quinta-feira, 23 de julho de 2020

Ermance Dufaux - Livro Reforma Íntima Sem Martírio - Wanderley S. Oliveira - Cap. 21 - Depressões Reeducativas



Ermance Dufaux - Livro Reforma Íntima Sem Martírio - Wanderley S. Oliveira - Cap. 21


Depressões Reeducativas


“Sabeis por que, às vezes, uma vaga tristeza se apodera dos vossos corações e vos leva a considerar amarga a vida?” François de Genève. (Bordeaux) 

O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. V, Item 25


Dores existenciais, quem não as experimenta?

A pergunta do Espírito François de Genève foi elaborada num tempo em que os avanços das ciências psíquicas não tinham alcançado as profícuas conquistas da atualidade. Com o título “melancolia” e utilizando o saber espírita, esse colaborador da Equipe Verdade deu a primeira palavra sobre a grave questão dos transtornos de humor e sua relação com a vida espiritual.

À luz da ciência, depressão primária é o quadro cuja doença não depende de fatores causais para surgir, sendo, em si mesma, causa e efeito. Depressão secundária é aquela que decorre de um fator causal que pode ser, por exemplo, uma outra doença grave que resulta em levar o paciente a ficar deprimido.

Boa parcela dos episódios de “depressão primária crônica”, aqueles que se prolongam e agravam no tempo mas que permanecem nos limites da neurose, ou seja, que não alcançam o nível de perda da realidade, são casos que merecem uma análise sob o enfoque espiritual graças à sua íntima vinculação com o crescimento interior.

À luz da imortalidade, as referidas depressões são como uma “tristeza do espírito” que ampliam a consciência de si. Um processo que se inicia, na maioria dos casos, antes do retorno à vida corporal quando a alma, em estado de maior “liberdade dos sentidos”, percebe com clareza a natureza de suas imperfeições, suas faltas e suas necessidades, que configuram um marcante sentimento de falência e desvio das Leis Naturais. A partir dessa visão ampliada, são estabelecidos registros profundos de inferioridade e desvalor pessoal em razão da insipiência na arte do perdão, especialmente do autoperdão. Nessa hora, quando a criatura dispõe de créditos mínimos para suportar esse “espelho da consciência”, seu processo corretivo inicia-se na própria vida extrafísica em tratamentos muitos similares aos dos nosocômios terrestres, até que haja um apaziguamento mental que lhe permita o retorno ao corpo. O mesmo não ocorre com quantos experimentam a “dura realidade” de se verem como são após a morte, mas que tombam nas garras impiedosas das trevas a que fizeram jus, regressando à vida corporal em condições expiatórias sob domínio de severas psicoses para olhar os frutos das sementes que lançou.

Nessa ótica, depressão é um doloroso estado de desilusão que acomete o ser em busca de sua recuperação perante a própria consciência na vida física.

Essa análise amplia o conceito de reforma íntima por levar-­nos a concluir que soa para alma o instante divino para a reparação, conclamando-a, após esbanjar a “Herança do Pai”, assim como o “Filho Pródigo” da parábola evangélica, ao recomeço progressivo no “Colo Paternal”, onde encontrará descanso e segurança – valores perdidos há milênios nos terrenos de sua vida afetiva.

Semelhantes depressões, portanto, são o resultado mais torturante da longa trajetória no egoísmo, porque o núcleo desse transtorno chama-­se desapontamento ou contrariedade, isto é, a incapacidade de viver e convier com a frustração de não poder ser como se quer e ter que aceitar a vida como ela é, e não como se gostaria que fosse. Considerando o egoísmo como o hábito de ter nossos caprichos pessoais atendidos, a contrariedade é o preço que pagamos pelo esbanjamento do interesse individualista em milênios afora, mas, igualmente, é o sentimento que nos fará refletir na necessidade de mudança em busca de uma postura ajustada com as Leis Naturais da vida.

Para a maioria de nós, contrariedade significa que algo ou algum acontecimento não saiu como esperávamos, por isso algumas criaturas costumam dizer: “nada na minha vida deu certo”. É tudo uma questão de interpretação. Quase sempre essa expressão “não deu certo” quer dizer que não saiu conforme nosso egoísmo. O desapontamento, portanto, é altamente educativo quando a alma, ao invés de optar pela tristeza e revolta, prefere enxergar um futuro diverso daquele que planejou e, no qual, a grande meta da felicidade pode e deve estar incluída.

O renascimento corporal é programado para que a criatura encontre nas ocorrências da existência os ingredientes precisos à sua transformação. Brota então, espontaneamente, o desajuste, em forma de insatisfação crônica com a vida, funcionando como canal de expulsão de culpas armazenadas no tempo, controladas com a força de mecanismos mentais defensivos ainda desconhecidos da ciência humana e eclodindo sem possibilidade de contenção. Um “expurgo psíquico” em doses suportáveis…

Os sintomas a partir de então são muitos conhecidos da medicina humana: a insônia, tristeza persistente, ideias de auto-extermínio, vazio existencial e outros tantos. Poderíamos asseverar que almas comprometidas com esse quadro psicológico já renascem com um “ego frágil”, suscetível a uma baixa tolerância com suas falhas e estilo de vida, uma dolorosa incapacidade de se aceitar; menos ainda de se amar. No fundo permanece o desejo impotente de querer a vida conforme seus planos, mas tudo conspira para que tenha a vida que precisa em vista de suas necessidades de aperfeiçoamento.

