sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Ermance Dufaux - Livro Mereça Ser Feliz: Superando as ilusões do orgulho - Wanderley S. de Oliveira - Cap. 3 - Estudando o orgulho



Ermance Dufaux - Livro Mereça Ser Feliz: Superando as ilusões do orgulho - Wanderley S. de Oliveira - Cap. 3


Estudando o orgulho


“Uma das insensatezes da Humanidade consiste em vermos o mal de outrem, antes de vermos o mal que está em nós. Para julgar-se a si mesmo, fora preciso que o homem pudesse ver seu interior num espelho, pudesse, de certo modo, transportar-se para fora de si próprio, considerar-se como outra pessoa e perguntar: Que pensaria eu, se visse alguém fazer o que faço? Incontestavelmente, é o orgulho que induz o homem a dissimular, para si mesmo, os seus defeitos, tanto morais, quanto físicos. Semelhante insensatez é essencialmente contrária à caridade, porquanto a verdadeira caridade é modesta, simples e indulgente. Caridade orgulhosa é um contrassenso, visto que esses dois sentimentos se neutralizam um ao outro. Com efeito, como poderá um homem, bastante presunçoso para acreditar na importância da sua personalidade e na supremacia das suas qualidades, possuir ao mesmo tempo abnegação bastante para fazer ressaltar em outrem o bem que o eclipsaria, em vez do mal que o exalçaria? Por isso mesmo, porque é o pai de muitos vícios, o orgulho é também a negação de muitas virtudes. Ele se encontra na base e como móvel de quase todas as ações humanas. Essa a razão por que Jesus se empenhou tanto em combatê-lo, como principal obstáculo ao progresso.” (O Evangelho Segundo o Espiritismo - Cap. X - item 10) 


O projeto de melhoria individual de todos nós esbarrará ainda por longo tempo com essa mazela moral que constitui a raiz de larga soma de atitudes humanas. O estudo atento do orgulho será um caminho de infinitas descobertas para todo aquele que anseia pelas conquistas interiores.

Orgulho é o sentimento de superioridade pessoal resultante do processo natural de crescimento do espírito; um “subproduto” do instinto de conservação, um princípio que foi colocado no homem para o bem (1), porque sem o “sentimento de valor pessoal” e a "necessidade de estima” não encontraríamos motivação para existir e não formaríamos um autoconceito de dignidade pessoal.

O problema não é o sentimento de orgulho, mas o descontrole de seus efeitos. No atual estágio de aprendizado, ainda não temos plena capacidade de controlá-la. Ele está presente em quase tudo o que fazemos. Isso o torna uma paixão ou, como dizem os bondosos Guias da Verdade, "o excesso de que se acresceu a vontade." (2) Conceituemo-la, portanto, como uma paixão crônica por si mesmo, impropriamente denominado como "amor" próprio. A esse respeito afirma Allan Kardec: "Todas as paixões têm seu princípio num sentimento, ou numa necessidade natural. O princípio das paixões não é, assim, um mal, pois que assenta numa das condições providenciais da nossa existência. A paixão propriamente dita é a exageração de uma necessidade ou de um sentimento. Está no excesso e não na causa e este excesso se torna um mal, quando tem como conseqüência um mal qualquer."(3)

Seu principal reflexo na vida interior dá-se no departamento mental da imaginação, no qual está armazenada a “matriz superdimensionada” da imagem que fazemos de nós. A partir dessa matriz, que tem “vida própria” como uma “segunda personalidade”, processa-se e dinamiza-se todo um complexo de valores morais e afetivos que regulam a rotina de boa parte das operações psíquicas e emocionais do ser, determinando atitudes, palavras, escolhas, aspirações e gostos.

A vaidade e a indiferença, o preconceito e a presunção, o desprezo e o melindre, a pretensão e a inveja são alguns reflexos inevitáveis desse “estado orgulhoso de ser” nas ações de cada dia. E o conjunto dos hábitos derivados desses reflexos formam o que chamamos de personalismo – o estado de supervalorização do eu.

