terça-feira, 31 de agosto de 2021

André Luiz - Livro Missionários da Luz - Chico Xavier - Cap. 5 - Instrutor Alexandre - Influenciação




André Luiz - Livro Missionários da Luz - Chico Xavier - Cap. 5


Influenciação 


Notava, agora, a diferenciação do ambiente. Para nós outros, os desencarnados, a atmosfera interior impregnava-se de elementos balsâmicos, regeneradores. Cá fora, porém, o ar pesava. Acentuara-se-me, sobremaneira, a hipersensibilidade, diante das emanações grosseiras da rua. As lâmpadas elétricas semelhavam-se a globos pequeninos, de luz muito pobre, isolados em sombra espessa.

Aspirando as novas correntes de ar, observava a diferença indefinível. O oxigênio parecia tocado de magnetismo menos agradável.

Compreendi, uma vez mais, a sublimidade da oração e do serviço da Espiritualidade superior, na intimidade das criaturas.

A prece, a meditação elevada, o pensamento edificante, refundem a atmosfera, purificando-a.

O instrutor interrompeu-me as íntimas considerações, exclamando:

— A modificação, evidentemente, é inexprimível. Entre as vibrações harmoniosas da paisagem interior, iluminada pela oração, e a via pública, repleta de emanações inferiores, há diferenças singulares. O pensamento elevado santifica a atmosfera em torno e possui propriedades elétricas que o homem comum está longe de imaginar. A rua, no entanto, é avelhantado repositório de vibrações antagônicas, em meio de sombrios materiais psíquicos e perigosas bactérias de variada procedência, em vista de a maioria dos transeuntes lançar em circulação, incessantemente, não só as colônias imensas de micróbios diversos, mas também os maus pensamentos de toda ordem.

Enquanto ponderava o ensinamento ouvido, reparei que muitos agrupamentos de entidades infelizes e inquietas se postavam nas cercanias. Faziam-se ouvir, através das conversações mais interessantes e pitorescas; todavia, desarrazoadas e impróprias, nas menores expressões.

Alexandre indicou-me pequeno grupo de desencarnados, que me pareceram em desequilíbrio profundo, e falou:

— Aqueles amigos constituem a coorte quase permanente dos nossos companheiros encarnados, que voltam agora ao ninho doméstico.

— Quê? — indaguei involuntariamente.

— Sim — acrescentou o orientador cuidadoso —, os infelizes não têm permissão para ingressar aqui, em sessões especializadas, como a desta noite. Nas reuniões dedicadas à assistência geral, podem comparecer. Hoje, entretanto, necessitávamos socorrer os amigos para que o vampirismo de que são vítimas seja atenuado em suas consequências prejudiciais.

Impressionou-me a excelência de orientação. Tudo, naqueles trabalhos, obedecia à ordem preestabelecida. Tudo estava calculado, programado, previsto.

— Agora — prosseguiu Alexandre, bem humorado —, repare na saída de nossos colaboradores terrestres. Observe a maneira pela qual voltam, instintivamente, aos braços das entidades ignorantes que os exploram.

Fiquei atento. Dispunham-se todos a deixar o recinto, tranquilamente.

À porta, junto de nós, começaram as despedidas entre eles:

— Graças a Deus! — exclamou uma senhora de maneiras delicadas — fizemos nossas preces em paz, com imenso proveito.

— Como me sinto melhor! — comentou uma das amigas mais idosas — a sessão foi um alívio. Trazia o espírito sobrecarregado de preocupações, mas, agora, sinto-me reconfortada, feliz. Acredito que me retiraram pesadas nuvens do coração. Ouvindo as orações e partilhando as tentativa de desenvolvimento para o serviço ao próximo, grande é o socorro que recebemos! Ah! como Jesus é generoso.

Um cavalheiro de porte distinto adiantou-se, observando:

— O Espiritismo é o nosso conforto. Os compromissos que temos são muito grandes, diante da verdade. E não é sem razão que o Senhor nos colocou nas mãos as lâmpadas sublimes da fé. Em torno de nossos passos, choram os sofredores, desviam-se os ignorantes no extenso caminho do mal. Dos Céus chegam até nós ferramentas de trabalho. É necessário servir, intensamente, transformando-nos em colaboradores fiéis da Revelação Nova!

— Exatamente! — concordou uma das interlocutoras, comovida com a exortação — temos grandes obrigações, não devemos perder tempo. A doutrina confortadora dos Espíritos é o nosso tesouro de luz e consolação. Oh! meus amigos, como necessitamos trabalhar! Jesus chama-nos ao ser- viço, é imprescindível atender.

Reconhecendo os característicos de gratidão e louvor da palestra, expressei sincera admiração, exaltando a fidelidade dos cooperadores da casa. Demonstravam-se fervorosos na fé, confiantes no futuro e interessados na extensão dos benefícios divinos, considerando as dores e necessidades dos semelhantes.

Vendo-me as expressões encomiásticas, Alexandre observou, sorrindo:

— Não se impressione. O problema não é de entusiasmo e sim de esforço persistente. Não podemos dispensar as soluções vagarosas. Raros amigos conseguem guardar uniformidade de emoção e idealismo nas edificações espirituais. Vai para nove anos, com algumas interrupções, que me encontro em concurso ativo nesta casa e, mensalmente, vejo desfilar aqui as promessas novas e os votos de serviço. Ao primeiro embate com as necessidades reais do trabalho, reduzido número de companheiros permanece fiel à própria consciência. Nas horas calmas, grandes louvores. Nos momentos difíceis, disfarçadas deserções, a pretexto de incompreensão alheia. Sou forçado a dizer que, na maioria dos casos, nossos irmãos são prestativos e caridosos com o próximo, em se tratando das necessidades materiais, mas quase sempre continuam sendo menos bons para si mesmos, por se esquecerem de aplicação da luz evangélica à vida prática. Prometem excessivamente com as palavras; todavia, operam pouco no campo dos sentimentos. Com exceções, irritam-se ao primeiro contato com a luta mais áspera, após reafirmarem os mais sadios propósitos de renovação e, comumente, voltando cada semana ao núcleo de preces, estão nas mesmas condições, requisitando conforto e auxílio exterior. Não é com facilidade que cumprem a promessa de cooperação com o Cristo, em si próprios, base fundamental da verdadeira iluminação.

Porque Alexandre silenciara, observei atenciosamente os circunstantes. Ainda se achavam todos eles, os encarnados, irradiando alegria e paz, colhidas na rápida convivência com os benfeitores invisíveis. Da fronte de cada um, emanavam raios de espiritualidade surpreendente.

