Allan Kardec - Revista Espírita - Ano XI, Dezembro de 1868 - Da comunhão do pensamento
A propósito da comemoração dos mortos
A Sociedade Espírita de Paris reuniu-se especialmente, pela primeira vez, a 2 de novembro de 1864, visando oferecer uma piedosa lembrança a seus falecidos colegas e irmãos espíritas. Naquela ocasião o Sr. Allan Kardec desenvolveu o princípio da comunhão de pensamentos, no discurso seguinte:
Caros irmãos e irmãs espíritas,
Estamos reunidos, neste dia consagrado pela tradição à comemoração dos mortos, para dar àqueles dos nossos irmãos que deixaram a Terra, um testemunho particular de simpatia, para dar continuidade às relações de afeição e de fraternidade que existiam entre eles e nós enquanto eles estavam vivos, e para chamar para eles a bondade do Todo-Poderoso. Mas, por que nos reunirmos? Por que nos desviarmos de nossas ocupações? Não pode cada um fazer em particular aquilo que nos propomos fazer em comum? Não o faz cada um de nós pelos seus? Não se pode fazê-lo todos os dias e a cada hora do dia? Então, que utilidade pode haver em reunir-se num dia determinado? É sobre este ponto, senhores, que me proponho apresentar-vos algumas considerações.
A disposição com que a ideia desta reunião foi acolhida é a primeira resposta a essas diversas questões. Ela é o indício da necessidade que experimentamos ao nos acharmos juntos numa comunhão de pensamentos.
Comunhão de pensamentos! Compreendemos bem todo o alcance desta expressão? É permitido duvidar disto, pelo menos por parte da maioria. O Espiritismo, que nos ensina tantas coisas pelas leis que revela, vem ainda nos explicar a causa, os efeitos e o poder desta situação do espírito.
Comunhão de pensamento quer dizer pensamento comum, unidade de intenção, de vontade, de desejo, de aspiração. Ninguém pode desconhecer que o pensamento é uma força. É, porém, uma força puramente moral e abstrata? Não, pois do contrário não se explicariam certos efeitos do pensamento e, ainda menos, da comunhão de pensamentos. Para compreendê-lo é preciso conhecer as propriedades e a ação dos elementos que constituem nossa essência espiritual, e é o Espiritismo que no-las ensina.
O pensamento é o atributo característico do ser espiritual. É ele que distingue o espírito da matéria. Sem o pensamento, o espírito não seria espírito. A vontade não é um atributo especial do espírito; é o pensamento chegado a um certo grau de energia; é o pensamento transformado em força motriz. É pela vontade que o espírito imprime aos membros e ao corpo movimentos num determinado sentido. Mas, se ele tem o poder de agir sobre os órgãos materiais, quanto maior não deve ser esse poder sobre os elementos fluídicos que nos rodeiam! O pensamento age sobre os fluidos ambientes, como o som age sobre o ar; esses fluidos nos trazem o pensamento, como o ar nos traz o som. Pode-se dizer, portanto, com toda certeza, que há nesses fluidos ondas e raios de pensamentos que se cruzam sem se confundirem, como há no ar ondas e raios sonoros.
Uma assembleia é um foco de onde se irradiam pensamentos diversos; é como uma orquestra, um coro de pensamentos onde cada um produz a sua nota. Disso resulta grande quantidade de correntes e de eflúvios fluídicos dos quais cada um recebe a impressão pelo sentido espiritual, como num coro de música cada um recebe a impressão dos sons pelo sentido da audição.
Entretanto, assim como há raios sonoros harmônicos ou discordantes, há também pensamentos harmônicos e discordantes. Se o conjunto for harmônico, a impressão será agradável; se ele for discordante, a impressão será penosa. Ora, para tanto, não é necessário que o pensamento seja formulado em palavras, porquanto a radiação fluídica não deixa de existir, quer seja ou não expressa. Se todos forem benevolentes, todos os assistentes experimentarão um verdadeiro bem-estar e se sentirão à vontade. No entanto, se ali se misturam alguns maus pensamentos, eles produzem o efeito de uma corrente de ar gelado num meio tépido.
Essa é a causa do sentimento de satisfação que se experimenta numa reunião simpática; aí reina algo como que uma atmosfera salubre, onde se respira à vontade; daí se sai reconfortado, porque aí nos impregnamos de eflúvios salutares. Assim também se explicam a ansiedade e o mal-estar indefinível que sentimos num meio antipático, onde pensamentos malévolos provocam, por assim dizer, correntes fluídicas malsãs.
A comunhão de pensamentos produz, pois, uma espécie de efeito físico que age sobre o moral. É isto que somente o Espiritismo poderia tornar compreensível. O homem o sente instintivamente, porquanto procura as reuniões onde sabe que vai encontrar essa comunhão; nessas reuniões homogêneas e simpáticas, ele absorve novas forças morais. Pode-se dizer que ele aí recupera as perdas fluídicas que ocorrem diariamente pela radiação do pensamento, assim como recupera pelos alimentos as perdas do corpo material.
