quarta-feira, 29 de junho de 2022

Léon Denis - Livro Cristianismo e Espiritismo - Cap. 10 - A Nova Revelação - a Doutrina dos Espíritos - Pág 208 - A lei do destino



Léon Denis - Livro Cristianismo e Espiritismo - Cap. 10 - A Nova Revelação - a Doutrina dos Espíritos - Pág 208


A lei do destino


A lei do destino – as precedentes considerações no-la fazem compreender – consiste no desenvolvimento progressivo da alma, que edifica a sua personalidade moral e prepara, ela própria, o seu futuro; é a evolução racional de todos os seres partidos do mesmo ponto para atingirem as mesmas eminências, as mesmas perfeições. Essa evolução se efetua, alternadamente, no espaço e na superfície dos mundos, através de inúmeras etapas, ligadas entre si pela lei de causa e efeito. A vida presente é, para cada qual, a herança do passado e a gestação do futuro. É uma escola e um campo de trabalho; a vida do espaço, que lhe sucede, é a sua resultante. O Espírito aí colhe, na luz, o que semeou na sombra e, muitas vezes, na dor.

O Espírito encontra-se no outro mundo com suas aquisições morais e intelectuais, seus predicados e defeitos, tendências, inclinações e afeições. O que somos moralmente neste mundo ainda o somos no outro; disso procede a nossa felicidade ou sofrimento. Nossos gozos são tanto mais intensos quanto melhor nos preparamos para essa vida do espaço, onde o espírito é tudo e a matéria é nada, quase; onde já não há necessidades físicas a satisfazer, nem outras alegrias senão as do coração e da inteligência.

Para as almas inclinadas à materialidade, a vida do espaço é uma vida de privações e misérias; é a ausência de tudo o que lhes pode ser agradável. Os Espíritos que souberam emancipar-se dos hábitos materiais e viver pelas altas faculdades da alma, nele acham, ao contrário, um meio de acordo com as suas predileções, um vasto campo oferecido à sua atividade. Não há nisso, realmente, senão uma aplicação lógica da lei das atrações e afinidades, nada senão as conseqüências naturais dos nossos atos, que sobre nós recaem.

O desenvolvimento gradual do ser lhe engendra fontes cada vez mais abundantes de sensações e impressões. A cada triunfo sobre o mal, a cada novo progresso, estende-se o seu círculo de ação, o horizonte da vida se dilata. Depois das sombrias regiões terrestres  em que imperam os vícios, as paixões e as violências, descerram-se para ele as profundezas estreladas, os mundos de luz com os seus deslumbramentos, os seus esplendores, as suas inebriantes harmonias. Após as vidas de provações, sacrifícios e lágrimas, a vida feliz, a alegria das divinas afeições, as missões abençoadas ao serviço do eterno Criador.

Ao contrário, o mau uso das faculdades, a reiterada fruição dos prazeres físicos, as satisfações egoísticas, nos restringem os horizontes, acumulam a sombra em nós e em torno de nós. Em tais condições, a vida no espaço não nos oferece mais que trevas, inquietações, torturas, com a visão confusa e vaga das almas felizes, o espetáculo de uma felicidade que não soubemos merecer.

A alma, depois de um estágio de repouso no espaço, renasce na condição humana; para ela traz as reservas e aquisições das vidas pregressas. Desse modo se explicam as desigualdades morais e intelectuais que diferenciam os habitantes do nosso mundo. A superioridade inata de certos homens procede de suas obras no passado. Nós somos Espíritos mais jovens, ou mais velhos; mais ou menos trabalhamos, mais ou menos adquirimos virtudes e saber. Assim, a infinita variedade dos caracteres, das aptidões e das tendências deixa de ser um enigma.

Entretanto, a alma reencarnada nem sempre consegue utilizar, em toda a plenitude, os seus dons e faculdades. Dispõe aqui de um organismo imperfeitíssimo, de um cérebro que nenhuma das recordações de outrora registrou. Neles não pode encontrar todos os recursos necessários à manifestação de suas ocultas energias. Mas o passado permanece nela; suas intuições e tendências são disso uma revelação patente.

As faculdades inatas em certas crianças, os meninos prodígios: artistas, músicos, pintores, sábios, são luminosos testemunhos da evidência dessa lei. Também, às vezes, almas geniais e orgulhosas renascem em corpos enfermiços, sofredores, para humilhar-se e adquirir as virtudes que lhes faltavam: paciência, resignação, submissão.