Num gesto significativo, o instrutor esclareceu:

— Eles ainda se encontram sob as irradiações do banho de luz a que se submeteram, através do serviço espiritual com a oração. Se conseguissem manter semelhante estado mental, pondo em prática as regras de perfeição que aprendem, comentam e ensinam, fácil lhes seria atingir positivamente o nível superior da vida; entretanto, André, como nós, que em outros tempos fomos inexperientes e frágeis, eles, agora, ainda o são também. Cada hábito menos digno, adquirido pela alma no curso incessante dos séculos, funciona qual entidade viva, no universo de sentimentos de cada um de nós, compelindo-nos às regiões perturbadas e oferecendo elementos de ligação com os infelizes que se encontram em nível inferior. Examine os nossos amigos encarnados, com bastante atenção.

Contemplei-os com interesse. Trocavam gentilmente as últimas saudações da noite, demonstrando luminosa felicidade.

— Acompanhemos o grupo, onde se encontra o nosso irmão mais fortemente atacado pelas inquietações do sexo — exclamou o orientador, proporcionando-me valiosa experiência.

O rapaz, em companhia de uma senhora idosa e de uma jovem, que logo percebi serem sua mãe e irmã, punha-se de regresso ao lar.

Movimentamo-nos, seguindo-os de perto.

Alguns metros, além do recinto, onde se reuniam os companheiros de luta, o ambiente geral da via pública tornava-se ainda mais pesado.

Três entidades de sombrio aspecto, absolutamente cegas para com a nossa presença, em vista do baixo padrão vibratório de suas percepções, acercaram-se do trio sob nossa observação.

Encostou-se uma delas à senhora idosa e, instantaneamente, reparei que a sua fronte se tornava opaca, estranhamente obscura. Seu semblante modificou-se. Desapareceu-lhe o júbilo irradiante, dando lugar aos sinais de preocupação forte. Transfigurara-se de maneira completa.

— Oh! meus filhos — exclamou a genitora, que parecia paciente e bondosa —, por que motivo somos tão diferentes no decurso do trabalho espiritual? quisera possuir, ao retirar-me de nossas orações coletivas, o mesmo bom ânimo, a mesma paz íntima. Isso, porém, não acontece. Ao retomar o caminho da luta prática, sinto que a essência das preleções evangélicas persevera dentro de mim, mas de modo vago, sem aquela nitidez dos primeiros minutos. Esforço-me sinceramente por manter a continuação do mesmo estado d'alma; entretanto, algo me falta, que não sei definir com precisão.

Nesse momento, as duas outras entidades, que ainda se mantinham distanciadas, agarraram-se comodamente aos braços do rapaz, que ofereceu aos meus olhos o mesmo fenômeno. Embaciou-se-lhe a claridade mental e duas rugas de aflição e desalento vincaram-lhe as faces, que perderam aquele halo de alegria luminosa e confiante. Foi então que ele respondeu, em voz pausada e triste:

— É verdade, mamãe. Enormes são as nossas imperfeições. Creia que a minha situação é pior. A senhora experimenta ansiedade, amargura, melancolia… É bem pouco para quem, como eu, se sente vítima dos maus pensamentos. Casei-me há menos de oito meses, e, não obstante o devotamento de minha esposa, tenho o coração, por vezes, repleto de tentações descabidas. Pergunto a mim mesmo a razão de tais ideias estranhas e, francamente, não posso responder. A invencível atração para os ambientes malignos confunde-me o espírito, que sinto inclinado ao bem e à retidão de proceder.

— Quem sabe, mano, está você sob a influenciação de entidades menos esclarecidas? — considerou a jovem, com boas maneiras.

— Sim — suspirou o rapaz —, por isso mesmo, venho tentando o desenvolvimento da mediunidade, a fim de localizar a causa de semelhante situação.

Nesse instante, o orientador murmurou, desveladamente:

— Ajudemos a este amigo através da conversação.

Sem perda de tempo, colocou a destra na fronte da menina, mantendo-a sob vigoroso influxo magnético e transmitindo-lhe suas ideias generosas. Reparei que aquela mão protetora, ao tocar os cabelos encaracolados da jovem, expedia luminosas chispas, somente perceptíveis ao meu olhar. A menina, a seu turno, pareceu mais nobre e mais digna em sua expressão quase infantil e respondeu firmemente:

— Neste caso, concordo em que o desenvolvimento mediúnico deve ser a última solução, porque antes de enfrentar os inimigos, filhos da ignorância, deveríamos armar o coração com a luz do amor e da sabedoria. Se você descobrisse perseguidores invisíveis, em torno de suas atividades, como beneficiá-los cristãmente, sem a necessária preparação espiritual? A reação educativa contra o mal é sempre um dever nosso, mas antes de cogitar dum desenvolvimento psíquico, que seria talvez prematuro, deveremos procurar a elevação de nossas ideias e sentimentos. Não poderíamos contar com uma boa mediunidade sem a consolidação dos nossos bons propósitos; e para sermos úteis, nos reinos do Espírito, cabe-nos aprender, em primeiro lugar, a viver espiritualmente, embora estejamos ainda na carne.

A resposta, que constituíra para mim valiosa surpresa, não provocou maior interesse em ambos os interlocutores, quase neutralizados pela atuação dos vampiros habituais.

Mãe e filho deixavam perceber funda contrariedade, em face das definições ouvidas. A palavra da menina, cheia de verdadeira luz, desconcertava-os.

— Não tem você bastante idade, minha filha — exclamou, contrafeita, a velha genitora —, não pode, pois, opinar neste assunto.

E como boa cultivadora de sofrimentos antigos, acentuou:

— Quando você atravessar os caminhos que meus pés já cruzaram, quando vierem as desilusões sem esperança, então observará como é difícil manter a paz e a luz no coração!

— E se algum dia — falou o rapaz, melancólico — experimentar as lutas que já conheço, verá que tenho motivos de queixa contra a sorte e que não me sobram outros recursos senão permanecer no círculo das indecisões que me assaltam. Faço quanto posso por desvencilhar-me das ideias sombrias e vivo a combater inesperadas tentações; no entanto, sinto-me longe da libertação espiritual necessária. Não me falta vontade, mas…

Alexandre, que havia retirado a destra de sobre a fronte da jovem, informou, atendendo-me à perplexidade:

— O amigo que se uniu à nossa irmã foi seu marido terrestre, homem que não desenvolveu as possibilidades espirituais e que viveu em tremendo egoísmo doméstico. Quanto aos dois infelizes, que se apegam tão fortemente ao rapaz, são dois companheiros, ignorantes e perturbados, que ele adquiriu em contato com o meretrício.

