segunda-feira, 22 de agosto de 2022

J. Herculano Pires - Livro O Sentido da Vida - Pág. 66 - Conclusões práticas



J. Herculano Pires - Livro O Sentido da Vida - Pág. 66


Conclusões práticas
 

Chegados a este ponto, estamos aptos a compreender que, de facto, o Espiritismo nos oferece uma nova concepção da vida e do mundo, capaz de transformar a Terra. Quando os preconceitos do chamado materialismo científico do nosso tempo forem definitivamente postos em causa, pela crescente e irresistível avalanche dos factos, quando as religiões compreenderem, como acaba de compreender a Igreja Anglicana, a inutilidade das suas acusações de satanismo contra a nossa doutrina; quando a filosofia perceber que o chão lhe falta debaixo dos pés, no mundo de formulações abstratas e de intelectualismo pedante em que se tem perdido; quando a política deixar de ser o jogo de interesses imediatos como tem sido até hoje, para se converter no trabalho consciente a favor da solução dos problemas sociais, à luz dos princípios da imortalidade e da reencarnação, o Espiritismo terá cumprido a sua tarefa primeira. Então, como diz Allan Kardec, a Terra deixará de ser um mundo de expiação e passará à categoria mais elevada de mundo em regeneração. Os homens não serão tão maus como o são hoje, isto é, terão superado o estado de ignorância espiritual que hoje os caracteriza. Os espíritos encarnados no planeta terão construído, através das lutas civilizadoras e espiritualizantes, um habitat diferente para a humanidade terrena.

Todavia, somente chegaremos a esse mundo ideal, que não é utópico, pois as linhas gerais da evolução aí estão para nos demonstrar a possibilidade de alcançá-lo, se empregarmos na sua conquista o nosso melhor esforço. É preciso trabalho, trabalho e muito trabalho, da parte de todos os que já foram capazes de compreender a verdade do Espiritismo, de todos os que já amadureceram suficientemente para uma percepção mais espiritual da vida. Ninguém, que tenha conhecimento das verdades proclamadas pelo Espiritismo, que tenha sido beneficiado pelos esclarecimentos doutrinários, que tenha sentido na sua própria vida e na dos seus entes mais queridos os efeitos poderosamente salutares dessa nova concepção do mundo, tem o direito de cruzar os braços, de permanecer indiferente, diante da imensa tarefa que cabe ao Espírito de Verdade realizar entre os homens, com o concurso destes.

Em seu livro Por que creio na imortalidade individual, já citado nestas páginas, vimos que um homem de ciência e estatura mental qual sir Oliver Lodge considera o Espiritismo como uma nova revolução copérnica. E estudando os diversos aspectos da doutrina, chegamos à conclusão de que essa afirmativa do grande físico deve despertar-nos para um conhecimento melhor desse poderoso corpo de princípios que os espíritos nos legaram, através do trabalho persistente e corajoso de Kardec. Temos de abrir os olhos; de ver, com os olhos bem abertos, que o Espiritismo não é apenas uma palavra de consolo que nos caiu no coração no meio do nosso desespero; não é somente uma vaga suposição de como se processam a morte e a vida, no ciclo incessante das suas manifestações; não unicamente um pretexto para o desenvolvimento da nossa curiosidade no trato dos fenómenos mediúnicos. Muito mais do que isso, o Espiritismo é o fermento da parábola evangélica, destinado a levedar toda a massa dos conhecimentos e das experiências do homem na Terra, para o estabelecimento do Reino de Deus entre todos os povos. É a poderosa alavanca que terá de arrancar o homem do lodo terreno para elevá-lo às estrelas, como diria Bradley. E essa alavanca, está nas nossas mãos, é nosso dever manobrá-la com a maior rapidez e decisão.

