segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Hammed - Livro La Fontaine e o Comportamento Humano - Francisco do Espírito Santo Neto - Os Coelhos - Discurso ao senhor Duque de La Rochefoucauld




Hammed - Livro La Fontaine e o Comportamento Humano - Francisco do Espírito Santo Neto


Os Coelhos - Discurso ao senhor Duque de La Rochefoucauld


Observando as ações dos homens, cada dia mais me convenço de que elas se assemelham às dos animais. E para comprovar minha teoria, exemplifico com uma história que aconteceu comigo.

Tendo saído para uma caçada, de tocaia no galho de uma árvore, vi um coelho distanciado dos outros. Atirei nele e matei-o. O estampido fez com que todos os coelhos que estavam por perto fugissem rapidamente e procurassem segurança em cavidades subterrâneas.

Mas, dali a pouco, os coelhos voltaram à superfície e continuaram suas vidinhas alegres e corriqueiras, esquecidos do perigo que há pouco os assustara.

Não age assim também a espécie humana? Ameaçados por uma tempestade, os homens procuram proteção num "porto seguro", colocando em segurança a sua vida. No entanto, passado o perigo, eles se expõem novamente a outros temporais, quem sabe até mais violentos.

E para reforçar minha argumentação, cito ainda outro exemplo:

Quando os cães passam por territórios estranhos aos que lhes são costumeiros, provocam a ira dos animais locais que, a latidos e dentadas, espantam os supostos invasores por pressentirem neles uma ameaça aos seus domínios.

Os homens se assemelham aos cães quando atacam o que é novo por medo de serem por ele substituídos. Segundo a lógica dos seres humanos de vida trivial, quanto menos inovação, melhor.

Assim acontece também com os escritores. Dizem os mais antigos:

"Abaixo o novo autor". Que haja ao redor do bolo o mínimo de sócios. Essa é a regra do jogo e dos negócios.

Tolos são os homens! Não veem eles que, passado o primeiro impacto, as coisas se acomodam? O novo ganha seu espaço muitas vezes sem invadir o espaço alheio. E dali a algum tempo, findo o sabor da novidade, tudo se ajeita. Até que apareça outra inovação e a história se repita.

E vós, a quem este discurso se dirige; vós, em quem a modéstia à grandeza se alia; que vosso nome receba aqui uma homenagem do tempo e dos censores pelo justificado e merecido louvor.


MORAL DA HISTÓRIA: "O MEDO DO NOVO"


Podemos tranquilamente mudar de ideia se surgirem novas informações que exijam de nós essa postura. Ao que parece, temos medo de ser convencidos pelos argumentos e razões dos outros.

O motivo é o receio de precisarmos alterar nossas opiniões, jogando fora os juízos que alicerçam nosso ponto de apoio bem como o prestígio e a reputação. Preferimos viver deprimidos a dar o braço a torcer, a abrir mão de uma teima ou a nos rendermos a uma evidência cujo resultado seria benéfico, pois nos traria muita alegria de viver.

Não devemos escamotear nossa energia prazerosa em nome do condicionamento social, para darmos a falsa impressão de que somos pessoas boas, ajustadas e nobres, e na essência, sermos profundamente infelizes.

É muito mais cômodo ficar no lugar-comum, mantendo a mente fechada a novos aprendizados e uma postura ajustada a um nível limitado de saber. Mas é confortavelmente enfadonho não querer correr o risco de aderir às produções que fogem a padrões costumeiros, temendo perder nosso referencial interno.

Somos poucos receptivos à renovação das idéias porque acreditamos ser humilhante reconhecer nossas falsas interpretações e equívocos e ter que anular nossas decisões por outras.

Todavia, quando os dias passarem e a marcha do progresso tornar evidente tudo aquilo que refutávamos, aí perceberemos que a nossa oposição obstinada diante do novo era fruto do nosso orgulho e ignorância. O vaidoso é o que mais rejeita as coisas inusitadas.

Quantas vezes, por interesses pessoais - fama, dinheiro, ascensão social -, apedrejamos o novo, denegrimos sua imagem e o atacamos sem piedade?

Quantas vezes, por comodismo, perdemos a chance de evoluir porque não encaramos o novo?

As mudanças são necessárias. Mudar faz bem, porque exige um novo olhar, amplia o campo de visão, estimula a reflexão e, consequentemente, acarreta amadurecimento.

O novo, muitas vezes, aparece em nossa vida como um conflito, um problema a ser resolvido.

Assim é na fábula. Assim é na vida.

O estampido que assusta os coelhos é o novo que provoca reações, que exige alteração da rotina; o novo é o bando de cães que passa em território alheio e provoca a ira dos cachorros locais, que reagem à invasão do inimigo fictício.

Não se deve evitar o novo nem reagir contra ele.

Interagir com o novo: eis o que deve ser feito. Aceitar as mudanças é uma prova de inteligência. O homem inteligente é aquele que se adapta a novas situações e com elas se integra.

Diante do novo, nem sempre precisamos mudar o caminho; às vezes, só mudamos o jeito de caminhar.

"Os espíritos medíocres comumente condenam o que está além do seu alcance." - La Rochefoucauld


Hammed






VÍDEO:

Fábulas de La Fontaine - 4 - Os Coelhos - Discurso ao senhor Duque de La Rochefoucauld





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