Hammed - Livro La Fontaine - um Estudo do Comportamento Humano - Francisco do Espírito Santo Neto
O Lobo e o Cachorro - Ajustar as velas do barco
"Muitos de nós desconhecemos o verdadeiro significado da liberdade, dádiva concedida ao indivíduo de poder exprimir-se, responsavelmente, consciência e natureza (...) A propósito, é bom lembrar que 'viver solto' é completamente diferente de 'viver livre'. - Hammed
O LOBO E O CACHORRO
Um lobo, que era magro de dar dó, pois boa vida não lhe davam os cães de guarda, certo dia encontra um desses animais, tão gordo e tão forte que era de fazer inveja.
O cão, que estava perdido, pois se distanciou dos donos enquanto eles passeavam, em vez de atacar o lobo, deu-lhe um pedaço da carne que trazia.
O lobo come com prazer, mas, temendo que o cão o atacasse, como os outros cachorros que tentavam se aproveitar de sua fraqueza, dirigiu-lhe a palavra humildemente e fez um elogio, dizendo-lhe que admirava sua robustez e que gostaria de ficar como ele.
O cão explicou-lhe: - Se quer ser bonito e gordo como eu, deixe o bosque e me acompanhe. Seus semelhantes são miseráveis, pobres diabos sem opção, cuja única condição é morrer de fome. Venha comigo e você terá um destino melhor.
O lobo perguntou: - O que será necessário fazer?
E o cachorro respondeu: - Quase nada. É mesmo pouca coisa: basta afugentar os que portam cacetes, ou vêm mendigar; defender a todos os da casa, e ao dono com agrados receber. Em troca da caça que você conseguir, as pessoas lhe darão moradia, carnes - quem sabe, até lombo, restos de ossos de peru, perdiz, frango e pombos ... Isso sem falar de muitas carícias. Venha comigo. Você irá sentir prazer em ter um senhor.
O lobo, já antevendo tamanha felicidade, chora de emoção e decide acompanhar o cão de guarda. Percorrendo o caminho que o levaria à fartura e aos bons tratos, ele vê algo que lhe pareceu suspeito no pescoço do cachorro e pergunta:
- Que é isso em seu pescoço, amigo?
- Nada ...
- Mas como nada? E essa pelada?
- Essa é a marca da coleira que põem em meu pescoço quando fico preso.
- Coleira? Preso? - indaga o lobo algo surpreso. - Não se pode sair quando se queira?
- Nem sempre, e importa?
- Claro! Isso tem muita importância. Eu nunca trocaria por qualquer iguaria a liberdade. De todas as suas refeições eu não quero nenhuma. O preço que eu teria que pagar por elas é muito alto.
Dizendo isso, o senhor lobo desaparece por entre o verde do bosque e vai caçar.
AJUSTAR AS VELAS DO BARCO...
A criatura independente e que goza de certa autonomia está apta à autorrealização, porque age, pensa, vê e sente por si mesma. Por sinal, quase sempre hostilizamos aqueles que são realmente livres, porque eles abalam nossos conceitos de vida alienada e enfadonha.
O ser liberto se autorrealiza, porque cria e produz a partir do seu plano ou projeto íntimo; conhece e vivencia a atualidade, no próprio tempo e/ou espaço, de tal modo que o âmago é quem sempre guia e orienta, conduz e ilumina a todo momento.
A pessoa livre é segura, por isso não necessita de inúmeros conselheiros, das crenças impostas, das idéias e ideais dos que se autodenominam porta-vozes do povo. Quando nos deixamos levar pelo "canto da sereia", perdemos o contato com Deus em nós.
Eis aqui uma maneira de ser livre: não ser escravo da opinião ou julgamento da massa comum, não se iludir com as aparências exteriores ou promessas espetaculares e viver o máximo possível os fatos reais, respeitando o tempo de cada conquista e reconhecendo em cada pessoa o grau evolutivo que lhe é devido.
Todos nós queremos a liberdade. Não obstante, vivemos amarrados e totalmente encarcerados por uma infinidade de ditadores externos e internos.
A liberdade não é alguma coisa que se adquire e que se dê por encerrada. Não é algo que se conquista de uma só vez, e sim uma tarefa permanente, algo que se constrói e que se deve elaborar dia após dia.
Só a possuem pessoas corajosas, as que conseguiram romper os grilhões que, diariamente, a vida em sociedade lança sobre nossas mentes.
Apenas é livre a criatura que não dá ouvidos às vozes da esclerosada opinião social. Precisamos, sim, avaliar, ponderar e julgar o que devemos ou não fazer, de acordo com nossas metas e possibilidades, e não com os pareceres alheios.
