André Luiz - Livro Libertação - Chico Xavier - Cap. 5
Operações seletivas
Transcorridas longas horas em compartimento escuro, aproveitadas em meditações e preces, sem entendimentos verbais, fomos conduzidos, na noite imediata, a um edifício de grandes e curiosas proporções.
O esquisito palácio guardava a forma de enorme hexágono, alongando-se para cima em torres pardacentas, e reunia muitos salões consagrados a estranhos serviços.
Iluminado externa e interiormente pela claridade de volumosos tocheiros, apresentava o aspecto desagradável de uma casa incendiada.
Sob a custódia de quatro guardas da residência de Gregório, que nos comunicaram a necessidade de exame antes de qualquer contato direto com o aludido sacerdote, penetramos o recinto de largas dimensões, no qual se congregavam algumas dezenas de entidades em deploráveis condições.
Moços e velhos, homens e mulheres, aí se misturavam em relativo silêncio.
Alguns gemiam e choravam.
Reparei que a multidão se constituía, em sua quase totalidade, de almas doentes. Muitos padeciam desequilíbrios mentais visíveis.
Observei-lhes, impressionado, o aspecto enfermiço.
O perispírito de todos os que aí se enclausuravam, pacientes e espectadores, mostrava a mesma opacidade do corpo físico. Os estigmas da velhice, da moléstia e do desencanto, que perseguem a experiência humana, ali triunfavam, perfeitos…
O medo controlava os mais desesperados, porque o silêncio caía, abafante, embora a inquietação que transparecia de todos os rostos.
Alguns servidores da casa, em trajes característicos, separavam, por grupos vários, as pessoas desencarnadas que entrariam, naquele momento, em seleção para julgamento oportuno.
Discretamente, o Instrutor elucidou-nos:
— Presenciamos uma cerimônia semanal dos juízes implacáveis que vivem sediados aqui. A operação seletiva realiza-se com base nas irradiações de cada um. Os guardas que vemos em trabalho de escolha, compondo grupos diversos, são técnicos especializados na identificação de males numerosos, através das cores que caracterizam o halo dos Espíritos ignorantes, perversos e desequilibrados. A divisão para facilitar o serviço judiciário é, por isto mesmo, das mais completas.
A essa altura, o pessoal de Gregório nos dera tréguas, afastando-se de nós, de algum modo, não obstante vigiar-nos das galerias repletas de gente.
Respeitado o nosso trio pelos selecionadores que não nos alteraram a união, situávamo-nos, agora, no campo das vítimas.
Atento à explicação ouvida, indaguei, curioso:
— Todas estas entidades vieram constrangidas, conforme sucedeu conosco? Há Espíritos satânicos, recordando as oleografias religiosas da Crosta, disputando as almas no leito de morte?
O orientador obtemperou, muito calmo:
— Sim, André, cada mente vive na companhia que elege. Semelhante princípio prevalece para quem respira no corpo denso ou fora dele.
É imperioso reconhecer, porém, que a maioria das almas asiladas neste sítio vieram ter aqui, obedecendo a forças de atração. Incapazes de perceber a presença dos benfeitores espirituais que militam entre os homens encarnados, em tarefas de renunciação e benevolência, em vista do baixo teor vibratório em que se precipitaram, através de delitos reiterados, da ociosidade impenitente ou da deliberada cristalização no erro, não encontraram senão o manto de sombras em que se envolveram e, desvairadas, sozinhas, procuraram as criaturas desencarnadas que com elas se afinam, agregando-se naturalmente a este imenso cortiço, com toda a bagagem de paixões destruidoras que lhes marcam a estrada.
Aportando aqui, sofrem, porém, a vigilância de inteligências poderosas e endurecidas que imperam ditatorialmente nestas regiões, onde os frutos amargos da maldade e da indiferença enchem o celeiro dos corações desprevenidos e maliciosos.