O personalismo é a expressão mais perceptível e concreta do orgulho. É a excessiva e “incontrolável” valorização conferida a nós mesmos levando-nos a supor termos direitos e qualidades maiores do que aquelas as quais realmente possuímos.

Traçar uma diferença entre ambos constitui um desafio para o bom observador. Digamos que enquanto o orgulho incapacita-nos para verificar as próprias imperfeições, o personalismo tem como efeito gerar idéias de que tudo aquilo que parta de nós é o melhor e mais correto. Em outras palavras, a superioridade pessoal provocada pelo sentimento de orgulho interfere na formulação de juízos. A partir disso, estipulamos concepções pessoais como verdades incontestáveis. Isso é o personalismo.

Podemos mesmo dizer que o reflexo do orgulho é um “outro eu”, uma “segunda natureza” enraizada nas profundezas da subconsciência capaz de fazer-nos sentir e pensar em coisas que não correspondem ao que verdadeiramente desejamos e sentimos.

Especialmente para quantos se encontram em renovação íntima, torna-se essencial a compreensão desse tema na melhor aferição do que se passa na esfera dos pensamentos e dos impulsos, tomando por base a influência que o orgulho exerce sobre as engrenagens da vida mental.

Com razão ímpar “Um Espírito Familiar” afirmou: “Só o orgulho pode impedir que vos vejais quais realmente sois. Mas, se vós mesmos não o vedes, outros o vêem por vós.'4’ Esse sentimento cria uma ilusão, uma distorção na realidade. A “representação mental” do que somos, gerada pelo orgulho, que quase sempre atende a interesses personalistas, pode ser considerado como uma verdadeira patologia. Aliás, os estudiosos das ciências psíquicas, quando tomam por fundamento o ego na explicação de muitas doenças, o fazem com sensatez, porque as enfermidades mentais encontram razoáveis explicações nesse enfoque. Quanto mais ausência de controle sobre essa “paixão narcisista”, mais haverá desconexão com a realidade.

Pensando bem, a maioria de nós, considerados normais, vivemos lampejos de “loucura passageira” na imaginação fértil e desordenada na qual, muitas vezes, embrenhamos ante os acontecimentos do dia a dia. O orgulhoso, dessa forma, vive intensamente de máscaras que correspondam a essas idealizações do seu imaginário, para fazer com que o mundo à sua volta acredite que ele seja quem ele próprio acredita ser. Naturalmente, como sempre, a sua autoimagem é exacerbada em qualidades que nem sempre possui, procedendo de modo a sempre esconder as imperfeições, gerando a dissimulação.

A dissimulação é o preço elevado que paga o orgulhoso para manter as aparências. Trata-se de uma inaceitação de suas sombras interiores, uma necessidade obsessiva e neurotizante de manter um status, para evitar críticas ou para não perder sua suposta “autoridade”. Isso causa muita dor aos orgulhosos, pois não há como “maquiar” para si mesmo a verdade de seu mundo interior. A todo instante está diante daquilo que não gostaria de ver em si. Somente ele, e mais ninguém, sabe como é doloroso ter que encontrar consigo, com sua verdade pessoal em contraposição à “identidade fictícia” que criou para os outros, e sob a regência da qual passa a viver. Até mesmo as doenças costumam ser ocultadas pelo orgulhoso; para ele isso é um “código de fragilidade” que não pode revelar. Essa dissimulação é desgastante e é uma das expressões mais comuns da personalidade orgulhosa.