Antes de tudo, portanto, devemos colocar-nos na posição de quem não se contenta com o simples conhecimento intelectual dos princípios espíritas. Aceitar a doutrina, tão somente nas linhas da sua estrutura filosófica, não basta para solucionar senão o problema da nossa vaidade pessoal, da nossa vontade individual de conhecer verdades que outros desconhecem. Precisamos compreender que o Espiritismo não é produto do intelecto ou da imaginação, mas uma doutrina de vida, que nasceu da dor e do sofrimento dos homens, da sua angústia em face das experiências penosas da Terra, do seu próprio amadurecimento, ao sol do trabalho rude e milenar, no seio do imenso processo de elaboração biológica do planeta. Precisamos, ao mesmo tempo, compreender, sentir e viver o Espiritismo. O conceito de Espiritismo prático, hoje tão difundido como simples sistema de realização de sessões, deve converter-se em sistema de vida espírita, de norma de pensamento e ação, de conduta, para todos nós.

Uma vez que o Espiritismo nos mostra um objetivo para a existência do homem na Terra, e que compreendemos esse objetivo, não se poderia aceitar que continuássemos de braços cruzados, esperando que as forças da vida nos impulsionassem, sem nada fazermos de nós mesmos, em favor do nosso avanço naquele sentido entrevisto. O homem vive para quê? Para melhorar a si mesmo e melhorar aos demais, para evoluir de animal a espiritual, para transformar os seus instintos em intuições, para alcançar sempre e sempre planos mais elevados para os seus sentimentos e para a sua capacidade espiritual de percepção do Universo. Se assim é, porque motivo havemos de continuar fechados no pequenino mundo das nossas aflições quotidianas, atormentados por mil problemas passageiros, que nada significam para a nossa vida infinita? Só seremos coerentes com os novos conhecimentos adquiridos quando nos dispusermos a modificar a nossa própria vida, encarando-a como um processo contínuo, de expansão e de libertação da nossa personalidade, de realização de nós mesmos em face da realização universal. Já não nos prenderemos às preocupações de rotina, chorando e sofrendo pelos pequenos percalços da existência. Entendendo que a vida é um processo de evolução e que todos os seus acontecimentos nada mais são do que vagas impetuosas do imenso oceano da evolução universal, a nos impelir para a frente, aprenderemos a acompanhar esse impulso, caminhando com a vida.

Há uma velha imagem da vida, que muito nos ajudará a compreender a atitude que devemos assumir. Diremos que a vida é um rio, um imenso rio, cujas nascentes se perdem no desconhecido do tempo e do espaço, cujas águas rolam através do infinito, passando por miríades de formas, por milhões de paisagens, para desembocar, afinal, no oceano longínquo da perfeição. Nós, os homens, nada mais somos do que habitantes das águas da vida. Estamos no meio do rio e as águas correntes passam por nós com incrível rapidez, sem parar, avançando sempre para o seu objetivo. Se olharmos à nossa volta, sentiremos a vertigem das águas. Tudo flui, tudo passa, tudo se esvai em torno de nós. Aquilo que ontem existia, hoje já não existe. O que ainda há pouco era, já agora não é. Paisagens, flores, animais, a própria sociedade humana, tudo se transforma incessantemente. Os nossos amigos e nossos entes mais queridos não permanecem eternamente conosco. Pelo contrário, como que levados de roldão nas águas da vida, que outros diriam da morte, se perdem, uns após os outros, no fluir contínuo do tempo. Nós mesmos envelhecemos. Sentimos que dia a dia nos aproximamos do fim. E por mais que lutássemos em sentido contrário, nada poderíamos fazer. É que as águas do rio não param de correr e não poderíamos fazê-las parar. Elas passam por nós com velocidade vertiginosa. Empurram-nos, arrastam-nos, e quanto mais teimamos em ficar onde estamos, em não caminhar com elas, mais o seu atrito nos desgasta, arrancando-nos a própria roupa, despindo-nos e, por fim sangrando-nos a própria pele.