Muitos de nós desconhecemos o verdadeiro significado da liberdade, dádiva concedida ao indivíduo de poder exprimir-se, responsavelmente, de acordo com a sua vontade, consciência e natureza.
Não raro os homens trazem a "marca da coleira", como o "cão" desta fábula. Vivem alienados, distanciados das realidades que os cercam, ou melhor, sem conhecer ou compreender os impulsos íntimos (fatores sociais, emocionais e culturais), que os levam a agir e viver de forma prescritiva. A propósito, é bom lembrar que "viver solto" é completamente diferente de "viver livre".
Diante dos poucos que auxiliam libertar, há uma multidão dos que tendem aprisionar.
Se nós verdadeiramente queremos auxiliar os que amamos a serem livres, concedemos-lhes autonomia e independência tal como preservamos para nós a capacidade de nos auto governar. No entanto é bom lembrarmos de que somente Deus faz tudo para todos.
Jamais devemos ser conduzidos por padrões estereotipados. É fato alienante estar com a mente cheia de conhecimentos dos outros e não adquiridos por nós. Aprendendo a pensar por nós mesmos, experimentamos a liberdade.
CONCEITOS-CHAVE
A - ALIENAÇÃO:
É o estado doentio de um indivíduo que perdeu o contato consigo mesmo e com o que acontece em seu derredor. As pessoas alienadas carecem de si mesmas e se tornam sua própria negação. Existem coisas que não basta tê-las aprendido só pelas vias do intelecto; para assimilá-las realmente, é necessário utilizar as vias intuitivas da própria alma.
B - PROJETO ÍNTIMO:
Desejo vocacional nada tem a ver com a ansiedade de ter uma profissão que garanta bens sociais, monetários e muito prestígio. Na realidade, desejo vocacional ou projeto íntimo são a mesma coisa. O termo vocação tem abrangência bem maior do que se pensa e alcance metafísico que abarca o acúmulo de conhecimentos que o espírito armazenou ao longo das diversas encarnações. Quem persiste em seu projeto íntimo não se queixa da ventania, nem espera que ela passe; simplesmente ajusta as velas do barco da própria existência.
C - NORMATIVO:
Aquilo que não permite contestação ou contradição; que serve de norma absoluta; que estabelece padrões de comportamento perfeito.
MORAL DA HISTÓRIA
Quem age segundo o ponto de vista dos outros está muito longe de ser um homem livre. De todos os bens que o homem possa ter, o mais valioso é a liberdade. Não há utilidade, conveniência nem prazeres que compensem o seu sacrifício. A liberdade é tão-somente a capacidade de viver com as conseqüências dos próprios atos e atitudes. Não podemos mensurar a liberdade de ninguém, pois todos nós ainda não sabemos o que é ser livre de verdade. Liberdade em si não consiste em viver simplesmente livre de grilhões e sem controle, mas, sim, em ser o próprio mediador na contenção dos ímpetos, na avaliação das ações, no limite dos anseios e na moderação das emoções. Podemos ser livres sem ferir a nós e aos outros. Na realidade, ao descartarmos o "livro das convenções" teremos mais alegria e dádiva sem violar os direitos naturais que regem todos os seres humanos.
REFLEXÕES SOBRE ESTA FÁBULA E O EVANGELHO:
"( ... ) A máxima: Fora da caridade não há salvação é a consagração do princípio da igualdade diante de Deus e da liberdade de consciência; com esta máxima por regra, todos os homens são irmãos, e qualquer que seja a sua maneira de adorar a Deus, eles se estendem às mãos e oram uns pelos outros. ( .. .)" ( ESE, Cap XV, item 8, Boa Nova Editora)
"Ora, o Senhor é o Espírito; e onde está o Espírito do Senhor aí há liberdade." (II Coríntios, 3:17.)
"Não desejaríamos as coisas com ardor se soubéssemos perfeitamente o que desejamos." - La Rochefoucauld
Hammed
VÍDEO:
Fábulas de La Fontaine - com Larissa Chaves.
Com base na fábula "O Lobo e o Cachorro". Narração: Júlia Mattos.
Inspiração Espírita
Ep. 3 - Ajustar as velas do barco
Estudo sob a ótica espírita com base na obra "La Fontaine um estudo do comportamento humano", de Hammed e psicografada por Francisco do Espírito Santo Neto.
Edição: Ricardo Valois
Apoio: Marina Valois
Música: Rosalie's Waltz
Compositor: José da Vēde
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