Hammed - Livro Os Prazeres da Alma - Francisco do Espírito Santo Neto
Compaixão
A compaixão não considera as vestes físicas. Encoraja homens e mulheres, adultos e crianças, europeus e asiáticos, a descobrir sua essência real, a reencontrar suas necessidades naturais e a expressar sua unicidade como seres humanos. A partir daí, todos se favorecem, não apenas por terem maior liberdade de agir e pensar, mas também por terem autonomia de modificar suas vidas, modificando sua mentalidade.
A compaixão e a sensibilidade são partes do amor cristão e ferramentas eficazes para entrarmos em contato com o que os outros sentem e escutá-los com atenção silenciosa. Só podemos expressar autêntica compaixão se utilizarmos uma atmosfera de aceitação e respeito pelas dificuldades alheias. Dessa maneira podemos penetrar e tocar o Espírito de outra pessoa.
Quanto mais compaixão tivermos pelos outros, mais nossa visão de mundo se expandirá. Toda criatura digna tem como característica comum a compaixão.
“(…) Que os antigos tenham visto no Senhor do Universo um deus terrível, ciumento e vingativo, isso se concebe; na sua ignorância, emprestaram à divindade as paixões dos homens. Mas não está aí o Deus dos cristãos que coloca o amor, a caridade, a misericórdia, o esquecimento das ofensas no lugar das primeiras virtudes: poderia ele próprio faltar às qualidades das quais faz um dever? Não há contradição em atribuir-lhe a bondade infinita e a vingança infinita? Dizeis que antes de tudo ele é justo, e que o homem não compreende sua justiça, mas justiça não exclui a bondade, e ele não seria bom se consagrasse penas horríveis, perpétuas, à maior parte das suas criaturas (…)”.(1)
Alguns dicionários oferecem as palavras pena e dó como vocábulos de significação semelhante ao termo compaixão. No entanto, há diferença considerável entre elas. A base do aspecto conceitual da pena e do dó tem profunda ligação com uma restrita forma de ver, ou seja, o sentimento do indivíduo estaria confinado a uma linha horizontal, enquanto a compaixão estaria vinculada a uma atuação vertical.
Se nos expressamos utilizando essa alegoria de linhas geométricas, é para bem elucidar os limites em que todos nós estamos circunscritos, em se tratando do campo do sentimento e da emoção.
Ter dó aprende-se socialmente; quando temos dó ou pena de alguém é porque acreditamos que essa criatura é impotente e inferior e que, sem a nossa ajuda, não será capaz de resolver sua problemática existencial. Em outras palavras, subentende-se: “sinto-me mais poderoso, importante, eficiente e superior em relação a ela”.
Por outro lado, o sentimento de compaixão provém das profundezas da alma, envolve o sofredor em um clima de generosidade, utilizando como forma de ajuda a solidariedade. Na atitude compassiva, a criatura vê o necessitado de igual para igual, sem nenhuma distinção, e percebe que ele precisa de uma mão amiga naquele momento circunstancial e aflitivo de sua vida.
Ter compaixão é lembrar que a dor do outro poderia ser sua. É reconhecer o sofrimento do próximo e ajudá-lo a superar o momento difícil. A compaixão está intimamente ligada à ação.
O grande “pecado” que ocorre nos dias atuais entre os povos e raças e, da mesma forma, em todas as áreas dos relacionamentos humanos é a indiferença e a insensibilidade com a condição aflitiva dos seres humanos.
A insensibilidade é a mais vil transgressão das leis naturais, porque ela corrói e destrói o modo solidário de ser e viver, não só em família, mas também em sociedade.
A alegoria evangélica que o Mestre Jesus fez das sementes que caíram ao longo do caminho, entre os espinhos e sobre pedregulhos, nos faz recordar os relacionamentos que não germinam sufocados pela frieza e pela superficialidade que frequentemente existem entre os seres humanos. Um olhar atencioso e um abraço carinhoso curam mais do que inúmeras caixas de remédios – o amor expressado dissipa toda e qualquer enfermidade.
Através dos olhos da alma podemos identificar com maior nitidez as aflições e dores escondidas nos outros e, dessa forma, reconfortá-los ou acalentá-los com os braços da compaixão.
Hammed
(1) Questão 1009
Segundo esse entendimento, as penas impostos não o seriam jamais pela eternidade?
"Interrogai vosso bom senso, vossa razão, perguntai-vos se uma condenação perpétua, por alguns momentos de erro, não seria a negação da bondade de Deus? Que é, com efeito, a duração da vida, fosse ela de cem anos, em relação à eternidade? Eternidade! Compreendeis bem essa palavra? Sofrimentos, torturas sem fim, sem esperança, por algumas faltas. Vosso julgamento não rejeita semelhante pensamento? Que os antigos tenham visto no Senhor do Universo um deus terrível, ciumento e vingativo, isso se concebe; na sua ignorância, emprestaram à divindade as paixões dos homens. Mas não está aí o Deus dos cristãos que coloca o amor, a caridade, a misericórdia, o esquecimento das ofensas no lugar das primeiras virtudes: poderia ele próprio faltar às qualidades das quais faz um dever? Não há contradição em atribuir-lhe a bondade infinita e a vingança infinita? Dizeis que antes de tudo ele é justo, e que o homem não compreende sua justiça, mas a justiça não exclui a bondade, e ele não seria bom se consagrasse penas horríveis, perpétuas, à maior parte das suas criaturas. Poderia fazer a seus filhos uma obrigação da justiça, se não lhes tivesse dado os meios de compreendê-la? Aliás, não é o sublime da justiça, unida à bondade, fazer depender a duração das penas dos esforços do culpado para se melhorar? Aí está a verdade desta palavra: 'A cada um segundo suas obras'." (Santo Agostinho)
Fonte: Os Prazeres da Alma -pdf
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