quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Ermance Dufaux - Livro Amorosidade: A cura da ferida do abandono - Wanderley de Oliveira - Introdução - A ferida evolutiva do abandono: o desamor a si mesmo




Ermance Dufaux - Livro Amorosidade: A cura da ferida do abandono - Wanderley de Oliveira - Introdução


A ferida evolutiva do abandono: o desamor a si mesmo


Postos de lado os defeitos e os vícios acerca dos quais ninguém se pode equivocar, qual o sinal mais característico da imperfeição?

“O interesse pessoal. [...] (1) (O Livro dos Espíritos, questão 895)


A Terra é uma escola que reúne alunos com notas e lições similares em estágios dolorosos de provas e expiações.

As chagas evolutivas da alma são registros que o próprio espírito carrega como roteiro doloroso que impôs a si mesmo em função de suas escolhas. Todo mal provocado ao próximo tem como efeito, dentro do próprio coração, uma lesão de infelizes proporções.

Ao longo dos milênios, a rota do espírito está repleta de feridas nascidas da profunda teimosia em escolher e prestigiar as artimanhas do ego. Como destaca O livro dos espíritos: o interesse pessoal é a maior imperfeição humana.

O resultado desse trajeto ilusório ficou profundamente gravado na vida mental, criando monstros morais em forma de hábitos enraizados, determinando verdadeira prisão vibratória construída pela frequência e teor das experiências vividas.

Adquiridos a preço da dor alheia, as aventuras e desvios, os prazeres e vantagens são atalhos de fuga que dilaceram as fibras da sensibilidade e organizam prisões interiores em forma de dores emocionais. Uma das mais conhecidas na atualidade é a dor do abandono, a sensação de desamparo.

Essa lesão na alma responde por larga soma de aflições em todos os continentes do mundo. Um apelo sofrido brota no silêncio dos corações rogando proteção e amor. Não há quem não esteja carente de ser protegido e acolhido, amado e incentivado nas lutas de cada dia. Uma torturante sensação de abandono, inconsciente, na maioria das vezes, toma conta do coração humano.

São quatro as principais dores da alma provocadas pelo autoabandono: a carência, o medo, a solidão e a rejeição. Verdadeiras cadeias emocionais resultantes do egoísmo frenético e milenar.

A carência é a falta de si mesmo. A saudade de ser quem foi criado para ser. É a origem da mágoa com a vida.

O medo surge em função da falta de autoconhecimento. A angústia que brota da necessidade de se descobrir. É a origem da ansiedade.

A solidão é a desconexão com sua natureza interior. A compulsiva projeção para fora de si. É a origem da tristeza.

A rejeição é a inaceitação da pessoa ser o que ela se tornou. A distância emocional do amor-próprio. É a origem da desconfiança tóxica.

Mágoa, ansiedade, tristeza e desconfiança. Quem não padece dessas dores emocionais na escola terrena? São dores do autoabandono. São efeitos do longo tempo sem olhar para as necessidades pessoais, sem coragem de assumir sua fragilidade, seus limites e sua necessidade de amparo. 

Não ter a si próprio é o maior dos padecimentos expiatórios que pode existir. Daí surge a dor do abandono e a dolorosa expiação da ausência de sentido para viver. É, na maioria das vezes, um sofrimento não reconhecido, camuflado de vários outros dramas interiores. Na essência, é a alma suplicando amparo, carinho, consideração, acolhimento, apoio e bondade. Um apelo silencioso por amor.

Essa é a frequência criada pelo egoísmo, a estrutura interior que gera a aura da falta do autoamor. Somente na frequência do amor a criatura conseguirá a tão almejada recuperação do autoabandono.

Se foi por meio do descaso e da indiferença ao próximo que o espírito lesou a própria consciência, será também por meio da geração de relacionamentos sadios e valorosos que ele encontrará o caminho da cura.

Encontrando-se com seu próximo, descobrirá Deus. Portanto, a chave da libertação está na construção de convivências ricas de amorosidade e sabedoria. Na frequência do amor a si, ao próximo e às Leis Naturais, o espírito recupera seu poder, sua estima é desenvolvida e sua paz íntima é reestabelecida.

A energia da amorosidade preenche o coração, alinha propósitos, confere uma sensação de que forças maiores e sublimes guiam nossos passos, fortalecendo a sensação de que tudo vale a pena e tem um sentido. Ainda que exista interesse pessoal na convivência, a frequência elevada do amor transcende a natureza das intenções e dos desejos. A busca da alma nesse estágio transforma-se em sublime e redentora escola de colaboração espontânea, empatia, lealdade e diversos outros comportamentos morais dignificadores.

Do egoísmo, a criatura avança gradativamente para o estágio de autoamor, um cuidado que não exclui o próximo e deixa claro que o cuidado consigo não pode custar o preço da infelicidade alheia. O interesse pessoal transforma-se em cuidado pessoal amoroso e rico de ternura (2).

Essa frequência do amor produz frutos vigorosos, uma profunda e nítida emoção de ser amado e acolhido pelas Leis que regem o universo e uma expressão luminosa de paz na alma.

Na frequência do amor, o ser espiritual cura seu autoabandono e reveste-se da aura da amorosidade e da libertação de seu ser (3). Nessa frequência, o homem absorve Deus.


Ermance Dufaux
Belo Horizonte, fevereiro de 2018



(1) 895. Postos de lado os defeitos e os vícios acerca dos quais ninguém se pode equivocar, qual o sinal mais característico da imperfeição?

“O interesse pessoal. Frequentemente, as qualidades morais são como, num objeto de cobre, a douradura que não resiste à pedra de toque. Pode um homem possuir qualidades reais, que levem o mundo a considerá-lo homem de bem. Mas, essas qualidades, conquanto assinalem um progresso, nem sempre suportam certas provas e às vezes basta que se fira a corda do interesse pessoal para que o fundo fique a descoberto. O verdadeiro desinteresse é coisa ainda tão rara na Terra que, quando se patenteia todos o admiram como se fora um fenômeno. O apego às coisas materiais constitui sinal notório de inferioridade, porque, quanto mais se aferrar aos bens deste mundo, tanto menos compreende o homem o seu destino. Pelo desinteresse, ao contrário, demonstra que encara de um ponto mais elevado o futuro.” (O Livro dos Espíritos)

(2) Para ilustrar esta Introdução, foram construídos dois gráficos, sob a inspiração da autora espiritual, com a intenção de facilitar o entendimento geral da obra. É importante que o leitor volte a ler a Introdução acompanhando as ilustrações, para ter uma visão ampliada da proposta deste livro.

(3) Podemos perceber que Ermance acredita na capacidade de amar do ser humano. Ao tratar a amorosidade da forma como ela o faz, redireciona a capacidade de amar para ser aplicada à vida de relação, uma vez que o que sustenta o amor é a amorosidade aplicada, e não o contrário. (N.E.)



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