãos!…

A entidade angélica sorriu com profunda compreensão e terna complacência, exclamando:

— Sim — o amor é o laço de luz eterna que une todos os mundos e todos os seres da imensidade; sem ele, a própria Criação Infinita não teria razão de ser, porque Deus é a sua expressão suprema… As perspectivas deslumbrantes das Esferas felizes perderiam a divina beleza, se não guardássemos a esperança de participar, um dia, de suas ilimitadas venturas, junto dos nossos bem-amados, que se encontram na Terra ou noutros círculos de provação, do Universo…

E, fixando o lúcido olhar nos olhos serenos e deslumbrados de Lívia, continuou como se lhe devassasse os pensamentos mais secretos e mais profundos:

— Conheço toda a tua história e sei de tuas lutas incessantes e redentoras, nas encarnações do passado, justificando assim os teus propósitos de prosseguir, em Espírito, trabalhando na Terra pelo aperfeiçoamento daqueles a quem muito amaste!…

Também o Cordeiro de Deus, por muito amar a Humanidade, não desdenhou a humilhação, o martírio, o sacrifício…

Vai, minha filha. Poderás trabalhar livremente entre as falanges radiosas que operam na face sombria do planeta terrestre. Voltarás aqui, sempre que necessitares de novos esclarecimentos e novas energias. Regressarás junto de Simeão, logo que o desejares. Ampara o teu infeliz companheiro na longa esteira de suas expiações rudes e amargas, mesmo porque o desventurado Públio Lêntulus não está longe da sua mais angustiosa provação na atual existência, perdida, infelizmente, pelo seu desmarcado orgulho e pela sua vaidade fria e impiedosa!…

Lívia sentiu-se tomada de indizível emoção em face daquela revelação dolorosa, mas, simultaneamente, externou todo o seu reconhecimento à misericórdia divina, na intimidade do seu coração sensível e carinhoso.

Naquele mesmo dia, em companhia de Simeão, a generosa criatura voltava à Terra, afastando-se provisoriamente daqueles domínios esplendorosos.

Através da sua excursão espiritual, sublime e vertiginosa, observou as mesmas perspectivas encantadoras e deslumbrantes do caminho, recebendo, extasiada, elevados ensinamentos do venerando amigo da Samaria.

Em pouco tempo aproximavam-se ambos de larga mancha escura.

Já na atmosfera da Terra, Lívia sentiu a singular diversidade da natureza ambiente, experimentando os mais penosos choques fluídicos.

Num ápice, notou que se encontravam na mesma Roma da sua infância, da sua juventude e das suas amargas provações.

Era meia-noite. Todo o hemisfério estava mergulhado nos abismos de sombra.

Amparada pelos braços e pela experiência de Simeão, chegou ao seu antigo palácio do Aventino, identificando-lhe os mármores preciosos.

Em lá penetrando, Lívia e Simeão se dirigiram imediatamente ao quarto do senador, então iluminado por frouxa claridade.

Com exceção das ruas, onde se movimentavam ruidosamente os escravos, nos serviços noturnos de transporte, segundo os costumes do tempo, toda a cidade repousava na sombra.

De joelhos ante a relíquia de Simeão, como de seu recente costume, Públio Lêntulus meditava. Seu pensamento descia aos abismos tenebrosos do passado, onde buscava rever, angustiadamente, as afeições carinhosas que o haviam precedido nas sendas tristes da morte. Fazia mais de um mês que a esposa havia demandado, igualmente, os mistérios do túmulo, em trágicas circunstâncias.

Mergulhado nas trevas do seu exílio de amargores e profundas saudades, o orgulhoso patrício serenava as inquietações dolorosas do dia, a fim de melhor consultar os mistérios do ser, do sofrimento e do destino… Em dado instante, quando mais fundas e melancólicas as penosas reminiscências, notou, através do véu de suas lágrimas, que a pequena cruz de madeira como que emitia delicados fios de luz prateada, qual se fora banhada de luar misericordioso e brando.

Públio Lêntulus, absorto nas vibrações pesadas e obscuras da carne não viu a nobre silhueta de sua mulher, que ali se encontrava junto do venerável apóstolo da Samaria, regozijando-se no Senhor, ao verificar as profundas e benéficas modificações espirituais da alma gêmea da sua, na peregrinação iterativa das encarnações terrenas. Tomada de alegria e reconhecimento para com a Providência Divina, Lívia beijou-lhe a fronte num transporte de indefinível ternura, enquanto Simeão erguia aos Céus uma prece de amor e agradecimento.

O senador não lhes percebeu, diretamente, a presença suave e luminosa, mas no íntimo d’alma sentiu-se tocado por uma força nova, ao mesmo tempo que o seu coração amargurado se viu envolto na luz cariciosa de uma consolação inefável e até então desconhecida.


Emmanuel





ÁUDIO:

Radionovela
Emmanuel : Há Dois Mil Anos
Paz e Amor



 


Minissérie em formato de Radionovela

O conhecido romance Há 2000 anos, de Emmanuel, psicografado por Francisco Cândido Xavier (1910-2002), um dos maiores best-sellers da literatura espiritualista, narra a saga de Públio Lêntulus, nobre romano, cuja esposa Lívia renuncia ao luxo, à ostentação e às antigas crenças para entregar seu espírito a uma nova fé e lutar intensamente pela causa de Jesus, o Cristo de Deus.

A radionovela é uma iniciativa do escritor Paiva Netto e nela estão reunidos os melhores dubladores das superproduções de Hollywood, sob a direção do ator e diretor de TV Paulo Figueiredo.

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