A única atitude sensata que poderíamos assumir, dentro do rio, seria a de nos deixarmos levar pelas águas. Mas estamos demasiado conscientes da nossa personalidade, demasiado convencidos da nossa individualidade, do nosso eu e, temos medo de nos dissolvermos nas águas, de deixarmos de ser nós mesmos. Então, cheios de angústia, nos agarramos às raízes do barranco, nos penduramos aos ramos que se debruçam sobre o rio, nos abraçamos uns aos outros ou nos troncos que rolam ao sabor das águas, ou ainda, mais desesperados, nos apegamos às pedras que repontam, agudas e ásperas, do leito lodoso. E assim nos defendemos. Mas é uma defesa desesperada, pois as águas são mais fortes do que nós e não cessam de correr. Sofremos e nos angustiamos. Entretanto, se compreendêssemos que as águas não são inimigas, que são, pelo contrário, o elemento em que vivemos e que o seu impulso é benéfico, tudo se resolveria facilmente. Sem relutância, nos entregaríamos à corrente. E ela, suave e leve como um canal a levar uma flor, nos conduziria através das paisagens conhecidas e desconhecidas, rumo ao nosso verdadeiro destino.

Essa imagem nos lembra aquela passagem evangélica, tão obscura para os que não compreendem o sentido da vida: “aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas aquele que a perder por amor de mim, salvá-la-á”.

Disse o Padre Alta, no seu admirável livro O Cristianismo do Cristo e o dos seus vigários, que Jesus está para nós na posição de um grande nadador, ensinando-nos a nadar. A imagem condiz com a que expusemos acima. E é por isso que ele nos ensinava a nos entregarmos às águas, sem medo de perder, com isso, a nossa vida.

Quanto mais um homem se apega às suas idéias pessoais, aos seus caprichos, aos seus sistemas, mais se distancia dos outros, mais se afasta da vida. Quem não conhece esses temperamentos confinados, essas criaturas ranzinzas, cheias de “coisinhas”, que estão sempre de prevenção contra tudo e contra todos? Pois não são outra coisa senão indivíduos agarrados fortemente às raízes do barranco. Eles se defendem da vida e dos homens, querem viver a seu modo, fechados nos seus costumes. Quem quiser tirá-los para fora da cova mental e psíquica em que eles se meteram, por vontade própria, será considerado inimigo. No entanto, se os levarmos a um médico psiquiatra, este os considerará enfermos, que de fato o são, e lhes receitará os meios necessários à libertação.

Na vida comum, fora desse terreno específico da patologia psíquica, nós também, quase todos, somos espíritos confinados, somos doentes, apegados à rotina de uma vida sem sentido, lutando contra as águas do rio da vida, que nos querem levar para a libertação. Se quisermos continuar nessa atitude, só poderemos aumentar os nossos sofrimentos e as nossas dores. A lição do Cristo se torna, pois, muito clara, diante dos ensinamentos espíritas. A vida não é fixa, não é sólida, não é estável. É fluente e mutável. Se quisermos salvar a nossa vida, fixando-nos em nossos hábitos e em nossas idéias, perdê-la-emos, porque o fluxo constante das coisas nos libertará de súbito, nos atirará para frente, com ímpeto irresistível. Se, pelo contrário, concordamos
em sacrificar a nossa vida por amor do Cristo, ou seja, trocar o nosso apego às pequeninas coisas da existência passageira pela compreensão das verdades eternas, por ele ensinadas, salvá-la-emos.

Compreendamos, pois, antes de tudo, a nossa verdadeira posição diante da vida, e procuremos nos adaptar a ela. Compreendamos que a vida é um fluxo, que temos de viver, não apegados aos nossos hábitos e sistemas, mas, pelo contrário, de mente aberta, de coração leve, prontos a caminhar para frente. O próprio Espiritismo não é um sistema rígido. A sua natureza é dinâmica, progressiva. Quanto mais avançarem os tempos,
quanto mais se acelerar a maturidade espiritual do homem, tanto mais se alargarão os conceitos espíritas, segundo a própria lição de Kardec. Vivamos também dessa maneira, se quisermos começar a viver uma vida espírita.