— Oh! — Exclamei em voz sussurrante, — por que motivo confere o Senhor atribuições de julgadores a Espíritos despóticos? Por que estará a justiça, nesta cidade estranha, em mãos de príncipes diabólicos?
Gúbio estampou na fisionomia significativa expressão e ajuntou:
— Quem se atreveria a nomear um anjo de amor para exercer o papel de carrasco? Ao demais, como acontece na Crosta Planetária, cada posição, além da morte, é ocupada por aquele que a deseja e procura.
Vagueei o olhar, em derredor, e confrangeu-se-me toda a alma. Na comunidade das vítimas, arrebanhadas aos magotes, como se fossem animais raros para uma festa, predominavam a humildade e a aflição; mas, entre as sentinelas que nos rodeavam, a peçonha da ironia transbordava.
Palavrões eram desferidos, desrespeitosamente, a esmo.
À frente de vasta tribuna vazia e sob as galerias laterais abarrotadas de povo, compacta multidão se amontoava, irreverente.
Alguns minutos decorreram, desagradáveis e pesados, quando absorvente vozerio se fez ouvido:
— Os magistrados! Os magistrados! Lugar! Lugar para os sacerdotes da justiça!
Procurei a paisagem exterior, curiosamente, tanto quanto me era possível, e vi que funcionários rigorosamente trajados à moda dos lictores da Roma antiga, carregando a simbólica machadinha (fasces) ao ombro, avançavam, ladeados por servidores que sobraçavam grandes tochas a lhes clarearem o caminho. Penetraram o átrio em passos rítmicos e, depois deles, sete andores, sustentados por dignitários diversos daquela corte brutalizada, traziam os juízes, esquisitamente ataviados.
Que solenidade religiosa era aquela? As poltronas suspensas eram, em tudo, idênticas à “sédia gestatória” das cerimônias papalinas.
Varando, agora, o recinto, os lictores passaram o instrumento simbólico às mãos e alinharam-se, corretos, perante a tribuna espaçosa, sobre a qual resplandecia alarmante facho de luz.
Os julgadores, por sua vez, desceram, pomposos, dos tronos içados e tomaram assento numa espécie de nicho a salientar-se de cima, inspirando silêncio e temor, porque a turba inconsciente em redor, calou-se de súbito.
Tambores variados rufaram, como se estivéssemos numa parada militar em grande estilo, e uma composição musical semisselvagem acompanhou-lhes o ritmo, torturando-nos a sensibilidade.
Terminado aquele ruído, um dos julgadores se levantou e dirigiu-se à massa, aproximadamente nestes termos:
— “Nem lágrimas, nem lamentos.
“Nem sentença condenatória, nem absolvição gratuita.
“Esta casa não pune, nem recompensa.
“A morte é caminho para a justiça.
“Escusado qualquer recurso à compaixão, entre criminosos.
“Não somos distribuidores de sofrimento, e, sim, mordomos do Governo do Mundo.
“Nossa função é a de selecionar delinquentes, a fim de que as penas lavradas pela vontade de cada um sejam devidamente aplicadas em lugar e tempo justos.
“Quem abriu a boca para vilipendiar e ferir, prepare-se a receber, de retorno, as forças tremendas que desencadeou através da palavra envenenada.
“Quem abrigou a calúnia, suportará os gênios infelizes aos quais confiou os ouvidos.
“Quem desviou a visão para o ódio e para a desordem, descubra novas energias para contemplar os resultados do desequilíbrio a que se consagrou, espontaneamente.
“Quem utilizou as mãos em sementeiras de malícia, discórdia, inveja, ciúme e perturbação deliberada, organize resistência para a colheita de espinhos.
“Quem centralizou os sentidos no abuso de faculdades sagradas espere, doravante, necessidades enlouquecedoras, porque as paixões envilecentes, mantidas pela alma no corpo físico, explodem aqui, dolorosas e arrasadoras.