Diante do meu espanto, o instrutor prosseguiu, explicando:

— O ex-esposo não concebeu o matrimônio senão como união corporal para atender conveniências vulgares da experiência humana e, em vista de haver passado o tempo de aprendizado terreno sem ideais enobrecedores, interessado em fruir todas as gratificações dos sentidos, não se sente com bastante força para abandonar o círculo doméstico, onde a companheira, por sua vez, somente agora, depois da desencarnação dele, começa a preocupar-se com os problemas concernentes à vida espiritual. Quanto ao rapaz, de leviandade em leviandade, criou fortes laços com certas entidades ainda atoladas no pântano de sensações do meretrício, das quais se destacam, por mais perseverantes, as duas criaturas que ora se lhe agarram, quase que integralmente sintonizadas com o seu campo de magnetismo pessoal. O pobrezinho não se apercebeu dos perigos que o defrontavam, e tornou-se a presa inconsciente de afeiçoados que lhe são invisíveis, tão fracos e viciados quanto ele próprio.

 — E não haverá recurso para libertá-los? indaguei, emocionado.

O orientador sorriu paternalmente e considerou:

— Mas quem deverá romper as algemas, senão eles mesmos? Nunca lhes faltou o auxílio exterior de nossa amizade permanente; no entanto, eles próprios alimentam-se uns aos outros, no terreno das sensações sutis, absolutamente imponderáveis para os que lhes não possam sondar o mecanismo íntimo. É inegável que procuram, agora, os elementos de libertação. Aproximam-se da fonte de esclarecimento elevado, sentem-se cansados da situação e experimentam, efetivamente, o desejo de vida nova; contudo, esse desejo é mais dos lábios que do coração, por constituir aspiração muito vaga, quase nula. Se, de fato, cultivassem a resolução positiva, transformariam suas forças pessoais, tornando-as determinantes, no domínio da ação regeneradora. Esperam, porém, por milagres inadmissíveis e renunciam às energias próprias, únicas alavancas da realização.

— Mas não poderíamos provocar a retirada dos vampiros inconscientes? — perguntei.

— Os interessados — explicou Alexandre, a sorrir — forçariam, por sua vez, a volta deles. Já se fez a tentativa que você lembrou, no propósito de beneficiá-los de modo indireto, mas a nossa irmã se declarou demasiadamente saudosa do companheiro e o nosso amigo afirmou, intimamente, sentir-se menos homem, levando humildade à conta de covardia e tomando o desapego aos impulsos inferiores por tédio destruidor. Tanto expediram reclamações mentais que as suas atividades interiores constituíram verdadeiras invocações, e; em vista do vigoroso magnetismo do desejo constantemente alimentado, agregaram-se-lhes, de novo, os companheiros infelizes.

— Mas vivem assim imantados uns aos outros, em todos os lugares? — indaguei.

— Quase sempre. Satisfazem-se, mutuamente, na permuta contínua das emoções e impressões mais íntimas.

Preocupado em fazer algum bem, ponderei:

— Quem sabe poderíamos conduzir estas entidades ao devido fortalecimento? Não será razoável doutriná-las, incentivando-as ao equilíbrio e ao respeito próprio?

— Semelhante recurso — falou Alexandre, complacente — não foi esquecido. Essa providência vem sendo efetuada com a perseverança e o método precisos. Todavia, tratando-se de um caso em que os encarnados se converteram em poderosos ímãs de atração, a medida exige tempo e tolerância fraternal. Temos grande número de trabalhadores, consagrados a esse mister, em nosso Plano, e aguardamos que a semeadura de ensinamentos dê seus frutos. De qualquer modo, esteja convicto de que toda a assistência tem sido prestada aos amigos sob nossa observação. Se ainda não avançaram, todos eles, no terreno da espiritualidade elevada, isto só se verifica em razão da fraqueza e da ignorância a que vivem voluntariamente escravizados. Colhem o que semeiam.

Nesse instante, fixamos novamente a atenção na palestra que se desdobrava:

— Faço o que posso — repetia o rapaz, em desalento —, entretanto, não consigo obter a tranquilidade interior.

— Ocorre comigo o mesmo fato — observava a genitora, em tom triste. — Minhas únicas melhoras se verificam por ocasião de nossas preces coletivas. Em seguida, as piores emoções me assaltam o espírito. Vivo sem paz, sem apoio. Oh! meus filhos, é cruel rolar assim, pelo mundo, como náufrago sem orientação!

— Compreendo-a, mamãe — tornou o filho, como que satisfeito por alimentar as impressões nocivas que lhe ocupavam a mente —, compreendo-a, porque as tentações me transformam a vida num cipoal de sombras espessas. Não sei mais que fazer para resistir aos pensamentos amargos. Ai de nós, se o Espiritismo não houvesse chegado aos nossos destinos como sagrada fonte de sublimes consolações!

Nesse momento, Alexandre colocou novamente a destra sobre a fronte da jovem, que lhe traduziu o pensamento, em tom de respeito e carinho:

— Concordo em que o Espiritismo é nosso manancial de consolo, mas não posso esquecer que temos na Doutrina a bendita escola de preparação. Se permanecermos arraigados às exigências de conforto, talvez venhamos a olvidar as obrigações do trabalho. Creio que os instrutores da verdade espiritual desejam, antes de tudo, a nossa renovação íntima, para a vida superior. Se apenas buscarmos consolação, sem adquirir fortaleza, não passaremos de crianças espirituais. Se procurarmos a companhia de orientadores benevolentes, tão só para o gozo de vantagens pessoais, onde estará o aprendizado? acaso não permanecemos, aqui na Terra, em lição? Teríamos recebido o corpo, ao renascer, apenas para repousar? É incrível que os nossos amigos da Esfera superior nos venham suprimir a possibilidade de caminhar por nós mesmos, usando os próprios pés. Naturalmente, não nos querem os benfeitores do Além para eternos necessitados da casa de Deus e, sim, para companheiros dos gloriosos serviços do bem, tão generosos, fortes, sábios e felizes quanto eles já o são.

E modificando a inflexão de voz, desejosa de demonstrar a ternura filial que lhe vibrava n'alma, acentuou:

— Mamãe sabe como lhe quero bem, mas alguma coisa, no fundo da consciência, não me permite comentar as nossas necessidades senão assim, ajustando-me aos elevados ensinamentos que a Doutrina nos gravou no coração. Não posso compreender Cristianismo sem a nossa integração prática nos exemplos do Cristo.

Em virtude de o instrutor haver interrompido a operação magnética e porque me encontrasse perplexo ante a facilidade com que a menina lhe recebia os pensamentos, quando observara tanta complexidade nos serviços de psicografia, expus ao orientador amigo as indagações que me assaltavam o espírito.

