domingo, 7 de agosto de 2022

Léon Denis - Livro O Grande Enigma - 2ª Parte - O livro da natureza - Cap. 11 - A floresta



Léon Denis - Livro O Grande Enigma - 2ª Parte - O livro da natureza - Cap. 11


A floresta


Tudo na floresta é encanto, quer na primavera, quando as seivas potentes incham suas mil artérias, quer quando os rebentos novos reverdecem fartamente, quer quando o outono a decora de tintas ardentes, de cores prestigiosas, ou quando o inverno a transforma em um mágico palácio de cristal, que as sombrias ramadas moldam sob a neve, ou se carregam de pingentes diamantinos, transformando cada pinheiro em árvore de Natal.

A floresta não é somente maravilhoso espetáculo; é ainda perpétuo ensinamento. Ela nos fala, sem cessar, das regras fortes, dos princípios augustos que regem toda a vida, e presidem à renovação dos seres e das estações. Aos tumultuosos, aos agitados, oferece seus retiros profundos, propícios à reflexão. Aos impacientes, ávidos de gozo, diz que nada é duradouro, senão aquilo que custa trabalho e precisa tempo para germinar, para sair da sombra e subir para o céu. Aos violentos, aos impulsivos, opõe a vista de sua lenta evolução. Verte a calma nas almas enfebrecidas. Simpática às alegrias, compassiva às dores humanas, ela cura os corações chagados, consola, repousa e comunica a todos as forças obscuras, as energias escondidas em seu seio. A lenda de Anteu (1) é sempre aplicável aos feridos da existência, a todos aqueles que esgotaram as suas faculdades, suas potências vitais nas ásperas lutas deste mundo. Basta-lhes pôr-se em contato com a Natureza, para encontrarem, na virtude secreta que dela emana, recursos ilimitados.

E que analogias, que lições em todas as coisas! A bolota, sob o seu invólucro modesto, contém não só um carvalho completo em seu majestoso desenvolvimento, mas uma floresta inteira. A semente minúscula encerra em seu garrido berço toda a flor, com sua graça, suas cores, seus perfumes. De igual maneira, a Alma humana possui, em gérmen, todo o desenvolvimento de suas faculdades, de suas potências futuras. Se não tivéssemos sob os olhos o espetáculo das metamorfoses vegetais, nós nos recusaríamos a crê-lo. As fases de evolução das Almas em seu curso nos escapam, e não podemos compreender atualmente todo o esplendor de seu porvir. Temos, no entanto, um exemplo disso na pessoa desses gênios, que passaram através da História deslumbrantemente, deixando aos pósteros obras imperecíveis. Tais são as alturas a que se podem elevar as Almas mais atrasadas na escada das vidas inumeráveis, com o auxílio destes dois fatores essenciais: o tempo e o trabalho!

Assim, a Natureza nos mostra, em toda a beleza da vida, o prêmio do esforço paciente e corajoso e a imagem dos nossos destinos sem-fim. Ela nos diz que tudo está em seu lugar no Universo; mas também que tudo evolve e se transforma, Almas e coisas. A morte é apenas aparente; aos tristes invernos, sucedem os dias primaveris, cheios de vida e de promessas.

A lei de nossas existências não é diferente das estações. Depois dos dias de sol, do verão, vem o inverno da velhice, e, com ele, a esperança dos renascimentos e de nova mocidade. A Natureza, tal qual os seres, ama e sofre. Por toda parte, sob a onda de amor que transborda no Universo, encontra-se a corrente de dor; mas esta é salutar, pois que, purificando a sensibilidade do ser, desperta nele qualidades latentes de emoção, de ternura, e lhe proporciona assim um acréscimo de vida.

A floresta é o adorno da Terra e a verdadeira conservadora do globo. Sem ela, o solo, arrastado pelas chuvas, cedo voltaria aos abismos do mar imenso. Ela retém as largas gotas da tempestade em seus tapetes de relva, no enredamento de suas raízes; ela as economiza para as fontes e as entrega, pouco a pouco, transformadas, tornadas fertilizantes e não devastadoras. Por toda parte em que as árvores desaparecem, a terra se empobrece, perde sua beleza. Gradualmente, chegam a monotonia, a aridez, e, depois, a morte. Regeneradora por excelência, a respiração de seus milhares de folhas destila o ar e purifica a atmosfera.

Do ponto de vista psíquico, já o vimos, o papel da floresta não é menos considerável. Ela foi sempre o asilo do pensamento recolhido e sonhador. Quantas obras delicadas e fortes têm sido meditadas em sua sombra fresca e mutável, na paz de suas potentes e fraternais ramadas! Quem quer que possua alma de artista, de escritor, de poeta, saberá haurir nessa fonte viva e transbordante a inspiração fecunda. Com seu ritmo majestoso, a floresta embalou a infância das religiões. A arquitetura sagrada, em suas mais altivas audácias, não tem feito mais que a copiar. As naves góticas de nossas catedrais são alguma coisa além da imitação pela pedra, das mil colunatas e das abóbadas imponentes dos bosques? A voz dos órgãos não é o frêmito do vento, que, segundo a hora, suspira nos rosais, ou faz gemer os grandes pinheiros? A floresta serviu de modelo às manifestações mais altas da ideia religiosa em sua expansão estética. Nas primeiras idades, ela cobria a superfície quase inteira do globo.