A represa por longo tempo guarda micróbios e monstros, segregados a distância do curso tranquilo das águas; todavia, chega um momento em que a tempestade ou a decadência surpreendem a obra vigorosa de alvenaria e as formas repelentes, libertadas, se espalham e crescem em toda a extensão da corrente.
“Seguidores do vício e do crime, tremei!
“Condenados por vós mesmos, conservais a mente prisioneira das mais baixas forças da vida, à maneira do batráquio encarcerado no visco do pântano, ao qual se habituou no transcurso dos séculos!…”
Nesse ponto, o orador fez pausa e reparei os circunstantes.
Olhos esgazeados pelo pavor jaziam abertos em todas as máscaras fisionômicas.
O juiz, por sua vez, não parecia respeitar o menor resquício de misericórdia. Mostrava-se interessado em criar ambiente negativo a qualquer espécie de soerguimento moral, estabelecendo nos ouvintes angustioso temor.
Prolongando-se o intervalo, enderecei com o olhar silenciosa interrogação ao nosso orientador, que me falou quase em segredo:
— O julgador conhece à saciedade as leis magnéticas, nas Esferas inferiores, e procura hipnotizar as vítimas em sentido destrutivo, não obstante usar, como vemos, a verdade contundente.
— Não vale acusar a edilidade desta colônia, — prosseguiu a voz trovejante, — porque ninguém escapará aos resultados das próprias obras, quanto o fruto não foge às propriedades da árvore que o produziu.
Amaldiçoados sejam pelo Governo do Mundo quem nos desrespeite as deliberações, baseadas, aliás, nos arquivos mentais de cada um.
Assinalando, intuitivamente, a queixa mental dos ouvintes, bradou, terrificante:
— Quem nos acusa de crueldade? Não será benfeitor do espírito coletivo o homem que se consagra à vigilância de uma penitenciária? E quem sois vós, senão rebotalho humano? Não viestes, até aqui, conduzidos pelos próprios ídolos que adorastes?
Nesse momento, convulsivo choro invadiu a muitos.
Gritos atormentados, rogativas de compaixão se fizeram ouvir. Muitos se prosternaram de joelhos.
Imensa dor generalizara-se.
Gúbio trazia a destra sobre o peito, como se contivesse o coração, mas, vendo por minha vez aquele grande grupo de Espíritos rebelados e humilhados, orgulhosos e vencidos, lastimando amargamente as oportunidades perdidas, recordei meus velhos caminhos de ilusão e — porque não dizer? Ajoelhei-me também, compungido, implorando piedade em silêncio.
Exasperado, o julgador bradou, colérico:
— Perdão? Quando desculpastes sinceramente os companheiros da estrada? Onde está o juiz reto que possa exercer, impune, a misericórdia?
E incidindo toda a força magnética que lhe era peculiar, através das mãos, sobre uma pobre mulher que o fixava, estarrecida, ordenou-lhe com voz soturna:
— Venha! Venha!
Com expressão de sonâmbula, a infeliz obedeceu à ordem, destacando-se da multidão e colocando-se, em baixo, sob os raios positivos da atenção dele.
— Confesse! Confesse! — Determinou o desapiedado julgador, conhecendo a organização frágil e passiva a que se dirigia.
A desventurada senhora bateu no peito, dando-nos a impressão de que rezava o “confiteor” e gritou, lacrimosa:
— Perdoai-me! Perdoai-me, ó Deus meu!
E como se estivesse sob a ação de droga misteriosa que a obrigasse a desnudar o íntimo, diante de nós, falou, em voz alta e pausada:
— Matei quatro filhinhos inocentes e tenros… e combinei o assassínio de meu intolerável esposo… O crime, porém, é um monstro vivo. Perseguiu-me, enquanto me demorei no corpo… Tentei fugir-lhe através de todos os recursos, em vão… e por mais buscasse afogar o infortúnio em “bebidas de prazer”, mais me chafurdei… no charco de mim mesma…
De repente, parecendo sofrer a interferência de lembranças menos dignas, clamou:
— Quero vinho! Vinho! Prazer!…
Em vigorosa demonstração de poder, afirmou, triunfante, o magistrado:
— Como libertar semelhante fera humana ao preço de rogativas e lágrimas?