Sem titubear, Alexandre explicou:

— Aqui, André, observa você o trabalho simples da transmissão mental e não pode esquecer que o intercâmbio do pensamento é movimento livre no Universo. Desencarnados e encarnados, em todos os setores de atividade terrestre, vivem na mais ampla permuta de ideias. Cada mente é um verdadeiro mundo de emissão e recepção e cada qual atrai os que se lhe assemelham. Os tristes agradam aos tristes, os ignorantes se reúnem, os criminosos comungam na mesma esfera, os bons estabelecem laços recíprocos de trabalho e realização. Aqui temos o fenômeno intuitivo, que, com maior ou menor intensidade, é comum a todas as criaturas, não só no plano construtivo, mas também no círculo de expressões menos elevadas. Temos, sob nossos olhos, uma velha irmã e seu filho maior completamente ambientados na exploração inferior de amigos desencarnados, presas de ignorância e enfermidade, estabelecendo perfeito comércio de vibrações inferiores. Falam sob a determinação direta dos vampiros infelizes, transformados em hóspedes efetivos do continente de suas possibilidades fisicopsíquicas. Permanece também sob nossa análise uma jovem que, presentemente, atingiu dezesseis anos de nova existência terrestre. Suas disposições, contudo; são bastante diversas. Ela consegue receber nossos pensamentos e traduzi-los em linguagem edificante. Não está propriamente em serviço técnico da mediunidade, mas no abençoado trabalho de espiritualização.

E indicando a mocinha, cercada de maravilhoso halo de luz, acrescentou:

— Conserva, ainda, o seu vaso orgânico na mesma pureza com que o recebeu dos benfeitores que lhe prepararam a presente reencarnação. Ainda não foi conduzida ao plano de emoções mais fortes, e as suas possibilidades de recepção, no domínio intuitivo, conservam-se claras e maleáveis. Suas células ainda se encontram absolutamente livres de influências tóxicas; seus órgãos vocais, por enquanto, não foram viciados pela maledicência, pela revolta, pela hipocrisia; seus centros de sensibilidade não sofreram desvios, até agora; seu sistema nervoso goza de harmonia invejável, e o seu coração, envolvido em bons sentimentos, comunga com a beleza das verdades eternas, através da crença sincera e consoladora. E, além disso, não tendo débitos muito graves do pretérito, condição que a isenta do contato com as entidades perversas que se movimentam na sombra, pode refletir com exatidão os nossos pensamentos mais íntimos. Vivendo muito mais pelo espírito, nas atuais condições em que se encontra, basta a permuta magnética para que nos traduza as ideias essenciais.

— Isto significa — perguntei — que esta jovem é bastante pura e que continuará com semelhantes facilidades, em toda a existência?

Alexandre sorriu e observou:

— Não tanto. Ela ainda conserva os benefícios que trouxe do Plano espiritual e as cartas da felicidade ainda permanecem nas suas mãos para extrair as melhores vantagens no jogo da vida, mas dependerá dela o ganhar ou perder, futuramente. A consciência é livre.

— Então — continuei perguntando — não seria difícil prepararem-se todas as criaturas para receberem a influenciação superior?

— De modo algum — esclareceu ele — todas as almas retas, dentro do espírito de serviço e de equilíbrio, podem comungar perfeitamente com os mensageiros divinos e receber-lhes os programas de trabalho e iluminação, independentemente da técnica do mediunismo que, presentemente, se desenvolve no mundo. Não há privilegiados na Criação. Existem, sim, os trabalhadores fiéis, compensados com justiça, seja onde for.

Fortemente emocionado com as observações ouvidas, senti que o meu pensamento se perdia num mar de novas e abençoadas ilações.


André Luiz




VÍDEO:

Missionários da Luz - Cap. 05 - Influenciação
O Espírito da Letra

Apresentação: André Luiz Ruiz





O Espírito da Letra - Missionários da Luz - Analisando a obra de André Luiz psicografia de Chico Xavier. 

Produção - TV Alvorada Espírita - http://www.tvalvoradaespirita.com.br 

Realização - TV Mundo Maior - http://www.tvmundomaior.com.br



André Luiz - Livro No Mundo Maior - Chico Xavier - Cap. 9 - Mediunidade




André Luiz - Livro No Mundo Maior - Chico Xavier - Cap. 9


Mediunidade


Sobremodo interessado no expressivo caso de Marcelo, apresentei a Calderaro, no dia seguinte, certas questões que fortemente me preocupavam.

Os reflexos condicionados não se aplicariam, igualmente, a diversos fenômenos medianímicos? Não elucidavam as mistificações inconscientes que, muita vez, perturbam os círculos dos experimentadores encarnados?

Alguns estudiosos do Espiritismo, devotados e honestos, reconhecendo os escolhos do campo do mediunismo, criaram a hipótese do fantasma anímico do próprio medianeiro, o qual agiria em lugar das entidades desencarnadas. Seria essa teoria adequada ao caso vertente? 

Sob a evocação de certas imagens, o pensamento do médium não se tornaria sujeito a determinadas associações, interferindo automaticamente no intercâmbio entre os homens da Terra e os habitantes do Além? 

Tais intervenções, em muitos casos, poderiam provocar desequilíbrios intensos. Ponderando observações ouvidas nos últimos tempos, em vários centros de cultura espiritualista, com referência ao assunto, inquiria de mim mesmo se o problema oferecia relações com os mesmos princípios de Pavlov.

O instrutor ouviu-me, paciente, até ao fim de minhas considerações, e respondeu, benévolo:

— A consulta exige meditação mais acurada. A tese animista é respeitável. Partiu de investigadores conscienciosos e sinceros, e nasceu para coibir os prováveis abusos da imaginação; entretanto, vem sendo usada cruelmente pela maioria dos nossos colaboradores encarnados, que fazem dela um órgão inquisitorial, quando deveriam aproveitá-la como elemento educativo, na ação fraterna. 

Milhares de companheiros fogem ao trabalho, amedrontados, recuam ante os percalços da iniciação mediúnica, porque o animismo se converteu em Cérbero. Afirmações sérias e edificantes, tornadas em opressivo sistema, impedem a passagem dos candidatos ao serviço pela gradação natural do aprendizado e da aplicação. Reclama-se deles precisão absoluta, olvidando-se lições elementares da natureza. 

Recolhidos ao castelo teórico, inúmeros amigos nossos, em se reunindo para o elevado serviço de intercâmbio com a nossa Esfera, não aceitam comumente os servidores, que hão-de crescer e de aperfeiçoar-se com o tempo e com o esforço. Exigem meros aparelhos de comunicação, como se a luz espiritual se transmitisse da mesma sorte que a luz elétrica por uma lâmpada vulgar. 

Nenhuma árvore nasce produzindo, e qualquer faculdade nobre requer burilamento. A mediunidade tem, pois sua evolução, seu campo, sua rota. Não é possível laurear o estudante no curso superior, sem que ele tenha tido suficiente aplicação nos cursos preparatórios, através de alguns anos de luta, de esforço, de disciplina. 