Essas considerações, senhores e caros irmãos, parecem afastar-nos do objetivo principal de nossa reunião, contudo, elas para aqui nos conduzem diretamente. As reuniões que têm por objetivo a comemoração dos mortos repousam na comunhão de pensamentos. Para compreender a sua utilidade, era necessário bem definir a natureza e os efeitos dessa comunhão.
Para a explicação das coisas espirituais, por vezes me sirvo de comparações muito materiais, e talvez até mesmo um pouco forçadas, que nem sempre devem ser tomadas ao pé da letra. No entanto, é procedendo por analogia, do conhecido para o desconhecido, que chegamos a nos dar conta, pelo menos aproximadamente, do que escapa aos nossos sentidos. É a tais comparações que a Doutrina Espírita deve, em grande parte, ter sido facilmente compreendida, mesmo pelas mais vulgares inteligências, ao passo que se eu tivesse ficado nas abstrações da filosofia metafísica, ela seria partilhada, ainda hoje, apenas por algumas inteligências de escol. Ora, desde o princípio, importava que ela fosse aceita pelas massas, porque a opinião das massas exerce uma pressão que acaba fazendo lei e triunfando das oposições mais tenazes. Eis por que me esforcei em simplificá-la e torná-la clara, a fim de colocá-la ao alcance de todos, com o risco de fazê-la contestada por algumas pessoas quanto ao título de filosofia, porque ela não é suficientemente abstrata e porque ela saiu do nevoeiro da metafísica clássica.
Aos efeitos que acabo de descrever, no que concerne à comunhão de pensamentos, junta-se um outro, que é sua consequência natural, e que importa não perder de vista. É a força que adquire o pensamento ou a vontade, pelo conjunto dos pensamentos ou vontades reunidas. Sendo a vontade uma força ativa, essa força é multiplicada pelo número de vontades idênticas, como a força muscular é multiplicada pelo número de braços.
Estabelecido este ponto, concebe-se que nas relações que se estabelecem entre os homens e os Espíritos há, numa reunião onde reina perfeita comunhão de pensamentos, uma força atrativa ou repulsiva que nem sempre possui um indivíduo isolado. Se até o presente as reuniões muito numerosas são menos favoráveis, é pela dificuldade de obter uma perfeita homogeneidade de pensamentos, o que se deve à imperfeição da natureza humana na Terra. Quanto mais numerosas forem as reuniões, mais aí se mesclam elementos heterogêneos, que paralisam a ação dos bons elementos, e que são como grãos de areia numa engrenagem. Não é assim nos mundos mais avançados, e esse estado de coisas mudará na Terra, à medida que os homens aqui se tornarem melhores.
Para os espíritas, a comunhão de pensamentos tem um resultado ainda mais especial. Temos visto o efeito desta comunhão de homem a homem. O Espiritismo nos prova que ele não é menor dos homens aos Espíritos, e vice-versa. Com efeito, se o pensamento coletivo adquire força pela quantidade, um conjunto de pensamentos idênticos, tendo o bem por objetivo, terá mais força para neutralizar a ação dos maus Espíritos. Assim, vejamos que a tática destes últimos é levar à divisão e ao isolamento. Sozinho, um homem pode sucumbir, ao passo que se sua vontade for corroborada por outras vontades, ele poderá resistir, conforme o axioma: A união faz a força, axioma verdadeiro ao moral como ao físico.
Por outro lado, se a ação dos Espíritos malévolos pode ser paralisada por um pensamento comum, é evidente que a dos bons Espíritos será secundada, e sua influência salutar não encontrará obstáculos; seus eflúvios fluídicos, não sendo impedidos por correntes contrárias, se espalharão sobre todos os assistentes, precisamente porque todos os terão atraído pelo pensamento, não cada um em proveito pessoal, mas em proveito de todos, conforme a lei da caridade. Esses eflúvios descerão sobre eles em línguas de fogo, para nos servirmos de uma admirável imagem do Evangelho.
Assim, pela comunhão de pensamentos, os homens se assistem entre si, e ao mesmo tempo assistem os Espíritos e são por eles assistidos. As relações do mundo visível com o mundo invisível deixam de ser individuais e passam a ser coletivas, e por isto mesmo mais poderosas, para proveito das massas, bem como dos indivíduos. Numa palavra, ela estabelece a solidariedade, que é a base da fraternidade. Ninguém trabalha apenas para si, mas para todos, e trabalhando por todos, cada um aí encontra seu quinhão. É isto que não compreende o egoísmo.
Todas as reuniões religiosas, seja qual for o culto a que pertençam, são fundadas na comunhão de pensamentos; é aí, com efeito, que elas podem e devem exercer toda a sua força, porque o objetivo deve ser a libertação do pensamento das constrições da matéria. Infelizmente, a maioria se afasta deste princípio à medida que fizeram da religião uma questão de forma. Disto resultou que cada um fazendo seu dever consistir na realização da forma, se julga quite com Deus e com os homens, porquanto praticou uma fórmula. Disso resulta, ainda, que cada um vai aos lugares de reuniões religiosas com um pensamento pessoal, por conta própria, e, na maioria das vezes, sem nenhum sentimento de confraternidade em relação aos outros assistentes. Ele está isolado no meio da multidão, e não pensa no céu senão para si mesmo.
