Hammed - Livro La Fontaine - Um Estudo do Comportamento Humano - Francisco do Espírito Santo Neto - Cap. 14
O Moleiro, O Menino e o Burro - Agradar a Gregos e Troianos
A gênese do insucesso é a "atitude de querer agradar a todos". Essa postura mental resulta da crença fundamentada na perfeição e pode nos levar diretamente à decepção, à adversidade e ao revés." - Hammed
"O MOLEIRO, O MENINO E O BURRO"
Na Grécia antiga, originou-se este apólogo contado por Malherbe, poeta invulgar, a Racan, também poeta, quando este lhe pediu sugestão sobre uma decisão a respeito da vida.
Perguntou Racan a quem deveria ele satisfazer: deveria ele satisfazer às suas vontades, satisfazer às vontades da corte ou às do povo?
Malherbe pensou um pouco e disse:
- Não sei se é prudente contentar toda a gente. Eis um conto que poderá ajudá-la a encontrar a resposta:
Um velho moleiro e seu filho, que já tinha os seus quinze anos, foram vender seu burro, um dia, no mercado.
O moleiro e seu filho levavam o animal e, a fim de não cansá-la e alcançarem bom preço, resolveram conduzi-lo, desde o começo, com as patas amarradas e presas num varal carregado pelos dois.
O primeiro que os viu quase morreu de rir.
O moleiro, então, colocou o animal no chão, mandou seu filho montar e continuou andando. Nisso, passaram três comerciantes e, horrorizados com a cena, comentaram:
- Onde já se viu? O rapaz, robusto, montado no burro, e o velho, a pé.
O moleiro, então, pediu que o filho descesse e cedesse o lugar para ele. Passaram três moças e uma delas disse:
- Que falta de vergonha! O marmanjo vai sentado como um rei e o pobre menino a pé.
O moleiro, embora soubesse que sua idade permitia que ele seguisse montado, colocou o filho na garupa e continuou o seu caminho.
Nem bem o burro deu trinta passos, passou um outro grupo e um deles comentou:
- Vocês não têm dó do seu animal doméstico? Como podem sobrecarregar assim o pobre burrico? Se vão vendê-lo na feira, ele vai chegar lá no puro osso!
- Por Deus - diz o moleiro -, sofre da moleira quem quer agradar a gregos e troianos!
E mais uma vez o moleiro procurou agradar ao caminhante. Os dois desceram do burro e seguiram pela estrada: o burro na frente e eles atrás. Alguém os viu e fez chacota:
- Dois burros andando, enquanto o outro trota!
Quem tem cão não precisa ir à caça com gato; quem tem burro não gasta a sola do sapato. Que queiram ir a pé é natural. Então, para que trazer o animal? Belo trio de burros!
Pensou o moleiro:
- Certamente, como um burro eu agi, mas daqui para frente farei como achar bom, sem escutar ninguém.
E assim ele fez. Quanto a vós, quer sigais Marte, o amor ou o rei.
Quer fiqueis na província ou sejais viajante,
Quer prefirais casar ou vos tornar abade;
Todos hão de falar, falar, falar...
"AGRADAR A GREGOS E TROIANOS"
O extraordinário filósofo e psicólogo William James escreveu: "Quando você precisa tomar uma decisão e não a toma, está tomando a decisão de nada fazer" .
Ele se fascinava mais com a atenção em si mesma do que com os objetos aos quais se presta atenção. Por isso, acreditamos que a forma mais apropriada de nos levar ao êxito é possuirmos uma predisposição interna firmada na frase: "Devo parar de escutar simplesmente o que as pessoas dizem; só presto atenção no porquê elas dizem".
As decisões bem-sucedidas têm como procedência as experiências adquiridas. E estas têm como raiz as decisões malsucedidas.
A gênese do insucesso é a "atitude de querer agradar a todos". Essa postura mental resulta da crença fundamentada na perfeição e pode nos levar diretamente à decepção, à adversidade e ao revés.
Os esquemas mentais dos que "querem agradar a todos" são "paradigmatizados", isto é, foram edificados em exemplos supostamente perfeitos, que devem moldar condutas e padrões impecáveis. Entretanto, são esses mesmos paradigmas que devem ser contestados, pois eles são suscetíveis a pontos de vista diferentes, juízos relativos e às mais diversas controvérsias.
Muitas pessoas passam várias horas do dia preocupadas em manter condutas uniformizadas, temerosas da reprovação ou pouco-caso dos outros. Improvisam situações e diálogos para atrair a aprovação alheia, e muitas, apesar de todo o desempenho e desgaste energético, nunca conseguem satisfazer a nada nem a ninguém.
É bem verdade que precisamos ser acolhidos pelo calor humano, pela estima das pessoas que respeitamos e pelo apreço dos que nos são importantes; caso contrário, nossa auto-estima corre sério perigo de desmoronar. Entretanto, precisamos lembrar que somos nós mesmos que criamos a "cor e o grau" de nossas lentes e, a partir daí, passamos a enxergar a realidade com a "tonalidade" ou com a "vista curta", ou melhor, com pouca ou nenhuma lucidez para perceber e entender os fatos e acontecimentos que nos rodeiam .
A estrutura mental das criaturas obstinadas em "fazer as coisas para agradar a tudo e a todos" caracteriza-se pelo dualismo e pelo culto à linearidade. Não percebem que ordem e desordem, construção e destruição, harmonia e desarmonia, convivem juntas e que a mesma criatura é amada e odiada. As cores escuras dão às claras um valor cromático, e assim sucessivamente.