Daí, André, nossa legítima preocupação em face da tese animista, que pretende enfeixar toda a responsabilidade do trabalho espiritual numa cabeça única, isto é, a do instrumento mediúnico. 

Precisamos de apelos mais altos, que animem os cooperadores incipientes, proporcionando-lhes mais vastos recursos de conhecimento na estrada por eles mesmos perlustrada, a fim de que a espiritualidade santificante penetre os fenômenos e estudos atinentes ao espírito.

Fez pequeno intervalo que não ousei interromper, fascinado pela elevação dos conceitos ouvidos, e continuou:

— Vamos à tua sugestão. Os reflexos condicionados enquadram-se, efetivamente, no assunto; no entanto, cumpre-nos investigar domínio de mais graves apreciações. 

Os animais de Pavlov demonstravam capacidade mnemônica; memorizavam fatos por associações mentais espontâneas. Isto quer dizer que mobilizavam matéria sutil, independente do corpo denso; que jogavam com forças mentais em seu aparelhamento de impulsos primitivos. 

Se as “consciências fragmentárias” do experimento eram capazes de usar essa energia, provocando a repetição de determinados fenômenos no cosmo celular, que prodígios não realizará a mente de um homem, cedendo, não a meros reflexos condicionados, mas a emissões de outra mente em sintonia com a dele? Dentro de tais princípios, é imperioso que o intermediário cresça em valor próprio. 

Ocorrências extraordinárias e desconhecidas ocupam a vida em todos os recantos, mas a elevação condiciona fervorosa procura. Ninguém receberá as bênçãos da colheita, sem o suor da sementeira. Lamentavelmente, porém, a maior parte de nossos amigos parece desconhecerem tais imposições de trabalho e de cooperação: exigem faculdades completas. 

O instrumento mediúnico é automaticamente desclassificado se não tem a felicidade de exibir absoluta harmonia com os desencarnados, no campo tríplice das forças mentais, perispirituais e fisiológicas. Compreendes a dificuldade?

Sim, começava a entender. As elucidações, todavia, eram demasiado fascinantes para que me abalançasse a qualquer apontamento; guardei, por isto, a continuação das definições, na postura de humilde aprendiz.

O Assistente percebeu minha íntima atitude e continuou:

— Buscando símbolo mais singelo, figuremos o médium como sendo uma ponte a ligar duas Esferas, entre as quais se estabeleceu aparente solução de continuidade, em virtude da diferenciação da matéria no campo vibratório. 

Para ser instrumento relativamente exato, é-lhe imprescindível haver aprendido a ceder, e nem todos os artífices da oficina mediúnica realizam, a breve trecho, tal aquisição, que reclama devoção à felicidade do próximo, elevada compreensão do bem coletivo, avançado espírito de concurso fraterno e de serena superioridade nos atritos com a opinião alheia. 

Para conseguir edificação dessa natureza, faz-se mister o refúgio frequente à “moradia dos princípios superiores”. A mente do servidor há-de fixar-se nas zonas mais altas do ser, onde aprenderá o valor das concepções sublimes, renovando-se e quintessenciando-se para constituir elemento padrão dos que lhe seguem a trajetória. 

O homem, para auxiliar o presente, é obrigado a viver no futuro da raça. A vanguarda impõe-lhe a soledade e a incompreensão, por vezes dolorosas; todavia, essa condição representa artigo da Lei que nos estatui adquirir para podermos dar. Ninguém pode ensinar caminhos que não haja percorrido. 

Nasce daí, em se tratando da mediunidade edificante, a necessidade de fixação das energias instrumentais no santuário mais alto da personalidade. 

Fenômenos — não lhes importa a natureza — é forçoso reconhecer que assediam a criatura em toda parte. A Ciência legítima é a conquista gradual das forças e operações da Natureza, que se mantinham ocultas à nossa acanhada apreensão. 

E como somos filhos do Deus Revelador, infinito em grandeza, é de esperar tenhamos sempre à frente ilimitados campos de observação, cujas portas se abrirão ao nosso desejo de conhecimento, à maneira que gradeçam nossos títulos meritórios. 

Por isto, André, consideramos que a mediunidade mais estável e mais bela começa, entre os homens, no império da intuição pura. 

Moisés desempenhou sua tarefa, compelido pelas expressões fenomênicas que o cercavam; recebe, sob incoercível comoção, os sublimes princípios do Decálogo, sentindo defrontar-se com figuras e vozes materializadas do Plano espiritual; entretanto, ao mesmo tempo que transmite o “não matarás”, não parece muito inclinado ao inquebrantável respeito pela vida alheia; sua doutrina, venerável embora, baseia-se no exclusivismo e no temor. 

Com Jesus, o aspecto da mediunidade é diferente. Mantém-se o Mestre em permanente contato com o Pai, através da própria consciência, do próprio coração; transmite aos homens a Revelação Divina, vivendo-a em si mesmo; não reclama justiça, nem pede compreensão imediata; ama as criaturas e serve-as, mantendo-se unido a Deus. Em razão disto, a Boa-Nova é mensagem de confiança e de amor universal.

Vemos, pois, dois tipos de medianeiros do próprio Céu, eminentemente diversos, mostrando qual o padrão desejável. 

No mediunismo comum, portanto, o colaborador servirá com a matéria mental que lhe é própria, sofrendo-lhe as imprecisões naturais diante da investigação terrestre; e, após adaptar-se aos imperativos mais nobres da renúncia pessoal, edificará, não de improviso, mas à custa de trabalho incessante, o templo interior de serviço, no qual reconhecerá a superioridade do programa divino acima de seus caprichos humanos. 

Atingida essa realização, estará preparado para sintonizar-se com o maior número de desencarnados e encarnados, oferecendo-lhes, como a ponte benfeitora, oportunidade de se encontrarem uns com os outros, na posição evolutiva em que permaneçam, através de entendimentos construtivos. 

Devo dizer-te que não cogitamos aqui de faculdades acidentais, que aparecem e desaparecem entre candidatos ao serviço, sem espírito de ordem e de disciplina, verdadeiros balões de ensaio para os voos do porvir; referimo-nos à mediunidade aceita pelo cooperador e mobilizável em qualquer situação para o bem geral. 

Comentando atividades e tarefas, devemos salientar os padrões que lhes digam respeito, e este é o característico da instrumentalidade espiritual nas Esferas superiores. Logicamente, é impossível alcançá-lo de vez; toda obra impõe começo.

Como revelasse nos olhos a indomável comoção que se apossara de mim ante os conceitos ouvidos, o Assistente modificou a inflexão da voz e tranquilizou-me:

— Reportando-nos ainda ao Cristo, importa-nos reconhecer que o Mestre viveu insulado no “monte divino da consciência”, abrindo caminho aos vales humanos. 