Depois de havermos tomado essa posição, devemos compreender que ela não representa desinteresse pela vida. Muito pelo contrário, temos de nos interessar vivamente por tudo o que nos rodeia. Pois então não aprendemos que todas as coisas fazem parte do plano geral da evolução, que todas elas representam,
para nós, auxiliares do nosso próprio desenvolvimento? Desapegarmo-nos das coisas não quer dizer desprezá-las.

O grande espiritualista hindu, Râmakrishna, dizia aos seus discípulos que eles deviam viver como uma ama-de-leite. E explicava:

“A ama-de-leite, ao referir-se à casa dos seus patrões, diz: “a nossa casa”. Ela sabe, entretanto, que a sua casa está longe, numa aldeia distante, para a qual se dirigem os seus pensamentos. Ao referir-se ao filho dos patrões, que traz nos braços, dirá: “o meu Hari está muito travesso” ou “o meu Hari gosta disto ou daquilo”, e assim por diante. Não obstante, ela sabe que Hari não é seu. Aos que me procuram, digo-lhes que vivam uma vida de desapego, como essa ama-de-leite, que vivam desligados deste mundo, que vivam no mundo mas não sejam do mundo, e tenham ao mesmo tempo a mente dirigida a Deus, a casa celeste de onde todos viemos. Que implorem o amor de Deus, que os ajudará a viver assim.”

Colocado assim, em termos claros, o problema da atitude espírita, resta-nos vivê-la. A princípio, é natural, encontraremos grandes dificuldades. Mas pouco a pouco aprenderemos a olhar a vida e o mundo de um ponto de vista espírita. E então os acontecimentos que habitualmente nos surpreendiam, nos transtornavam e nos causavam dor e angústia, passarão a nos afetar levemente, como simples arrepios do vento na superfície de um lago. Encontraremos a paz da compreensão, a serenidade inalterável da exata visão das coisas, em que dia a dia mais penetraremos.

Ainda me lembro da estranheza dos vizinhos, por ocasião da morte do nosso jovem e querido J.J., o cronista espírita do jornal O Tempo, cunhado do autor dessas linhas, mas praticamente seu filho, pois crescera em sua casa, órfão de mãe, desde tenra idade. Em casa, uma família de doze pessoas, inclusive quatro crianças,
todos eram espíritas. Nenhum sinal de morte foi colocado nas portas ou janelas, nenhum grito de desespero se ouviu, nenhuma lamentação, nenhum semblante funéreo. A morte o colhera de surpresa, aos vinte anos de idade, e o golpe caiu pesado e fundo sobre o coração de todos. Mas todos compreenderam que o jovem companheiro não havia morrido. Que simplesmente fora levado, antes de nós, pelas águas da vida, rumo ao destino supremo da evolução espiritual. Todos sentiam, mas, ao mesmo tempo, todos compreendiam. E ninguém tinha coragem de lamentar aquele que fora, pois sabia que ele não merecia essa
lamentação. Meu filho, de sete anos e pouco, certa noite, na hora de dormir, com os olhinhos distantes, apenas nos disse: Como será o outro lado, não? Ele tinha a certeza de que o tio havia
passado para o outro lado, e que assim cumprira, pura e simplesmente, uma das leis da vida. Seu pensamento se preocupava apenas com a novidade do fato e procurava descobrir como seria a situação do outro lado da vida.

Essa falta de aparência de sofrimento e de desolação, essa ausência do desespero, causou estranheza aos vizinhos. Nem todos deixaram perceber a sua estranheza, mas certo dia alguém não se conteve e falou a um dos nossos. Era uma pessoa que havia perdido um parente jovem e que jamais se consolara. Continuava a sofrer, a sentir horrivelmente a “perda irremediável”. E só então fomos capazes de compreender o quanto o Espiritismo nos tinha valido naquele momento cruciante, o quão fundo havia ele operado em nossas almas.