Certamente não era assim que o entendia Jesus, quando disse: Quando muitos de vós estiverdes reunidos em meu nome, eu estarei em vosso meio. “Reunidos em meu nome” quer dizer: com um pensamento comum, mas não se pode estar reunido em nome de Jesus sem assimilar os seus princípios, a sua doutrina. Ora, qual é o princípio fundamental da doutrina de Jesus? A caridade em pensamentos, em palavras e em ações. Os egoístas e os orgulhosos mentem quando se dizem reunidos em nome de Jesus, porque Jesus não os conhece como seus discípulos.
Tocadas por esses abusos e desvios, algumas pessoas negam a utilidade das assembleias religiosas e, consequentemente, dos edifícios a elas consagrados. Em seu radicalismo, pensam que seria melhor construir hospitais do que templos, tendo em vista que o templo de Deus está em toda parte, e que Deus pode ser adorado em toda parte; que cada um pode orar em sua casa e a qualquer hora, ao passo que os pobres, os doentes e os enfermos necessitam de um lugar de refúgio.
Mas porque se cometem abusos, porque se afastam do reto caminho, segue-se que não existe o caminho reto e que tudo de que se abusa é mau? Certamente não. Falar assim é desconhecer a fonte e os benefícios da comunhão de pensamentos que deve ser a essência das assembleias religiosas; é ignorar as causas que a provocam. Que os materialistas professem semelhantes ideias, compreende-se, porque em todas as coisas eles fazem abstração da vida espiritual, mas da parte de espiritualistas, e mais ainda dos espíritas, seria um contrassenso. O isolamento religioso, como o isolamento social, conduz ao egoísmo. Que alguns homens sejam bastante fortes por si mesmos, fartamente dotados pelo coração, para que sua fé e caridade não necessitem ser aquecidas num foco comum, é possível, mas não é assim com as massas, às quais falta um estimulante, sem o qual poderiam deixar-se tomar pela indiferença. Além disso, qual o homem que poderá dizer-se bastante esclarecido para nada ter que aprender no tocante aos seus interesses futuros e bastante perfeito para prescindir de conselhos para a vida presente? É ele sempre capaz de instruir-se por si mesmo? Não. À maioria faltam ensinamentos diretos em matéria de religião e de moral, como em matéria de ciência. Sem contradita, tais ensinos podem ser dados em toda parte, sob a abóbada do céu como sob o teto de um templo. Mas, por que os homens não haveriam de ter lugares especiais para as coisas celestes, como os têm para as terrenas? Por que não teriam assembleias religiosas, como têm assembleias políticas, científicas e industriais? Isto não impede as fundações em benefício dos infelizes, mas nós dizemos, além disto, que quando os homens compreenderem melhor seus interesses do céu, haverá aqui menos gente nos hospitais.
Falando de maneira geral e sem alusão a nenhum culto, se as assembleias religiosas muitas vezes se afastaram de seu objetivo primitivo principal, que é a comunhão fraterna do pensamento; se os ensinamentos que aí são dados nem sempre seguiram o movimento progressivo da Humanidade, é que os homens não realizam todos os progressos ao mesmo tempo. O que eles não fazem num período, fazem em outro. À medida que se esclarecem, eles veem as lacunas existentes em suas instituições, e as preenchem; eles compreendem que o que era bom numa época, em relação ao grau da civilização, torna-se insuficiente numa etapa mais adiantada, e restabelecem o nível. Sabemos que o Espiritismo é a grande alavanca do progresso em todas as coisas. Ele marca uma era de renovação. Saibamos, pois, esperar, e não peçamos a uma época mais do que ela pode dar. Como acontece com as plantas, é preciso que as ideias amadureçam para serem colhidos os frutos. Saibamos, além disso, fazer as necessárias concessões às épocas de transição, pois nada, na natureza, se opera de maneira brusca e instantânea.
Pelo motivo que hoje nos reúne, senhores e caros irmãos, julguei oportuno aproveitar a circunstância para desenvolver o princípio da comunhão de pensamentos, do ponto de vista do Espiritismo. Sendo o nosso objetivo unirmo-nos em intenção para oferecer, em comum, um testemunho particular de simpatia aos nossos irmãos falecidos, poderia ser útil chamar nossa atenção para as vantagens da reunião. Graças ao Espiritismo, compreendemos o poder e os efeitos do pensamento coletivo e podemos melhor explicar o sentimento de bem-estar que se experimenta num meio homogêneo e simpático, mas igualmente sabemos que o mesmo se dá com os Espíritos, porque eles sabem receber os eflúvios de todos os pensamentos benevolentes que para eles se elevam como uma nuvem de perfume. Os que são felizes experimentam uma alegria maior neste concerto harmonioso; os que sofrem sentem com isso um maior alívio. Cada um de nós, em particular, ora de preferência por aqueles que lhe interessam ou que ele mais estima. Façamos que aqui todos tenham sua parte nas preces que dirigimos a Deus.
Allan Kardec
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