Todas as existências penosas, as vidas de luta e sofrimento explicam-se pelas mesmas razões. São formas transitórias, mas necessárias, da vida imortal; cada alma as conhecerá por sua vez. A provação e o sofrimento são outros tantos meios de reparação, de educação, de elevação; é assim que o ser apaga um passado culposo e readquire o tempo perdido. É desse modo que os caracteres se retemperam, que se ganha experiência e o homem se prepara para novas ascensões. A alma que sofre procura Deus, lembra-se de o invocar e, por isso mesmo, aproxima-se dele.

Cada ser humano, regressando a este mundo, perde a lembrança do passado; este, fixado no perispírito, desaparece momentaneamente sob o invólucro carnal. Há nisso uma necessidade física, há também uma das condições morais da provação terrestre, que o Espírito vem novamente afrontar; restituído ao estado livre, desprendido da matéria, ele readquire a memória dos numerosos ciclos percorridos.

Esse olvido temporário de nossas anteriores existências, essas alternativas de luz e obscuridade que em nós se produzem, por estranhos que à primeira vista se afigurem, facilmente se explicam. Se a memória atual não nos permite recordar os nossos verdes anos, não é mais de admirar que tenhamos esquecido vidas separadas entre si por uma longa permanência no espaço. Os estados de vigília e sono por que passamos, todos os dias, do mesmo modo que as experiências do sonambulismo e hipnotismo, provam que se pode momentaneamente esquecer a existência normal, sem perder com isso a personalidade. Eclipses da mesma natureza, relativamente às nossas passadas existências, nada têm de inverossímeis. Nossa memória se perde e readquire através do encadeamento das nossas vidas, como durante a sucessão dos dias e das noites que preenchem a existência atual.

Do ponto de vista moral, a recordação das vidas precedentes causaria, neste mundo, as mais graves perturbações. Todos os criminosos, renascidos para se resgatarem, seriam reconhecidos, repudiados, desprezados; eles próprios ficariam aterrados e como hipnotizados por suas recordações. A reparação do passado tornar-se-ia impossível e a existência insuportável. O mesmo se daria em diferentes graus, com todos os que tivessem manchas no passado. As recordações anteriores introduziriam na vida social motivos de ódio, elementos de discórdia, que agravariam a situação da Humanidade e impediriam, por irrealizável, qualquer melhoramento. O pesado fardo dos erros e dos crimes, a vista dos atos vergonhosos inscritos nas páginas da sua história, acabrunhariam a alma e lhe paralisariam a iniciativa. Nos do seu convívio poderia reconhecer inimigos, rivais, perseguidores; sentiria despertar e acenderem-se as más paixões que a sua nova vida tem por objetivo destruir ou, pelo menos, atenuar.

O conhecimento das passadas existências perpetuaria em nós, não somente a sucessão dos fatos que a compõem, como ainda os hábitos rotineiros, as opiniões acanhadas, as manias pueris, obstinadas, peculiares às diversas épocas, e que opõem grande obstáculo ao surto da Humanidade. Disso ainda se encontram indícios em muitos encarnados. Que seríamos sem o olvido que nos liberta momentaneamente desses estorvos e permite que uma nova educação nos reforme, nos prepare para tarefas mais elevadas?

Quando consideramos maduramente todas essas coisas, reconhecemos que o apagamento temporário do passado é indispensável à obra de reparação e que a Providência, privando-nos, neste mundo, das nossas longínquas reminiscências, dispôs tudo com profunda sabedoria.

As almas se atraem em razão de suas afinidades, constituem grupos ou famílias cujos membros se acompanham e mutuamente se auxiliam através de sucessivas encarnações. Laços potentes as vinculam; inúmeras vidas transcorridas em comum lhes proporcionam essas similitudes de opiniões e de caráter, que em tantas famílias se observam. Há exceções. Certos Espíritos mudam às vezes de meio, para mais rapidamente progredir. Nisso, como em todos os atos importantes da vida, há uma parte reservada à vontade livre do indivíduo, que pode, numa certa medida e conforme o grau de elevação, escolher a condição em que renascerá; mas há também à parte do destino, ou da lei divina que, lá em cima, fixa a ordem dos renascimentos.


Léon Denis













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