Nada mais impressionante para nossos pais, que a antiga e profunda selva dos gauleses, em sua grandeza misteriosa, com seus santuários naturais, onde se consumavam os ritos sagrados, seus retiros por vezes cheios de horror, quando os rumores da tempestade faziam ressoar o eco dos bosques e, do seio das touceiras, subia o grito das feras; cheia de encanto e de poesia, quando, vindo a calma, o céu azul, a cristalina luz aparecia através da ramada e o canto dos pássaros celebrava a festa eterna da vida. De século em século, a alma céltica guardou o forte cunho da floresta primitiva e o amor de seus santuários, moradas dos Espíritos tutelares que Vercingétorix e Joana d’Arc veneraram, dos quais ouviram, na verde solidão, as vozes inspiradoras.

O espírito céltico é ávido de claridade e de espaço, apaixonado da liberdade; possui intuição profunda das coisas da alma que reclamam revelação direta, comunhão pessoal com a Natureza visível e invisível. Eis por que ele estará sempre em oposição à Igreja Romana, desconfiada dessa Natureza e cuja doutrina é toda cheia de compressão e de autoridade. Os druidas e os bardos lhe foram rebeldes. Apesar das conquistas romanas e das invasões bárbaras que facilitaram a expansão do Cristianismo, a alma céltica, por uma espécie de instinto, sempre se sentiu herdeira de uma fé mais larga e mais livre que a de Roma.

Inutilmente os monges procurarão impor-lhe a ideia de ascetismos e de renúncia, a submissão a dogmas rígidos, a uma concepção lúgubre da morte e do Além; o espírito céltico, em sua sede ardente de saber, de viver e de agir, escapará a esse círculo estreito.

A ideia fundamental do druidismo é a evolução, a ideia do progresso e do desenvolvimento na liberdade. Essa ideia é tomada, até certa medida, à Natureza e completada pela Revelação.

Com efeito, a impressão geral que ressalta do espetáculo do mundo é um sentimento de harmonia, uma noção de encadeamento, uma ideia de fim e de lei, isto é, relações eternas dos seres e das coisas. A concepção evolutiva emana do estudo dessas leis. Há uma direção, uma finalidade na evolução, e esse rumo traz o conjunto das vidas, por gradações insensíveis e seculares, para um estado sempre melhor.

O Cristianismo, ou antes, o Catolicismo afastou essa ideia, mas a Ciência nos torna a levar para ela. Primeiramente, esta espiritualiza a matéria, reduzindo-a a centros de força e nos mostra o sistema nervoso, complicando-se cada vez mais na escala dos seres, para chegar ao homem. As espécies bravias tendem a desaparecer diante da superioridade do homem. Com o desenvolvimento do cérebro, o pensamento triunfa. A consciência executa sua ascensão paralela. Há aproximação entre as leis morais e as certezas físicas e biológicas. A ordem que se manifesta nos dois domínios chega a conclusões análogas. A Natureza é plástica, móvel quanto elas, e sofre a influência do Espírito Divino.

Sendo essa evolução a lei central do Universo, o principal papel da ordem social é facilitá-la a todos os seus componentes. A vida é, pois, boa, útil e fecunda. Diante das perspectivas infinitas que ela nos abre, todos os sentimentos deprimentes, pessimismo, dúvida, tristeza, desespero, desaparecem para dar lugar às inspirações imortais, à esperança imperecível.

É esse gênio de nossa raça, sobre nadando a onda das invasões, sobrevivendo  a todas as vicissitudes da História, reaparecendo sobre vinte formas diversas, depois de períodos de eclipse e de silêncio, que explica a grande missão e a irradiação da França na obra da civilização. Mais que qualquer outra raça, os celtas, cujas origens se perdem no longínquo vertiginoso dos tempos, os celtas se aproximam, pelo  instinto hereditário, do mundo das causas e das fontes da vida. Tanto na Ciência quanto na Filosofia, eles conseguiram muitas vezes aplicar o pensamento  desnorteado ao sentimento da Natureza e de suas leis reveladoras, a uma concepção  mais clara dos princípios eternos. Se o entusiasmo e a lei célticos pudessem extinguir­-se, haveria menos luz e alegria no mundo, menos transportes apaixonados para a Verdade e o Bem. Desde mais de um século, o materialismo alemão entenebreceu o pensamento, paralisou seu surto; podemos verificar por toda parte, em torno de nós, os resultados funestos de sua influência. Mas, eis que o gênio  céltico reaparece sob a forma do espiritualismo moderno, para esclarecer de novo a Alma humana em sua ascensão; ele oferece, a todos aqueles cujos lábios estão dessecados pelo áspero vento da vida, a taça de esperança e de imortalidade.


Léon Denis







(1) Anteu - (mit.gr.) - gigante, filho de Posêidon (Netuno) e de Geia (a Terra). Héracles (Hércules) tentou matá-lo três vezes, mas o gigante recobrava as forças cada vez que tocava o solo. Por fim, Hércules o suspendeu nos braços e sufocou-o no ar.


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