Esses indivíduos buscam compreender a condição humana dividindo-a em dois princípios antagônicos, dessemelhantes e hierárquicos. Desejam racionalizar sentimentos e emoções, "eclesiastizar" a vida como se pudessem separá-la de tudo, codificando-a como se fosse uma instituição ou sistema, segundo a visão deles.
Viver de forma hierárquica é se conduzir acreditando que a existência humana funciona à base de uma escala de valores, de grandeza ou de importância, onde criações e criaturas devem se sujeitar uns aos outros.
O conservadorismo hierarquista (culto à hierarquia) mantém certas doutrinas elitistas que conceberam a existência de seres superiores e seres inferiores, e que os primeiros estão naturalmente destinados a mandar e os segundos, a obedecer. Pode significar mais especificamente graduação das diferentes categorias de membros de uma organização, instituição ou religião.
Quantas vezes os homens agem de modo semelhante ao do moleiro, imaginando que poderão satisfazer a todos e não se dando conta da impossibilidade de concretizarem tal façanha! A fábula ilustra um preceito que demonstra a necessidade de acreditarmos em nosso julgamento interno e que, independentemente do que façamos, sempre haverá alguém que discordará de nossa ação ou conduta.
Concluímos que cabe só a nós desenvolver a própria existência, vivenciando os acertos e desacertos que as experiências da vida nos oferecem como aprendizado, e determinar o que é melhor e correto para nossa vida.
CONCEITOS-CHAVE
A - HIERARQUIA
Do grego hieros (sagrado) + arquia (comando, autoridade). O mesmo que governo sagrado. O termo hierarquia eclesiástica designa, na religião católica, o suposto poder dado por Cristo aos apóstolos para formarem e governarem a Igreja. Atualmente, entende-se por hierarquia qualquer sistema onde a distribuição do poder é desigual, através de um sistema de graus ou linhas de comando em ordem de valores e importância (as pessoas não usufruem as mesmas vantagens, benefícios e direitos).
B - APROVAÇÃO
O ato de aprovar não significa simplesmente o de aplaudir as atitudes inadequadas ou condutas infelizes das pessoas; significa unicamente respeitá-las, aceitar a alteridade, a distinção, a natureza ou a condição do que elas são, sem viver desesperadamente uma existência inteira tentando modificá-las, custe o que custar. Ao aceitarmos as pessoas como são, e não como gostaríamos que fossem, deixamos de despender uma energia imensa para moldá-las ao nosso bel-prazer e, então, poderemos redirecionar essa mesma energia para discernirmos e compreendermos a alteridade que há em tudo. Agindo assim, vamos construir relacionamentos mais saudáveis e felizes.
C - COERÊNCIA EXISTENCIAL
É a habilidade de distinguir os valores éticos e estéticos para formar uma opinião pessoal não influenciada pela razão comum, preconceitos, egocentrismo e influências sociais. É a capacidade de não adotar como verdade absoluta o ponto de vista da maioria, e sim, construir o próprio julgamento sobre as coisas através da reflexão e avaliação de evidências. O pensador crítico levanta dúvidas sobre aquilo em que habitualmente se acredita e não aceita passivamente as idéias dos outros. Está habituado a fazer reflexões, por isso sabe que suas idéias não são fatos e que podem ser questionadas. Ele valoriza a lógica e a observação cuidadosa porque deseja compreender melhor a realidade.
MORAL DA HISTÓRIA:
Enfim, não se pode agradar a todos, mas uma coisa é certa: ao tomarmos decisões, ou recuamos diante da crítica e começamos tudo de novo, ou desobrigamo-nos abertamente da aprovação alheia e seguimos em frente, compreenda quem quiser compreender, doa a quem doer. É impossível contentar a todos. Se fizermos ou deixarmos de fazer, sempre existirá alguém que fará uso de ironia e de expressões de duplo sentido, ou seja, utilizará as "cantigas de escárnio e maldizer"! (As cantigas de escárnio e maldizer são um gênero de poesia da Idade Média. Fazem parte do período literário chamado Trovadorismo. A principal característica dessas cantigas é a crítica ou sátira dirigida a uma pessoa real que era alguém próximo ou do mesmo círculo social do trovador. Apresentam grande interesse histórico, pois são verdadeiros relatos dos costumes e vícios, principalmente da corte, mas também dos próprios jograis e menestréis), cujo objeto da sátira será sempre a pessoa que se queira difamar.
REFLEXÕES SOBRE ESTA FÁBULA E O EVANGELHO:
"( ... ) é preciso, numa palavra, colocar-se acima da Humanidade, para renunciar à satisfação que proporciona o testemunho dos homens e esperar a aprovação de Deus. Aquele que estima a aprovação dos homens mais do que a de Deus prova que tem mais fé nos homens do que em Deus ( .. .)" (ESE, cap. 13, Item 3, Boa Nova Editora)
"É, porventura, o favor dos homens que eu procuro, ou o de Deus? Por acaso tenho interesse em agradar aos homens? Se quisesse ainda agradar aos homens, não seria servo de Cristo." (Gálatas, 1: 1O.)
"Para nos instalarmos no mundo, fazemos o possível para nele parecermos bem instalados". La Rochefoucauld
Hammed
VÍDEO:
Fábulas de La Fontaine - Ep. 9 - Agradar a Gregos e Troianos
Apresentação: Larissa Chaves.
Com base na fábula "O moleiro, o menino e o burro". Narração: Júlia Mattos.
Estudo sob a ótica espírita com base na obra "La Fontaine um estudo do comportamento humano", de Hammed e psicografada por Francisco do Espírito Santo Neto.
Edição: Ricardo Valois
Apoio: Marina Valois
Música: Título: Rosalie's Waltz
Compositor: José da Vēde
Imagens:
Saiba mais em: http://www.boanova.net/produto/fabula...
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