Claro está que nenhum de nós abriga a pretensão de copiar Jesus; contudo, precisamos inspirar-nos em suas lições. 

Há milhões de seres humanos, encarnados e desencarnados, de mente fixa na região menos elevada dos impulsos inferiores, absorvidos pelas paixões instintivas, pelos remanescentes do pretérito envilecido, presos aos reflexos condicionados das comoções perturbadoras a que, inermes, se entregaram; outros tantos mantêm-se, jungidos à carne e fora dela, na atividade desordenada, em manifestações afetivas sem rumo no apego desvairado à forma que passou ou à situação que não mais se justifica; outros, ainda, param na posição beata do misticismo religioso exclusivo, sem realizações pessoais no setor da experiência e do mérito, que os integre no quadro da lídima elevação. 

Subtraído o corpo físico, a situação prossegue quase sempre inalterada, para o organismo perispirítico, fruto do trabalho paciente e da longa evolução. Esse organismo, constituído, embora, de elementos mais plásticos e sutis, ainda é edifício material de retenção da consciência. 

Muita gente, no Plano da Crosta Planetária, conjetura que o Céu nos revista de túnica angelical, logo que baixado o corpo ao sepulcro. Isto, porém, é grave erro no terreno da expectativa.

Naturalmente, não nos referimos, nestas considerações, a Espíritos da estofa de um Francisco de Assis, nem a criaturas extremamente perversas, uns e outros não cabíveis em nosso quadro: o zênite e o nadir da evolução terrestre não entram em nossas cogitações; falamos de pessoas vulgares, quais nós mesmos, que nos vamos em jornada progressiva, mais ou menos normal, para concluir que: tal o estado mental que alimentamos, tais as inteligências, desencarnadas ou encarnadas, que atraímos, e das quais nos fazemos instrumentos naturais, embora de modo indireto. 

E a realidade, meu amigo, é que todos nós, que nos contamos por centenas de milhões, não prescindimos de medianeiros iluminados, aptos a colocar-nos em comunicação com as fontes do Suprimento Superior.

Necessitamos do auxílio de Mais Alto, requeremos o concurso dos benfeitores que demoram acima de nossas paragens. Para isto, há que organizar recursos de receptividade. 

Nossa mente sofre sede de luz, como o organismo terreno tem fome de pão. Amor e sabedoria são substâncias divinas que nos mantêm a vitalidade.

O instrutor fez breve interrupção e acrescentou:

— Compreendes agora a importância da mediunidade, isto é, da elevação de nossas qualidades receptivas para alcançarem a necessária sintonia com os mananciais da vida superior?

Sim, respondi, entendera-lhe as observações, ponderando-lhes a magnitude.

— Não é serviço que possamos organizar da periferia para o centro, — prosseguiu Calderaro, — e sim do interior para o exterior. O homem encarnado, quase sempre empolgado pelo sono da ilusão, poderá começar pelo fenômeno; à maneira, porém, que desperte as energias mais profundas da consciência, sentirá a necessidade do reajustamento e regressará à causa de modo a aperfeiçoar os efeitos. Obra de construção, de tempo, de paciência…

Chegados a essa altura da conversação, o orientador convidou-me ao serviço de assistência a dedicada senhora, médium em processo de formação, que lhe vinha recebendo socorro para prosseguir na tarefa, com a fortaleza e serenidade indispensáveis.

Propiciando-me o feliz ensejo, meu gentil interlocutor concluiu:

— O caso é oportuno. Observarás comigo os obstáculos criados pela tese animista.

Marcava o relógio precisamente vinte horas, quando penetramos confortável recinto. Várias entidades de nosso Plano ali se moviam, ao lado de onze companheiros reunidos em sessão íntima, consagrada ao serviço da oração e do desenvolvimento psíquico. Logo à entrada, recebeu-nos atencioso colega, a quem fui apresentado com sincera satisfação.

Recebi dele, de início, informações condensadas que anotei, contente. Fora igualmente médico. Deixara a experiência física antes de concretizar velhos planos de assistência fraternal aos seus inumeráveis doentes pobres. Guardava o júbilo de uma consciência tranquila, zelara o bem geral quanto lhe fora possível; contudo, entrevendo a probabilidade de algo fazer além-túmulo, recebera permissão para cooperar naquele reduzido grupo de amigos, com o objetivo de efetuar certo plano de socorro aos enfermos desamparados. 

O intercâmbio com os desencarnados não poderia transformar os homens em anjos de um dia para outro, mas poderia ajudá-los a ser criaturas melhores. Impossível seria instalar o paraíso na Crosta do mundo em algumas semanas; entretanto, era lícito cooperar no aprimoramento da sociedade terrestre, incentivando-se a prática do bem e a devoção à fraternidade. Para esse fim, ali permanecia, interessado em contribuir na proteção aos doentes menos aquinhoados.

Acompanhando-lhe os argumentos com admiração, mantive-me silencioso, mas Calderaro indagou, cortês, após inteirar-se das ocorrências:

— E como vai no desenvolvimento de seus elevados propósitos?

— Dificilmente, — informou o interpelado; — os recursos de comunicação ao meu alcance ainda não são de molde a inspirar confiança à maioria dos companheiros encarnados. A bem dizer, não me interessa comparecer aqui, de nome aureolado por terminologia clássica, e nem me abalançaria a oferecer teses novas, concorrendo com o mundo médico. Guia-me, agora, tão somente o sadio desejo de praticar o bem. Entretanto…

— Ainda não lhe ouviram os apelos, por intermédio de Eulália? — Perguntou o meu instrutor.

— Não; por enquanto, não. Sempre a mesma suspeita de animismo, de mistificação inconsciente… Ia a palestra a meio, quando o diretor espiritual da casa convidou o colega a experimentar. Chegara o minuto aprazado. Poderia acercar-se da médium.

Aproximamo-nos do grupo de amigos, imersos em profunda concentração.

Enquanto o novo conhecido se abeirava de uma senhora de porte distinto, certamente ensaiando a transmissão da mensagem que desejava passar à Esfera carnal, Calderaro observou-me:

— Repara o conjunto. Já fiz meus apontamentos. Com exceção de três pessoas, os demais, em número de oito, guardam atitude favorável. Todos esses se encontram na posição de médiuns, pela passividade que demonstram. 

Analisa a irmã Eulália e reconhecerás que o estado receptivo mais adiantado lhe pertence; dos oito cooperadores prováveis, é a que mais se aproxima do tipo necessário. 