Em seguida, fixando sobre ela as irradiações que lhe emanavam do temível olhar, asseverou, peremptório:
— A sentença foi lavrada por si mesma! Não passa de uma loba, de uma loba, de uma loba…
À medida que repetia a afirmação, qual se procurasse persuadi-la a sentir-se na condição do irracional mencionado, notei que a mulher, profundamente influenciável, modificava a expressão fisionômica. Entortou-se-lhe a boca, a cerviz curvou-se, espontânea, para a frente, os olhos alteraram-se, dentro das órbitas. Simiesca expressão revestiu-lhe o rosto.
Via-se, patente, naquela exibição de poder, o efeito do hipnotismo sobre o corpo perispirítico.
Em voz baixa, procurei recolher o ensinamento de Gúbio, que me esclareceu num cicio:
— O remorso é uma bênção, sem dúvida, por levar-nos à corrigenda, mas também é uma brecha, através da qual o credor se insinua, cobrando pagamento. A dureza coagula-nos a sensibilidade durante certo tempo; todavia, sempre chega um minuto em que o remorso nos descerra a vida mental aos choques de retorno das nossas próprias emissões.
E acentuando, de modo singular, a voz quase imperceptível, acrescentou:
— Temos aqui a gênese dos fenômenos de licantropia, inextricáveis, ainda, para a investigação dos médicos encarnados.
Lembras-te de Nabucodonosor, o rei poderoso, a que se refere a Bíblia? Conta-nos o Livro Sagrado que ele viveu, sentindo-se animal, durante sete anos.
O hipnotismo é tão velho quanto o mundo e é recurso empregado pelos bons e pelos maus, tomando-se por base, acima de tudo, os elementos plásticos do perispírito.
Notando, porém, que a mulher infeliz prosseguia guardando estranhos caracteres no semblante perguntei:
— Esta irmã infortunada permanecerá doravante em tal aviltamento da forma?
Finda longa pausa, o Instrutor informou, com tristeza:
— Ela não passaria por esta humilhação se não a merecesse. Além disso, se se adaptou às energias positivas do juiz cruel, em cujas mãos veio a cair, pode também esforçar-se intimamente, renovar a vida mental para o bem supremo e afeiçoar-se à influenciação de benfeitores que nunca escasseiam na senda redentora.
Tudo, André, em casos como este, se resume a problema de sintonia. Onde colocamos o pensamento, aí se nos desenvolverá, a própria vida.
O orientador não conseguiu continuar.
Ao redor de nós, as lamentações se fizeram estridentes.
Interjeições de espanto e dor eram proferidas sem rumo.
O magistrado, que detinha a palavra, determinou silêncio e exprobrou, asperamente, a atitude dos queixosos.
Logo após, notificou que os Espíritos Seletores se materializariam, em breves minutos, e que os interessados poderiam solicitar deles as explicações que desejassem.
Concomitantemente, ergueu as mãos em mímica reverencial e, fazendo-nos sentir que presidia ao estranho cenáculo, fez uma invocação em alta voz, denunciando, nos gestos, a condição de respeitável hierofante, em grande solenidade.
Terminada que foi a alocução, vasto lençol nebuloso, semelhante a uma nuvem móvel, apareceu na tribuna que se mantinha, até então, despovoada.
E pouco a pouco, diante de nossos olhos assombrados, três entidades tomaram forma perfeitamente humana, apresentando uma delas, a que no porte guardava maior autoridade hierárquica, pequeno instrumento cristalino nas mãos.