A rebeldia, no entanto, que é a forma revoltante de reagir perante os convites renovadores, pode agravar ainda mais a prova íntima. Nesse caso o homem soçobra em dores emocionais acerbas que o martirizam no clímax da dor-­resgate. Medo, revolta, suscetibilidade, impotência diante dos desafios são algumas das expressões afetivas que podem alcançar a morbidez, quando sustentadas pela teimosia em não aceitar os alvitres das circunstâncias que lhe contrariam os sonhos e fantasias de realização e gozo. Forma-­se então um quadro de insatisfação crônica com a vida.

Como já dissemos, esse é sem dúvida o mais infeliz efeito do nosso egoísmo, o qual age “contra” nós próprios ao decidirmos abandonar a suposta supremacia e grandeza que pensávamos possuir, em nossas ilusões milenares de orgulho que se desfazem ao sopro renovador da Verdade.

Eis as mais conhecidas facetas provacionais da vida mental e emocional do espírito que experimenta a dor das “depressões primárias crônicas”, cujo processo detona sua melhoria espiritual que já vem sendo relegada ao longo dos evos:

* Aflição antecipada com perdas – “neurose de apego”.
* Medo da frustração – “neurose de perfeccionismo”.
* Extrema resistência com a autoaceitação – “neurose de vergonha”.
* Desgaste energético pelo esforço para manter controle – “neurose de domínio”.
* Formas sutis de autopunição – “neurose de culpa”.
* Nítida sensação de que o esforço de melhoria é infrutífero – “neurose de ansiedade”.
* Acentuada suscetibilidade nos fatos corriqueiros – “neurose de autopiedade”.
* Surgimento imprevisto e sem razões de preocupações inúteis – “neurose de martírio”.

A depressão assim analisada é uma forma de focar o mundo provocada por fatores intrínsecos, endógenos, desenvolvidos em milênios de egoísmo e orgulho. Chamamo-­la em nosso plano de “silenciosa expiação reparadora”.

Acostumados a impor nossos desejos e a imprimir a marca do individualismo, somos agora chamados pela dor reeducativa a novos posicionamentos que nos custam, quase sempre, a cirurgia dos quistos de pretensão e onipotência, ao preço de “silenciosa expiação” no reino da vida mental. Somos “contrariados” pela vida para que eduquemos nossas potencialidades.

Infelizmente, com raras exceções, nossos gostos são canteiros de ilusões onde semeamos os interesses pessoais, em franca indiferença às necessidades do próximo, colhendo frutos amargos que nos devolvem à realidade.

Há que se ter muita humildade para aceitar a vida como ela é, compreender suas “reclamações” endereçadas à nossa consciência e tomar uma postura reeducativa. O orgulho é o “manto escuro” que tecemos com o fio do egoísmo, com o qual procuramos nos proteger da inferioridade que recalcitramos aceitar em nós mesmos de longa data.

Bom será quando tivermos a coragem de nos mirar no “espelho da honestidade” e aprender a conduta excelsa do perdão, porque quem perdoa conquista sua alforria das celas da mágoa e da culpa. Conquanto a princípio o sentimento de culpa possa fazer parte da reconstrução de nossos caminhos, temos a assinalar que a sua presença ainda é sinal de orgulho por expressar nossa inconformação com o que somos, ou nossa rebeldia em aceitar nossa falibilidade. Se o orgulho é um “manto”, com o qual ingenuamente acreditamos estar protegidos dos alvitres vindos de fora concitando-­nos à autenticidade, a culpa é a lâmina cortante vindo de dentro que nos retira o controle e exige um novo proceder.

Apesar do quadro expiatório, as depressões reeducativas quando vencidas trazem como prêmio um extraordinário domínio de si mesmo, sem que isso signifique “querer viver a vida a seu gosto”, e também um largo autoconhecimento. Passada a prova, ficará o aprendizado.

Essa depressão reeducativa afiniza-­se, sobremaneira, com a visão de François de Genève porque a maior aspiração da alma é se libertar das ilusões da vida material e gozar das companhias eleitas. Assim expressa o autor: “Se, no curso desse degredo-­provação, exonerando-vos dos vossos encargos, sobre vós desabarem os cuidados, as inquietações e tribulações, sede fortes e corajosos para os suportar. Afrontai-os resolutos. Duram pouco e vos conduzirão à companhia dos amigos por quem chorais e que, jubilosos por ver-vos de novo entre eles, vos estenderão os braços, a fim de guiar-­vos a uma região inacessível às aflições da Terra”.


Ermance Dufaux







Fonte: Reforma Íntima Sem Martírio -pdf

Nenhum comentário:

Postar um comentário