Poucos dias depois, um médium amigo recebia, em Marília, a primeira comunicação do espírito. Recebemos um telegrama de confrades, comunicando-nos o fato, que a todos alvoroçou. Conhecíamos bem a mediunidade de Urbano de Assis Xavier, cirurgião dentista naquela cidade. Felizmente, o espírito havia
pedido aos amigos presentes à reunião, os confrades Eurípedes Soares da Rocha, provedor do Hospital Espírita de Marília, Gabriel Ferreira, farmacêutico e ex-diretor do mesmo, e à senhora deste, que transmitissem ao médium o seu desejo de falar conosco. Urbano compreendeu a situação e, com sacrifício dos seus próprios interesses, viajou no dia seguinte para São Paulo. Em casa, todos reunidos, recebemos então a paga da nossa firmeza na convicção espírita. J.J. se manifestou, amparado por espíritos amigos, que também conhecíamos, identificando-se plenamente e dando-nos mais uma vez a confirmação da sobrevivência. Tínhamos, assim, a prova de que a nossa atitude era certa, de que a nossa posição era exata. E a vida continuou, como sempre, no seu eterno fluxo, na Terra e no espaço.

O nascimento e a morte não devem nos perturbar mais do que o necessário para que sejam atendidos nas suas necessidades imediatas. As convenções humanas que cercam esses acontecimentos, procurando lhes dar um caráter de mistério impenetrável, devem ser afastadas dos meios espíritas. Nada de sacramentos aparatosos inúteis, como os batizados religiosos, as unções do moribundo, a colocação de velas ou crucifixos nas mãos do morto ou em torno do cadáver, as preces em conjunto, lamuriosas e prejudiciais, nada de gritos de desespero ou de choradeiras infindáveis, nada de semblantes carregados, de préstitos sombrios, carregados de coroas, nada de luto e de aparências dolorosas. O espírita sabe que o nascimento e a morte não são mais do que acontecimentos normais da existência terrena. Sabe que os aparatos de que os homens revestiram, através dos tempos, essas ocorrências, são apenas produtos da ignorância, já agora superada pelos conhecimentos doutrinários. Deve banir, por isso mesmo, das casas espíritas, todos esses velhos aparatos da superstição e do atraso espiritual da humanidade, transformados no mais estéril e prejudicial dos convencionalismos.

Por outro lado, na sua vida diária ele deve fazer o mesmo. A todo momento terá de encontrar-se com as manifestações convencionais do mundo. São os hábitos criados na sociedade pela incompreensão do homem, firmados através dos tempos, constituindo a rotina cotidiana das convenções. Contra ela, o espírita irá firmando os novos hábitos denunciadores de uma diferente visão das coisas. Sua atitude será a de um simplificador da vida, a de um destruidor de convenções inúteis. Na sua vida particular, como homem de família e de sociedade, substituirá as expressões convencionais pelas atitudes simples e naturais, ditadas pelo coração em cada momento. Será o que realmente for, não o que pretendam que ele seja. Na vida comercial ou profissional procurará substituir a ganância desenfreada ou o desejo instintivo de superar os companheiros para tirar vantagens pessoais, pelo simples cumprimento do dever, com vistas à realização das tarefas que lhe cabem e à satisfação das suas reais necessidades econômicas. Como a ama-de-leite de que nos fala Râmakrishna, ele saberá sempre que a fortuna, o êxito, a boa-posição, não são mais do que o filho do patrão, do qual ele deve cuidar com o máximo de carinho, mas sem apego.