No entanto, o nosso amigo médico não encontra em sua organização psicofísica elementos afins perfeitos: nossa colaboradora não se liga a ele através de todos os seus centros perispirituais; não é capaz de elevar-se à mesma frequência de vibração em que se acha o comunicante; não possui suficiente “espaço interior” para comungar-lhe as ideias e conhecimentos; não lhe absorve o entusiasmo total pela Ciência, por ainda não trazer de outras existências, nem haver construído, na experiência atual, as necessárias teclas evolucionárias, que só o trabalho sentido e vivido lhe pode conferir. 

Eulália manifesta, contudo, um grande poder — o da boa vontade criadora, sem o qual é impossível o início da ascensão às zonas mais altas da vida. É a porta mais importante, pela qual se entenderá com o médico desencarnado. 

Este, a seu turno, para realizar o nobre desejo que o anima, vê-se compelido, em face das circunstâncias, a pôr de lado a nomenclatura oficial, a técnica científica, o patrimônio de palavras que lhe é peculiar, as definições novas, a ficha de renome, que lhe coroa a memória nos círculos dos conhecidos e dos clientes. 

Poderá identificar-se com Eulália para a mensagem precisa, usando também, a seu turno, a boa vontade; e, adotando esta forma de comunicação, valer-se-á, acima de tudo, da comunhão mental, reduzindo ao mínimo a influência sobre os centros neuropsíquicos; é que, em matéria de mediunismo, há tipos idênticos de faculdades, mas enormes desigualdade nos graus de capacidade receptiva, os quais variam infinitamente, como as pessoas.

O instrutor silenciou por momentos e prosseguiu:

— Não nos esqueça que formamos agora uma equipe de trabalhadores em ação experimental. Nem o provável comunicante chegou a concretizar as bases de seu projeto, nem a médium conseguiu ainda suficiente clareza e permeabilidade para cooperar com ele.

Num terreno de atividades definidas, neste particular, poderíamos agir à vontade; aqui, não: nosso procedimento deve ser de neutralidade mental, não de interferência. 

Compreendendo, pois, que todos os recursos cumpre serem aproveitados no êxito da louvável edificação, nenhum de nós intervirá, perturbando ou consumindo tempo. 

É-nos facultado permutar ideias, analisar a ocorrência, mas com absoluta isenção de ânimo. O momento pertence ao comunicante, que não dispõe de aparelhamento mais perfeito para a transmissão.

Nesse instante, indicou-me o colega que, de pé, junto de Eulália, mantinha a mente iluminada e vibrante num admirável esforço por derruir a natural muralha, entre a nossa Esfera e o campo de matéria densa.

— Anota as particularidades do serviço, — disse-me Calderaro, com significativa inflexão de voz; — todos os companheiros em posição receptiva estão absorvendo a emissão mental do comunicante, cada qual a seu modo. Repara calmamente.

Circulei a mesa e vi que os raios de força positiva do mensageiro efetivamente incidiam em oito pessoas. Reconheci que o tema central do desejo formulado por nosso amigo, no tocante ao projeto de assistência aos enfermos, alcançava o cérebro dos que se conservavam em atitude passiva; na tela animada de concentração de energias mentais, cada irmão recebia o influxo sugestivo, que de logo lhes provocava a livre associação dos psicanalistas.

Fixei as particularidades com atenção.

Ao receberem a emissão de forças do trabalhador do bem, um cavalheiro recordou comovente paisagem de hospital; outro rememorou o exemplo de uma enfermeira bondosa que com ele travara relações; outro abrigou pensamentos de simpatia para com os doentes desamparados; duas senhoras se lembraram da caridosa missão de Vicente de Paulo; a uma velhinha acudiu a ideia de visitar algumas pessoas acamadas que lhe eram queridas; um jovem reportou-se, em silêncio, a notáveis páginas que lera sobre piedade fraternal para com todos os semelhantes afastados do equilíbrio físico.

Examinei também as três pessoas que se mantinham impermeáveis ao serviço benemérito daquela hora. Duas delas contristavam-se por haver perdido uma sessão cinematográfica, e a outra, uma senhora na idade provecta, retinha a mente na lembrança das ocupações domésticas, que supunha imperiosas e inadiáveis, mesmo ali, num círculo de oração, onde devera beneficiar-se com a paz.

Somente Eulália recebia o apelo do comunicante com mais nitidez. Sentia-se ao seu lado: envolvia-se em seus pensamentos; possuía-se, não só de receptividade, mas também de boa disposição para servi-lo.

Decorridos alguns minutos de expectativa e de preparo silencioso, a mão da médium, orientada pelo médico e movida em cooperação com os estímulos psicofísicos da intermediária, começou a escrever, em caracteres irregulares, denunciando o natural conflito de “dois cosmos psíquicos” diferentes, mas empenhados num só objetivo — a produção de uma obra elevada.

Acompanhei a cena com interesse.

Mais alguns momentos, e fazia-se a leitura do pequeno texto obtido.

O comunicado era vazado em forma singela, como um apelo fraternal.

“Meus irmãos, — escrevera o emissário, — que Deus nos abençoe.

“Identificados na construção do bem, trabalhemos na assistência aos enfermos, necessitados de nosso concurso entre os longos sofrimentos da provação terrestre. O serviço pertence à boa vontade unida à fé viva. E a sementeira reclama trabalhadores abnegados, que ignorem cansaço, tristeza e desânimo.

“Sigamos para a frente.

“Cada pequenina demonstração de esforço próprio, nas realizações da caridade, receberá do Senhor a Divina Bênção.

“Aprendamos, pois, a socorrer nossos amigos doentes. Através de espessa noite de dor, sofrem e choram, muita vez em pleno abandono.

“Não vos magoará a contemplação de tal quadro? Lembremo-nos d’Aquele Divino Médico que passou, no mundo, fazendo o bem. D’Ele receberemos a força necessária para progredir. Estará conosco na grande jornada de comiseração pelos que padecem.

“Fiamos em vós, em vossa dedicação à causa da bondade evangélica..

“A estrada será talvez difícil e fragosa; entretanto, o Senhor permanecerá conosco.

“Prossigamos, intimoratos, e que Ele nos abençoe agora e sempre.”

O comunicante assinou o nome, e, daí a alguns minutos, encerravam-se os serviços espirituais da noite.

O presidente da sessão, seguido pelos demais companheiros, iniciou o estudo e debate da mensagem. Concordou-se em que era edificante na essência, mas não apresentava índices concludentes da identificação individual; não procedia, possivelmente, do conhecido profissional que a subscrevera; faltavam-lhe os característicos especiais, pois um médico usaria nomenclatura adequada, e se afastaria da craveira comum.

E a tese animista apareceu como tábua de salvação para todos. Transferiu-se a conversação para complicadas referências ao mundo europeu; falou-se extensamente de Richet e do metapsiquismo internacional; Pierre Janet, Charcot, De Rochas e Aksakof eram a cada passo trazidos à balha.

