André Luiz - Livro Entre a Terra e o Céu - Chico Xavier - Cap. 27
Preparando a volta
Quatro semanas correram céleres, quando fomos realmente procurados por Odila, no Templo do Socorro, para um entendimento particular.
Clarêncio, Hilário e eu recebemo-la quase sem surpresa.
Vinha algo triste e preocupada.
Com respeitosa delicadeza, contou-nos a experiência inquietante que atravessava.
Júlio prosseguia apresentando na fenda glótica a mesma ferida. Instalara-se com ele em aposentos adequados na Escola das Mães e ao filhinho dispensava todo o cuidado suscetível de reerguer-lhe as energias, entretanto, a luta continuava… Recursos medicamentosos e passes magnéticos não faltavam, contudo, não surtiam efeito.
Daria tudo para vê-lo forte e feliz.
Esperava a descoberta de algum milagre, capaz de atender-lhe o anseio de mãe, no entanto, visitara em companhia de Blandina outros setores de assistência à infância torturada; vira inúmeras crianças infelizes, portadoras de problemas talvez mais dolorosos que aqueles do filhinho bem-amado.
Apavorara-se.
Jamais supusera a existência de tantas enfermidades depois da morte.
Tentara obter os bons ofícios de vários amigos, para esclarecer-se convenientemente, e todos, à uma, repetiam sempre que os compromissos morais adquiridos conscientemente na carne somente na carne deveriam ser resolvidos, e que, por isso mesmo, a reencarnação para Júlio era o único caminho a seguir.
O corpo físico funcionaria como abafador da moléstia da alma, sanando-a, pouco a pouco…
Que fizera o menino no pretérito para receber semelhante punição?
A pobre senhora enxugava as lágrimas que lhe caíam espontâneas.
Clarêncio, profundo conhecedor do sofrimento humano, falou como sacerdote:
— Odila, o passado agora não é o remédio próprio. Atendamos à hora que passa. Temos Júlio extremamente necessitado à nossa frente e o alívio dele é o nosso objetivo mais imediato.
A mãezinha resignada concordou num gesto silencioso.
— Também creio, — prosseguiu o nosso instrutor, imperturbável, — que a reencarnação do pequeno é urgente medida se desejamos observá-lo no caminho da própria recuperação.
— Irmã Clara recomendou-me viesse rogar-lhe o concurso. Ajude-me, abnegado amigo!…
— Somos todos irmãos, — ajuntou Clarêncio generoso, — e achamo-nos uns à frente dos outros para a prestação do serviço mútuo.
Nosso Júlio não é uma criatura comum e, por esse motivo, não seria justo renascer no mundo a esmo, como planta inculta germinando à toa, no mato da vida inferior. Assim sendo, analisemos o quadro de tuas relações afetivas…
Depois de ligeira pausa, acrescentou:
— Tens grande plantio de amizades puras na Terra? Em questões de auxílio, não podemos perder os nossos sentimentos de vista. 2 Tanto para entrar no reino do Espírito, como para entrar no reino da carne, em melhores condições, não podemos prescindir da cooperação de amigos sinceros que nos conheçam e nos amem..
— Ah! Sim, compreendo… — Exclamou a interlocutora com algum desapontamento. — Sempre ocupada com a nossa casa e com a nossa família, nunca pude efetivamente cultivar tantas afeições, como seria de desejar. Amaro, porém…
— Perfeitamente, — atalhou o Ministro, completando-lhe a frase, — estou certo de que Amaro continuará sendo para o menino um admirável companheiro, entretanto, não podemos dispensar no cometimento o concurso de Zulmira. Precisamos dela no trabalho maternal. Para isso, é imprescindível te faças mais devotada, mais amiga… Um esforço pede outro. Sem o lubrificante da cooperação, a máquina da vida não funciona.
Os olhos de Odila faiscaram de esperança.
— Tudo farei por ajudá-la, auxiliando a mim mesma, — disse, comovida, — entendo mesmo nesse imperativo de fraternidade a doce determinação do Senhor, constrangendo-me a operosa boa vontade para com ela.
Realmente, — acentuou, sorrindo, — reparo quão sublime é a Infinita Bondade do Céu. A princípio lutei contra Zulmira, desejando ser amada de meu esposo, agora devo lutar em favor de nossa irmã por amar o meu filho.
Muito erramos, disputando o amor dos outros, entretanto, corrigimo-nos e acertamos o passo, quando procuramos amar…
— Sem dúvida, as tuas conclusões são luminoso ensinamento, — concordou o Ministro, bem humorado; — em tudo vemos a Eterna Sabedoria.
— Devo buscar alguma regra específica?
— Creio, — ponderou o nosso orientador que as tuas visitas afetuosas ao antigo lar, consolidando-lhe a harmonia, são a providência básica para que Júlio encontre um clima de confiança. 9 Admito que o nosso pequeno reclama especiais atenções, considerando-se-lhe a posição de enfermo, para quem a reencarnação apresenta obstáculos justos.
O entendimento alongou-se por mais tempo, entre os conselhos paternais do Ministro e a sincera humildade da visitante.
Quando Odila se despediu, desfechamos sobre o instrutor algumas perguntas que nos fustigavam a cabeça.
A reencarnação como lei exigia o concurso da amizade para cumprir-se? Os desafetos da vida influíam em nosso futuro? O trabalho reencarnatório não seria uma imposição natural?
