segunda-feira, 7 de março de 2022

Humberto de Campos - Livro Novas Mensagens - Chico Xavier - Cap. 8 - A Agrippino Grieco




Humberto de Campos - Livro Novas Mensagens - Chico Xavier - Cap. 8


A Agrippino Grieco


Depois da grande batalha de Tsushima, um dos grandes generais japoneses concitava os mortos a se levantarem, de modo a sustentar as energias exauridas dos camaradas agonizantes. E eu compareço aqui, como uma sombra, para dizer ao formoso coração de Agrippino Grieco que me encontro de pé. É verdade que, depois de longa ausência, não nos encontramos nas nossas tertúlias literárias do Rio de Janeiro. Nem nos achamos num local tão famoso como a Acrópole, n onde a deusa de Atenas distribuía as suas bênçãos entre os sábios. Mas há em nossas almas essa doce alegria de velhos irmãos que se reconhecem pelas afinidades santificantes do Espírito.

É certo que os seus olhos mortais não me veem. Todavia eu recorro ainda aos símbolos mitológicos para justificar a minha presença nesta casa de simplicidade e de amor cristão. Suponhamos que me encontro por detrás do véu de Ísis, como as forças que se ocultam aos olhos dos homens, no famoso santuário de Delfos. 

Agora, meu amigo, as fronteiras do sepulcro nos separam. Para falar-te, sou compelido a me utilizar da faculdade de outros, como se empregasse uma nova modalidade de aparelho radiofônico. Seus olhos deslumbrados me procuram, ansiosamente, porém, nem mesmo a letra me pode identificar para o teu Espírito habituado às supremas investigações de nossas forças literárias do ambiente contemporâneo. Mas nós nos entendemos no âmago do coração, compreendendo mutuamente, através das mais puras afinidades espirituais. A sombra do sepulcro não podia obscurecer a minha admiração, que se manifesta, agora, com uma intensidade ainda maior, sabendo que despiste a toga de Nicodemos,  n para devassar a verdade no beiral do meu túmulo.

Compreendo a elevação do teu gesto e louvo as tuas atitudes desassombradas. Um mundo de novas observações aflora-me ao pensamento para entregá-las ao teu coração nesta noite, de sagrada memória para a minha vida de homem desencarnado; porém, dificuldades inúmeras impedem a realização de meus modestos desejos.

Não desejo reviver o acervo de minhas velhas recordações, cheias de lágrimas muito amargas; todavia, se não represento mais a figura de Tirésias, dando palpites ao mundo, do seio de sombras da sua noite, desejaria trazer-te o complexo de minhas emoções novas e de meus novos conhecimentos.

Não te posso, todavia, fornecer os elementos mais essenciais de meu novo mundo impressivo, porquanto a Terra tem as suas cores definidas, nos diversos setores de suas atividades, e as imagens literárias não poderiam corresponder às minhas novas necessidades.

Também, a mudança integral das perspectivas não me faria redizer o passado, com os seus enganos, com referência aos centros envenenados de nossa cultura. O Plano Espiritual está cheio de incógnitas poderosas. Aqui vivemos uma expressão mais forte do problema do ser e do destino. Não aportamos do outro lado do Aqueronte tão somente para devassar o mistério das sombras. Chegamos no além-túmulo com um dever mais profundo e mais essencial — o de conhecermos a nós mesmos, segundo o grande apelo de Alexis Carrel numa de suas últimas experiências científicas. 

Surpresas numerosas assaltam a nossa imaginação, mas os aspectos exteriores da Vida não se modificam de modo absoluto. A incógnita de nossa própria alma para o desencarnado é, talvez, mais complexa e profunda. Aí no mundo, costumamos entronizar a razão como se tão somente por ela subsistissem todas as leis de progresso. Entretanto, sem a luz da fé, a nossa razão é sempre falível. Reconhecemos a propriedade desse asserto quando observamos a caminhada sinistra dos povos para a ruína e para a destruição.

Se os valores raciais trouxessem consigo a prioridade da evolução, não teríamos tantas teorias de paz e de concórdia espezinhadas pela incultura e pela violência, pelos princípios dos mais fortes, como se os homens desta geração houvessem sorvido no berço um vinho diabólico e sinistro.

A razão do homem, em si mesma, fez o direito convencional, mas fez igualmente o canhão e o prostíbulo. E, sem a fé, sem a compreensão de sua própria alma, estranho às suas realidades profundas, o homem caminha às tontas, endeusando todas as energias destruidoras da alegria e da vida.

Um espetáculo imponente apresenta a sociedade moderna, com a sua época de miséria e de deslumbramento. O homem da atualidade é um hífen desesperado entre duas eras extraordinárias. De cá, assistimos a esse esboroar do mundo velho, para que o novo organismo do orbe surja na plenitude das suas forças restauradoras. E eu não te poderia falar de um livro de Sainte-Beuve ou de apontamentos da história nesse ou naquele setor. Falar-te-ia muito; todavia, a nossa palavra singela de humilde jornalista desencarnado teria de rodopiar em torno de problemas demasiadamente complexos, para um ligeiro encontro de amigos, dentro da noite.

Eu sei que não poderás aceitar as teses espiritistas de um jato, como se o teu coração recebesse um banho milagroso. Lutarás contigo mesmo e submeterás tudo o que os teus olhos veem, ao cadinho de tuas análises rigorosas, mas sentir-me-ei resignado e feliz se puder alimentar a dúvida no íntimo de teu coração. A dúvida, como já o disse alguém no mundo, é o túmulo da incerteza.

A hora vai adiantada, e, se não tenho mais o relógio do estômago que me fazia enfrentar nas avenidas a poeira impiedosa dos automóveis felizes, tenho de subordinar as minhas atividades a certas injunções de ordem espiritual, a que não posso fugir.

Não rubriques o papel de que não tenho necessidade para te falar mais demoradamente ao coração.

Guarda o meu pensamento que, se vem do mundo das sombras, parte também do mundo da minha estima fraternal e de minha admiração.

Que o teu barco seja conduzido a melhores portos no domínio da cultura espiritual, de modo a valorizares, ainda mais, os teus valores intelectivos, são os votos de um irmão das letras, que, apesar de “morto” para o mundo, faz questão de viver com a lembrança de teu pensamento e de tua afeição.


Humberto de Campos
(Irmão X)




(Recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em 30 de Julho de 1939, na sede da União Espírita Mineira, em Belo Horizonte, Minas Gerais)



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