Trajavam túnicas de curiosa e indefinível substância em amarelo vivo e revestiam-se de halo afogueado, não brilhante. Essa auréola, mais acentuadamente viva em volta da fronte, desferia radiações perturbadoras, que recordavam a esbraseada expressão do ferro incandescido.
Ambos os acólitos da personalidade central do trio tomaram folhas de apontamento num cofre vizinho e, ladeando-a, [1] desceram até nós, em silêncio.
Inesperada quietação tomou a turba, dantes agitada.
Ainda não sei de que recôndita organização provinham tais funcionários espirituais; no entanto, reparei que o chefe da expedição tríplice mostrava infinita melancolia na tela fisionômica.
Alçou ele o instrumento cristalino, à frente do primeiro grupo, formado de catorze homens e mulheres de vários tipos. Efetuou observações que não pude acompanhar e disse algo aos companheiros que se dispuseram à anotação imediata. Antes, porém, que se retirasse, dois membros do conjunto avançaram implorando socorro:
— Justiça! Justiça! — Suplicou o primeiro, — estou punido sem culpa… Fui homem de pensamento e de letras, entre as criaturas encarnadas… Porque deverei suportar a companhia dos avarentos?
Fitando o seletor, angustiadamente, reclamou:
— Se escolheis com equidade, livrai-me do labirinto em que me vejo!
Não terminara, e o segundo interferiu, ajuntando:
— Magistrado venerável, por quem sois!… Não pertenço à classe dos sovinas. Imantaram-me a seres sórdidos e desprezíveis! Minha vida transcorreu entre livros, não entre moedas… A Ciência fascinou-me, os estudos eram meu tema predileto… Pode, assim, o intelectual equiparar-se ao usurário?
O dirigente da seleção mostrou reservada piedade no semblante calmo e elucidou, firme:
— Clamais debalde, porque desagradável vibração de egoísmo cristalizante vos caracteriza a todos. Que fizestes do tesouro cultural recebido? Vosso “tom vibratório” demonstra avareza sarcástica.
O homem que ajunta letras e livros, teorias e valores científicos, sem distribuí-los a benefício dos outros, é irmão infortunado daquele que amontoa moedas e apólices, títulos e objetos preciosos, sem ajudar a ninguém. O mesmo prato lhes serve na balança da vida.
— Por amor de Deus! — Suplicou um dos circunstantes, comovedoramente.
— Esta casa é de justiça, em nome do Governo do Mundo! — Afiançou o explicador sem alterar-se.
E impassível, embora visivelmente amargurado, pôs-se em marcha.
Auscultava uma formação de oito pessoas; todavia, enquanto se comunicava com os assessores, acerca das observações recolhidas, um cavalheiro de faces macilentas salientou-se e exclamou, estadeando enorme fúria:
— Que ocorre neste recinto misterioso? Estou entre caluniadores confessos, quando desempenhei o papel de homem honrado… Criei numerosa família, nunca traí as obrigações sociais, fui correto e digno e, não obstante aposentado desde cedo, cumpri todos os deveres que o mundo me assinalou…
Com acento colérico, aduzia, aflito:
— Quem me acusa?… Quem me acusa?…
O selecionador elucidou, sereno:
— A condenação transparece de vós mesmo. Caluniastes vosso próprio corpo, inventando para ele impedimentos e enfermidades que só existiam em vossa imaginação, interessada na fuga ao trabalho benéfico e salvador. Debitastes aos órgãos robustos deficiências e moléstias deploráveis, tão somente no propósito de conquistardes repouso prematuro. Conseguistes quanto pretendíeis. Empenhastes amigos, subornastes consciências delituosas e obtivestes o descanso remunerado, durante quarenta anos de experiência terrestre em que outra ação não desenvolvestes senão dormir e conversar sem proveito. Agora, é razoável que o vosso círculo vital se identifique ao de quantos se mergulharam no pântano da calúnia criminosa.