Clarêncio ouviu, atencioso, as indagações e respondeu, satisfeito:
— A lei é sempre a lei. Cabe-nos tão somente respeitá-la e cumpri-la. Nossa atitude, porém, pode favorecer-lhe ou contrariar-lhe o curso, em favor ou em prejuízo de nós mesmos.
O renascimento na carne funciona em condições idênticas para todos, contudo, à medida que se nos desenvolvem o conhecimento e o amor, conseguimos colaborar em todos os serviços do aperfeiçoamento moral em nossas recapitulações. 14 A alma, como a planta, pode ressurgir em qualquer trato de solo, mas não seria justo relegar sementes selecionadas a terrenos incultos.
A reencarnação, por si, tanto quanto ocorre nos reinos inferiores à evolução humana, obedece a princípios embriogênicos automáticos, com bases na sintonia magnética; contudo, em se tratando de criaturas com alguns passos à frente da multidão comum, é possível ajustar providências que favoreçam a execução da tarefa a cumprir. Nesses casos, a plantação de simpatia é fator decisivo na obtenção dos recursos de que necessitamos…
Quem cultiva a amizade somente na família consanguínea, dificilmente encontra meios para desempenhar certas missões fora dela. Quanto mais extenso o nosso raio de trabalho e de amor, mais ampla se faz a colaboração alheia em nosso benefício.
— E quando, desprevenidos, deixamos que a antipatia cresça em derredor de nós? — Inquiriu Hilário, com interesse.
— Toda antipatia conservada é perda de tempo, em muitas ocasiões acrescida de lamentáveis compromissos. O espinheiro da aversão exige longos trabalhos de reajuste. Em várias circunstâncias, para curar as chagas de um desafeto, gastamos muitos anos, perdendo o contato com admiráveis companheiros de nossa jornada espiritual para a Grande Luz.
A palavra de Clarêncio impunha-nos graves reflexões e talvez por isso a quietação baixou sobre nós.
Soubemos, mais tarde, que a genitora de Evelina passou a dispensar envolvente carinho ao ferroviário e à companheira doente, que, à custa de muito esforço dela, restabeleceu afinal a saúde orgânica.
Preparando o retorno do filhinho, Odila associou-se, de coração, à tarefa de restaurar-lhes a harmonia conjugal e o contentamento de viver.
Foi assim que, transcorridas algumas semanas, recebemos um convite da Irmã Clara para uma visita ao Lar da Bênção.
Em noite próxima, Odila conduziria a segunda esposa de Amaro ao encontro de Júlio, como derradeira preliminar do trabalho reencarnatório.
No momento aprazado, achávamo-nos a postos.
Blandina, Mariana, Clarêncio, Hilário e eu, palestrando animadamente em aposentos reservados na Escola das Mães, cercávamos o alvo berço em que o doentinho gemia de quando em quando.
Assistida por irmã Clara, Odila demandara o antigo ninho doméstico, no propósito de acompanhar Zulmira até nós.
Decorrido algum tempo de expectação, as três chegaram, envolvidas em luminosa onda de paz.
Enlaçada pelos braços das duas protetoras, a ex-obsidiada parecia feliz, não obstante a impressão de medo e insegurança que lhe transparecia do olhar.
Respondeu-nos as saudações com a estranheza de quase todos os encarnados que alcançam as Esferas superiores da vida espiritual, antes da morte física, e, logo após, sustentada pelas companheiras, aproximou-se do pequeno enfermo, identificando-o, espantada.
— Será Júlio, meu Deus?
— É verdadeiramente Júlio! — Confirmou Odila, fraternal, — para ele te rogamos socorro! Nosso pequeno precisa renascer, Zulmira! Poderás auxiliá-lo, oferecendo-lhe o regaço de mãe?
Vimos a interpelada em lágrimas de alegria.
Inclinou-se sobre o menino, afagando-o com intraduzível ternura, e falou em voz quase sufocada pela comoção:
— Estou pronta! Devo a Júlio cuidados que lhe neguei… Louvo reconhecidamente a Deus por esta graça! Sinto que assim nunca mais serei assaltada pelo remorso de não haver feito por ele quanto me competia!… Será meu filho, sim!… Conchegá-lo-ei de encontro ao peito! Ó Senhor, ampara-me!…
Abraçou o menino enfermo e afigurou-se-nos, desde então, incapaz de qualquer sintonia conosco. Talvez religada, de súbito, a inquietantes recordações da fixação mental que atravessara, pareceu-nos cega e surda, sob o império de inesperada introversão.
O Ministro, atendendo ao apelo de Clara, abeirou-se dela e amparou-a, recomendando:
— Convém seja nossa irmã restituída ao lar terrestre. O choque repetido será prejuízo grave. Amanhã, reconduziremos nosso pequeno ao santuário doméstico de onde veio, confiando-o, enfim, à tarefa do recomeço.
A sugestão foi obedecida.
E enquanto Zulmira voltava ao templo familiar, arquivávamos nossa expectação, à espera do dia seguinte.
André Luiz
VÍDEO:
Entre a Terra e o Céu - Chico Xavier - Cap. 27 & 28
O Espírito da Letra
Apresentação: André Luiz Ruiz
O Espírito da Letra - Analisando a obra de André Luiz Entre a Terra e o Céu - Psicografia de Chico Xavier
Capítulo 27 - Preparando a volta Capítulo
28 - Retorno
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