quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Hammed - Livro Um Modo de Entender - uma nova forma de viver - Francisco do Espírito Santo Neto - Cap. 27 - Salvacionismo - um ciclo perverso




Hammed - Livro Um Modo de Entender - uma nova forma de viver - Francisco do Espírito Santo Neto - Cap. 27


Salvacionismo - um ciclo perverso


“A fé esclarecida que tens, guarda-a para ti diante de Deus. Feliz aquele que não se condena na decisão que toma”. (Romanos, 14:22)


Uma entre as muitas táticas de autocondenação que utilizamos, de forma consciente ou não, faz uso da seguinte armadilha psicológica: “ter a pretensão de mudar o que está em nosso alcance mudar”. Ela gera um “ciclo perverso” denominado “drama dos salvacionistas”.

Esse “ciclo perverso” representa o padrão psíquico que reproduzimos incansavelmente com pessoas difíceis e problemáticas – cônjuges, filhos, pais, amigos, conhecidos ou alguém em dificuldade que estiver à nossa volta.

O ciclo consiste nos papéis de salvador, vítima e atormentador, que se repetem num espaço de tempo que varia de pessoa para pessoa. São ações recorrentes de caráter psicológico que começam e terminam com a mesma atitude. Por exemplo: ora a criatura tenta salvar, ora se vitimiza, ora atormenta, e, assim, ela retorna a esses mesmos papéis, intercalando-os sucessivamente.

Os salvadores de almas, também conhecidos por “arrumadores” da felicidade, são aqueles que tentam a qualquer preço resgatar as pessoas de um conflito ou de uma situação crítica. Importante dizer que não estamos nos referindo a atos de compaixão, bondade e amor verdadeiros.

Na primeira etapa do “ciclo perverso”, assumimos o papel propriamente dito salvador.

À medida que assistimos, socorremos ou defendemos desesperadamente as pessoas, podemos registrar uma ou mais das seguintes sensações:

Pena, por acreditarmos que o indivíduo que estamos auxiliando é indefeso, impotente e incapaz de, sozinho, realizar algo.

Culpa, por não termos capacidade e competência suficientes para resolver o conflito alheio.

Santidade, por querermos que temos um compromisso espiritual para amenizar as dores de outrem.

Ansiedade, por querermos recuperar, da noite para o dia, todo o bem perdido pelo infeliz, devolvendo-lhe a alegria de viver.

Raiva, por termos sido colocados diante do dilema do outro e por nos forçarem a fazer coisas que, no fundo, sentimos não ter poder nem meios para executá-las.

Medo, diante da enorme responsabilidade de resgatar alguém do emaranhado em que se encontra.

Frustração, por não percebermos a linha tênue que demarca o limite entre ajudar e forçar/invadir, entre caridade e salvacionismo.

Com o passar do tempo, julgamos ter reabilitado a criatura a quem ajudamos “tão bondosamente”; no entanto, constatamos que ela não se comporta como aconselhamos ou orientamos e não segue os ensinos e ideias que lhe oferecemos de forma desprendida e fraternal. Nem ao menos demonstra um gesto sequer de gratidão pelos “benefícios” recebidos. Despreza nossa total dedicação em seu favor.

A partir desse momento, seguiremos automaticamente para a segunda etapa do ciclo perverso: o da vítima.

Sentimos autopiedade e nos vestimos com o manto da vítima: fomos usados, feridos, estamos impotentes, arrependidos, abandonados, cansados, envergonhados e depressivos. Fomos humilhados, tratados como algo sem importância, outra vez. Só queríamos ajudar, fazer o bem ou – quem sabe? – resgatar débitos do passado e mesmo afastar os Espíritos obsessores.

Na terceira etapa, é inevitável e previsível que o papel a ser assumido é o do atormentador. Nesse período encerra-se e, ao mesmo tempo, se reinicia o ciclo do salvacionista.

Atormentamos porque reclamamos e exigimos o cumprimento dos conselhos que demos; perseguimos e cobramos de modo incessante utilizando toda nossa indignação e raiva por não nos terem obedecido.

De forma inconsciente ou não, nos sentimos abalados, magoados e ressentidos com o indivíduo a quem “socorremos” tão prontamente.

Tentamos solucionar seus problemas, dissemos “sim” quando queríamos dizer “não”, esquecemos de nós para pensar nas suas dificuldades, gastamos muita energia e nos sentimos exauridos; deixamos de lado nosso tempo de descanso e compromissos importantes e ficamos profundamente raivosos pela incompreensão alheia.

Depois de nos sentirmos furiosos, quando constatamos que nada do que fizemos chegou a se concretizar como era esperado, voltamos, mecanicamente, para a fase inicial do processo psicológico, ou seja, tentar salvar, socorrer e assistir de forma exagerada nosso protegido.

Aí, desconsolados, nos perguntamos: Por que isso está sempre acontecendo comigo? E respondemos para nós mesmos: as pessoas são ingratas, a sociedade é cruel, o mundo é assim mesmo!

Todos temos uma tendência de culpar o mundo por nossas ações, comportamentos, emoções e sentimentos inadequados. Justificamos nosso desalento acusando indiscriminadamente a tudo e a todos, no entanto precisamos assumir inteira responsabilidade pelo que está acontecendo em nossa vida.

Devemos nos perguntar: o que realmente fizemos para estar infelizes e frustrados? O que temos que modificar em nossas ações e comportamentos para sermos mais felizes e nos realizarmos?

Até quando perpetuaremos esse “ciclo perverso”, vivendo a “tragédia dos salvacionistas”? Já é hora de reconhecermos que reside em nós a fonte que determina e controla nossos atos e atitudes, ações e reações.

Na verdade, esse esquema mental de “querer forçar a mudança de sentir, pensar e agir dos outros” nos levará a descuidar da própria existência e a viver um constante estado de inadequação.

A conta que devemos fazer não é aquela das vezes em que realmente ajudamos e não fomos correspondidos, e sim das vezes em que não nos condenamos nem nos agredimos, mas reconhecemos nossos atos contraditórios e pretensiosos diante do grau evolutivo das pessoas.

Não devemos nem podemos forçar ninguém a mudar de atitudes. Em realidade, só podemos modificar a nós mesmos.

“A fé esclarecida que tens, guarda-a para ti diante de Deus. Feliz aquele que não se condena na decisão que toma”. Afirma Paulo de Tarso: “Feliz aquele que” tem “a fé esclarecida (…)”, esclarecida e raciocinada proporciona ao seu possuidor o controle da própria vida, não a dos outros.

Repetir e validar o “ciclo perverso” do salvacionista – cuidar e proteger sem limites, depois se vitimizar, acreditando que é desventurado, que foi usado e enganado, e, mais além, atormentar, perseguir e criticar por estar profundamente irado e ressentido – é a atitude de todo aquele que “se condena na decisão que toma”.

Ter “fé esclarecida” é auscultar e perceber as verdadeiras intenções da Divina Providência, que age em tudo o que existe, e observar que tudo está absolutamente certo, ainda que, temporariamente, não possamos reconhecer a vantagem e o proveito com clareza e nitidez.

Tudo que existe no Universo tem sua razão de ser, nada está errado conosco. Não há nada a corrigir ou consertar em nós ou nos outros, a não ser melhorar a nossa forma de ver tudo e todos.

A máxima de Pitágoras – filósofo e matemático grego – de certa forma sintetiza o que acabamos de expor: “Ajuda teu semelhante a levantar sua carga, porém não a levá-la”.


Hammed











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