Nesse quadro de “teatralizar papéis”, em regime de condicionamento milenar, ocorre um leque de prejuízos para a organização mental da criatura, porque a mente implementa uma rotina de manutenção dessa “falsa personalidade” impedindo uma análise fiel da realidade profunda de si mesma, conforme explica o codificador no estudo das obsessões: “Todas as imperfeições morais são outras tantas portas abertas ao acesso dos maus Espíritos. A que, porém, eles exploram com mais habilidade é o orgulho, porque é a que a criatura menos confessa a si mesma." (5) O orgulho tem esse mecanismo de produzir uma ilusão da avaliação individual, transferindo o mal para os outros, onde é menos penoso verificá-la...

Como se trata de alguém que quer sempre manter um perfil perante os demais, o orgulhoso enfrenta sérios obstáculos nos relacionamentos por habituar-se aos estereótipos. Os estereótipos, ou padrões e critérios de conduta social, funcionam como “boias demarcatórias” para que o orgulhoso navegue com seu conceito de “segurança” no mar da vida interpessoal mantendo aparências e impressionando o meio. Para isso, adota concepções prévias sobre o outro como forma de identificação, com as quais estabelece seus limites em relação às pessoas, impedindo-se de ser assertivo, espontâneo e autêntico nas ligações humanas, tendo como único objetivo manter sua suposta superioridade pessoal, insuflada pela força do orgulho.

Suas manifestações são tão variáveis e de difícil catalogação em algumas personalidades que analisaremos apenas algumas legendas a fim de ampliar nossas anotações nesse estudo, destacando seus respectivos roteiros reeducativos.

Melindre é o orgulho na mágoa. Cultivemos a coragem de ser criticados.

Pretensão é o orgulho nas aspirações. Aprendamos a contentar com a alegria de trabalhar, sem expectativas pessoais.

Presunção é o orgulho no saber. Tomemos por divisa que toda opinião deve ser escutada com o desejo de aprender.

Preconceito é o orgulho nas concepções. Habituemos a manter análises imparciais e flexíveis.

Indiferença é o orgulho na sensibilidade. Adotemos a aceitação e respeito em todas ocasiões de êxitos e insucessos alheios.

Desprezo é o orgulho no entendimento. Acostumemos a pensar que para Deus tudo tem valor, mesmo que por agora não o compreendamos.

Personalismo é o orgulho centrado no eu. Eduquemos a abnegação nas atitudes.

Vaidade é o orgulho do que se imagina ser. Procuremos conhecer a nós mesmos e ter coragem para aceitarmo-nos tais quais somos, fazendo o melhor que pudermos na melhoria pessoal.

Inveja é o orgulho perante as vitórias alheias. Admitamos que temos esse sentimento e o enfrentemos com dignidade e humildade.

A falsa modéstia é orgulho da “humildade artificial”. Esforcemos pela simplicidade que vem da alma sem querer impressionar.

A prepotência é o orgulho de poder. Aprendamos o poder interior conosco mesmo transformando a prepotência em autoridade.

Dissimulação é o orgulho nas aparências. Esforcemos por ser quem somos, sem receios, amando-nos como somos.

A reeducação moral através das reencarnações nos levará a renovar esse quadro de penúria espiritual da Terra, sob a escravização das sombrias manifestações orgulhosas.

Estamos todos, encarnados e desencarnados, nessa busca de superação e enfrentamento com as nossas imperfeições milenares, e não será num salto que venceremos a grande e demorada luta. Apliquemo-nos nas preciosas e universais lições de Jesus, iluminadas pelos raios da lógica espírita, e esforcemo-nos sem desistir da longa caminhada na conquista da humildade...

Precisaremos de muita coragem para ser humildes, ser o que somos...

Ser humilde é tirar as capas que colocamos com o orgulho ao longo dessa caminhada...


Ermance Dufaux




 
(1) O Livro dos Espíritos – Questão 907
(2) O Livro dos Espíritos – Questão 907
(3) O Livro dos Espíritos – Questão 908
(4) O Livro dos Médiuns – capítulo XXXI – item IV
(5) O Livro dos Médiuns – capítulo XX – item 228



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