No tocante aos princípios doutrinários, sabendo, como sabe, que o mundo necessita deles, tudo fará pela sua difusão. Trabalhando a sua própria vida, trabalhará também a vida do seu próximo, através da pregação e do exemplo. A pregação, ele a fará nas ocasiões oportunas, sempre que puder desviar a conversação dos rumos habituais, de futilidade e de maldade, para outros rumos, mais altos e mais belos, relacionando acontecimentos que sirvam de lições ou indicando mesmo as soluções doutrinárias para todos os problemas da vida. Não é somente através de discursos e de conferências que podemos pregar. Todos os espíritas, até os mais pobres de recursos intelectuais, podem tornar-se excelentes pregadores, despertando os homens para a compreensão verdadeira da vida. O exemplo ele dará através dos seus atos, da sua maneira de viver, de comerciar, de se desempenhar dos seus encargos profissionais, de tratar com os semelhantes na vida social. Mas feito isso, resta-lhe ainda um dever a cumprir: o trabalho em conjunto. Conhecedor que é da lei de fraternidade, não pode ele fechar-se, dentro do movimento doutrinário, numa espécie de individualismo espírita, fazendo Espiritismo somente na sua casa ou no âmbito individual das suas atividades. É necessário ir mais longe, ligando-se às associações doutrinárias, contribuindo para o trabalho dos Centros e dos Núcleos, esforçando se em favor das boas iniciativas espíritas.

Chegamos, neste ponto, a um assunto da maior relevância para todos os espíritas. A vida das sociedades doutrinárias é de grande importância para a boa e séria propagação dos princípios espíritas no mundo. Por isso mesmo, cabe a todos nós uma parcela de responsabilidade pelas atividades dessas associações. Grande número delas, infelizmente, desviam-se facilmente do caminho seguro, levadas por homens vaidosos e ignorantes, que a si mesmos se atribuem poderes excepcionais, assistência privilegiada, capacidade única de direção. Os espíritas sinceros e esclarecidos não podem fechar os olhos a essa situação. É seu dever contribuir para a volta das associações a um roteiro seguro, se não pessoalmente, por falta de aptidões pessoais, pelo menos reforçando o trabalho dos que lutam contra essas deturpações e esses desvios.

Um dos vícios ainda persistentes no movimento espírita é o do personalismo mais feroz, na realização de obras de caráter doutrinário. Todo indivíduo que se julga dotado de capacidade para fazer alguma coisa, procura logo fazê-la por conta própria, individualmente, não raro firmando o seu nome, como se ele fosse o objetivo e não o realizador da iniciativa. Contra isso temos de lutar, incessantemente. Precisamos convencer os espíritas da necessidade de trabalhos em conjunto, visando as soluções mais amplas dos problemas doutrinários. A União das Sociedades Espíritas – USE, surgida em São Paulo, é uma tentativa nesse sentido, e devemos prestigiá-la. Não obstante, é necessário o maior cuidado, para que um movimento como a USE também
não seja desviado dos seus verdadeiros objetivos. O perigo desse desvio já se tornou evidente, com a criação de um departamento de unificação nacional, no Rio de Janeiro, subordinado à Federação Espírita Brasileira.

A unificação do movimento espírita, tanto no âmbito municipal, através das Uniões Municipais Espíritas, quanto no estadual ou no federal, e até mesmo, futuramente, no continental e no mundial – já existem organismos dessa natureza, como a Confederação Espírita Pan-americana e a Federação Espírita Mundial – , deve ser feita através de organismos amplos, de representação coletiva, e não de pequenas sociedades, enfeixadas nas mãos de um grupo reduzido. Em cada organismo unificador devem estar presentes os representantes eleitos de grandes massas espíritas, da maneira mais democrática possível, a fim de que o movimento não se desvie do seu sentido livre e libertador; isto porque o Espiritismo é doutrina, como vimos, de liberdade e fraternidade, jamais de coação e imposição, através de autoridades arbitrariamente constituídas. Nosso trabalho deve ser no sentido de unir os espíritas para o esforço comum em prol da causa, e não de submetê-los ao arbítrio de instituições dirigentes.


Herculano Pires















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