O infeliz não teve forças para a tréplica. Submeteu-se, em lágrimas, à argumentação ouvida e retomou o lugar que lhe competia.
Alcançando o terceiro grupo, constituído de mulheres diversas, mal havia aplicado o singular instrumento ao campo vibratório que lhes dizia respeito, foi o mensageiro abordado por uma senhora, pavorosamente desfigurada, que lhe lançou em rosto atrozes queixas.
— Porque tamanha humilhação? — Inquiriu em pranto copioso, — fui dona de uma casa que me encheu de trabalho, voltei para cá rodeada de especiais considerações, naturalmente devidas ao meu estado social e arrebanham-me entre mulheres sem pudor? Que autoridades são estas que impõem a mim, dama de nobre procedência, o convívio de meretrizes?
Forte crise de soluços embargou-lhe a voz.
O selecionador, no entanto, dentro de uma calma que mais se avizinhava da frieza, declarou sem rebuços:
— Estamos numa Esfera onde o equívoco se faz mais difícil. Consultai a própria consciência. Teríeis sido, realmente, a padroeira de um lar respeitável, como julgais? O teor vibratório assevera que as vossas energias santificantes de mulher, em maior parte, foram desprezadas. Vossos arquivos mentais se reportam a desregramentos emotivos em cuja extinção gastareis longo tempo. Ao que parece, o altar doméstico não foi bem o vosso lugar.
A senhora gritou, gesticulou, protestou, mas os selecionadores prosseguiram na tarefa a que se impunham.
Ao nosso lado, aplicou o instrumento, em que se salientavam pequeninos espelhos e falou para os auxiliares, definindo-nos a posição:
— Entidades neutras.
Fixou-nos com penetrante fulguração de olhar, como se nos surpreendesse, mudo, as intenções mais profundas e passou adiante.
Instado por mim, Gúbio esclareceu:
— Não fomos acusados. Ser-nos-á possível o engajamento no serviço desejado.
— Que aparelho vem a ser esse? — Indagou Elói, antecipando-me a curiosidade.
O orientador não se fez rogado e elucidou:
— Trata-se de um captador de ondas mentais.
A seleção individual exigiria longas horas. As autoridades que dominam nestas regiões preferem a apreciação em grupo, o que se faz possível pelas cores e vibrações do círculo vital que nos rodeia a cada um.
— Porque nos considerou neutros? — Interroguei por minha vez.
— O instrumento não é suscetível de marcar a posição das mentes que já se transferiram para a nossa Esfera. É recurso para a identificação de perispíritos desequilibrados e não atinge a zona superior.
— Mas, — perguntei, ainda, — porque se fala nesta casa em nome do Governo do Mundo?
O Instrutor endereçou-me expressivo gesto e ajuntou:
— André, não te esqueças de que nos encontramos num Plano de matéria algum tanto densa e não nos Círculos de gloriosa santidade. Não olvides a palavra “evolução” e recorda que os maiores crimes das civilizações terrestres foram cometidos em nome da Divindade. Quanta vez, no corpo físico, notamos sentenças cruéis, emitidas por Espíritos ignorantes, em nome de Deus?
Pouco a pouco, a cerimônia terminou com a mesma imponência de culto externo em que se havia iniciado e, sob a vigilância das sentinelas, tornamos ao ponto de origem, guardando inesperadas meditações e profundos pensamentos.
André Luiz
[1] [Ladeando a tribuna.]
VÍDEO:
Libertação - Cap. 05 - Operações seletivas - Parte 01 & 02
O Espírito da Letra
Apresentação: André Luiz Ruiz
O Espírito da Letra - Libertação - Analisando a obra de André Luiz psicografia de Chico Xavier.
Produção - TV Alvorada Espírita - http://www.tvalvoradaespirita.com.br
Realização - TV Mundo Maior - http://www.tvmundomaior.com.br
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