O comunicante, em nosso Plano de ação, dirigiu-se, desapontado, ao meu orientador e comentou:

— Ora essa! Jamais desejei despertar semelhante polêmica doméstica. Pretendemos algo diferente. Bastar-nos-ia um pouco de amor pelos enfermos, nada mais.

Calderaro sorriu, sem dizer palavra, e evidenciando preocupação em objetivo mais importante, acercou-se de Eulália, entristecida.

A médium ouvia as definições preciosas com irrefreável amargura.

Turvara-se-lhe a mente, agora, empanada por densos véus de dúvida. A argumentação em curso nublava-lhe o entendimento. Marejavam-se-lhe os olhos de lágrimas, que não chegavam a cair.

Abeirando-se dela, o instrutor falou-me, bondoso:

— Nossos amigos encarnados nem sempre examinam as situações pelo prisma da justiça real. Eulália é colaboradora preciosa e sincera. Se ainda não completou as aquisições culturais no campo científico, é suficientemente rica de amor para contribuir à sementeira de luz. Encontra-se, porém, desabrigada, entre os companheiros invigilantes. Permanece sozinha e, assediada como está, é suscetível de abater-se. Auxiliemo-la sem detença.

A destra do Assistente espalmada sobre a cabeça de nossa respeitável irmã expendia brilhantes raios, que lhe desciam do encéfalo ao tórax, qual fluxo renovador.

A médium, que antes parecia torturada, sopitando a custo a natural reação às opiniões que ouvia, voltou à serenidade. Caiu-lhe a máscara de descontentamento, dissipou-se-lhe a tristeza destrutiva; os centros perispiríticos tornaram à normalidade; a epífise irradiou branda luz. As nuvens de mágoa, que se lhe esboçavam na mente, esfumaram-se como por encanto. Em suma, amparada pela atuação direta do meu orientador, Eulália sabia dos percalços do trabalho e mergulhava-se gradativamente no ameno clima da compreensão.

Restabelecendo-lhe a tranquilidade, o instrutor, em seguida, conservou as mãos apoiadas aos lobos frontais, agindo-lhe sobre as fibras inibidoras. Observei, então, nova mudança. A mente da médium, como que se introvertia, desinteressando-se da conversação em torno e ficando mais atenta ao nosso campo de ação. O contato benéfico do Assistente cortava-lhe, de modo imperceptível para ela, o interesse pelas referências sem proveito, convocando-a a mais íntimo intercâmbio conosco.

Com ternura paternal, Calderaro, conservando as mãos na mesma postura, inclinou-se-lhe aos ouvidos e falou carinhosamente:

— “Eulália, não desanimes! A fé representa a força que sustenta o Espírito na vanguarda do combate pela vitória da luz divina e do amor universal. Nossos amigos não te acusam, nem te ferem: tão somente dormem na ilusão e sonham, apartados da verdade; exculpa-os pelas futilidades do momento. Mais tarde eles despertarão para o esforço de espalhar-se o bem… Investigam com os olhos a superfície das coisas, mas seus ouvidos ainda não escutaram o sublime apelo à redenção. Sigamos para a frente. Estaremos contigo na tarefa diária. É necessário amar e perdoar sempre, esquecendo o dia obscuro, a fim de alcançar os milênios luminosos. Não desfaleças! O Eterno Pai te abençoará.”

Reparei que Eulália não registrava aquelas palavras com os tímpanos de carne. Encheram-se-lhe os lobos frontais de intensa luz. As frases comovedoras do instrutor represaram-se-lhe no cérebro e no coração, quais pensamentos sublimes que lhe caíam do Céu, saturados de calor reconfortante e bendito.

— Sim, — respondia, do fundo d'alma, a devotada colaboradora, embora os lábios se lhe cerrassem no incompreendido silêncio, — trabalharia até ao fim, consciente de que o serviço da verdade pertence ao Senhor, e não aos homens. 

Olvidaria todos os golpes. Receberia as objeções dos outros, transformando-as em auxílios. Converteria as opiniões desanimadoras em motivos de energia nova. Dar-se-ia pressa em reconhecer os próprios defeitos, sempre que fossem indigitados pela franqueza de alguém, rendendo graças pela oportunidade de corrigi-los, quanto possível. 

Caminharia para a frente. Ser-lhe-ia a mediunidade um campo de trabalho, onde aperfeiçoaria os sentimentos que nutria, sem cogitar dos utensílios para servi-la: que lhe importavam, com efeito, as dificuldades psicográficas, se lhe pulsava um coração disposto a amar? 

Sim, ouviria as sugestões do bem, antes de tudo. Seria fiel a Deus e a si mesma. Se os companheiros humanos não a pudessem entender, não lhe restava o conforto de ser compreendida pelos amigos da vida espiritual? Ao termo da experiência terrestre, haveria suficiente luz para todos. Cumpria-lhe crer, trabalhar, amar e esperar no Divino Senhor.

O Assistente retirou as mãos, deixando-a livre e, reaproximando-se de mim, asseverou:

— Nossa irmã foi auxiliada e está bem, louvado seja Deus!

Observando os lobos frontais da médium, tão revestidos de luminosidade, fiz sentir a Calderaro minha admiração.

O instrutor amigo, não se esquivando a novos esclarecimentos, informou:

— Eulália, neste instante, fixa-se mentalmente na região mais alta que lhe é possível. Recolhe-se, calma, no santuário mais íntimo, de modo a compreender e desculpar com proveito.

Indicando a referida região cerebral, concluiu:

— Nos lobos frontais, André, exteriorização fisiológica de centros perispiríticos importantes, repousam milhões de células à espera, para funcionar, do esforço humano no setor da espiritualização. 

Nenhum homem, dentre os mais arrojados pensadores da Humanidade, desde o pretérito até os nossos dias, logrou jamais utilizá-las na décima parte. 

São forças de um campo virgem, que a alma conquistará, não somente em continuidade evolutiva, senão também a golpes de autoeducação, de aprimoramento moral e de elevação sublime; tal serviço, meu amigo, só a fé vigorosa e reveladora pode encetar, como indispensável lâmpada vanguardeira do progresso individual.


André Luiz





VÍDEO:

No Mundo Maior - Cap. 09 - Mediunidade (Parte 1 & 2)
O Espírito da Letra

Apresentação: André Luiz Ruiz








O Espírito da Letra - No Mundo Maior - Analisando a obra de André Luiz psicografia de Chico Xavier. 

Produção - TV Alvorada Espírita - http://www.tvalvoradaespirita.com.br 

Realização - TV Mundo Maior - http://www.tvmundomaior.com.br