sábado, 5 de abril de 2025

Emmanuel - Livro Pão Nosso - Chico Xavier - Cap. 34 - Lugar deserto



Emmanuel - Livro Pão Nosso - Chico Xavier - Cap. 34


Lugar deserto


“E ele lhes disse: Vinde vós aqui, à parte, a um lugar deserto, e repousai um pouco.” — (MARCOS, 6.31)


A exortação de Jesus aos companheiros reveste-se de singular importância para os discípulos do Evangelho em todos os tempos.

Indispensável se torna aprender o caminho do “lugar à parte” em que o Mestre aguarda os aprendizes para o repouso construtivo em seu amor.

No precioso símbolo, temos o santuário íntimo do coração sequioso de luz divina.

De modo algum se referia o Senhor tão somente à soledade dos sítios que favorecem a meditação, onde sempre encontramos sugestões vivas da natureza humana. Reportava-se à câmara silenciosa, situada dentro de nós mesmos.

Além disso, não podemos esquecer que o Espírito sedento de união divina, desde o momento em que se imerge nas correntes do idealismo superior, passa a sentir-se desajustado, em profundo insulamento no mundo, embora servindo-o, diariamente, consoante os indefectíveis desígnios do Alto.

No templo secreto da alma, o Cristo espera por nós, a fim de revigorar-nos as forças exaustas.

Os homens iniciaram a procura do “lugar deserto”, recolhendo-se aos mosteiros ou às paisagens agrestes; todavia, o ensinamento do Salvador não se fixa no mundo externo.

Prepara-te para servir ao Reino Divino, na cidade ou no campo, em qualquer estação, e não procures descanso impensadamente, convicto de que, muita vez, a imobilidade do corpo é tortura da alma. Antes de tudo, busca descobrir, em ti mesmo, o “lugar à parte” onde repousarás em companhia do Mestre.


Emmanuel













Emmanuel - Livro Escrínio de Luz - Chico Xavier - Cap. 2 - Ante o Cristo Consolador



Emmanuel - Livro Escrínio de Luz - Chico Xavier - Cap. 2


Ante o Cristo Consolador


Nas consolações e tarefas do Espiritismo, é necessário que o coração vibre acordado em sintonia com o cérebro para que não venhamos a perder valiosas oportunidades no tempo.

Provarás a sobrevivência da alma, além da morte, através de testemunhos insofismáveis da experimentação, entretanto, que valor apresentará semelhante esforço, se não auxiliais o aperfeiçoamento moral do Espírito em peregrinação na carne?

Movimentarás equações filosóficas, anunciando à mente do povo os princípios da reencarnação, contudo que adiantarão teus assertos, se não ofereces ao próximo os recursos indispensáveis à sublimação da vida interior?

Aproveitarás a mediunidade, distribuindo ideias novas e novas convicções, entre os homens sedentos de esperança, por intermédio da argumentação irretorquível; no entanto, de que te servirá o interesse fortuito, nas revelações graciosas, se não despertas a noção de responsabilidade naqueles que te observam e ouvem?…

Realizarás as melhores demonstrações científicas, positivando a vida consciente em outras mundos e em outras esferas de ação; todavia, de que valerá semelhante empreendimento se te não dispões a ajudar o pedaço de chão em que nasceste, contribuindo de algum modo, na construção da Terra melhor?

É por isso que, quase sempre, Espiritismo sem Cristianismo é simples empresa intelectual, destinada a desaparecer no sorvedouro de caprichos da inteligência.

Não se entrelaçariam dois mundos diferentes para o simples trabalho da pesquisa ociosa ou do êxtase inoperante.

Não se abririam as portas do Grande Além para que o homem se infantilizasse na irresponsabilidade ou na inconsequência. Cristo é o ponto de equilíbrio em nosso reencontro.

Espíritos desencarnados e encarnados, todos nos achamos em degraus diferentes da escada evolutiva.

Sem Jesus, estaríamos confinados à sombra de nós mesmos, e, sem a disciplina do Seu Evangelho de Luz e Amor, com todas as pompas de nossa fenomenologia convincente e brilhante não passaríamos de consciências extraviadas e irrequietas a caminho do caos.


Emmanuel










André Luiz - Livro Nosso Lar - Chico Xavier - Cap. 16 - Confidências



André Luiz - Livro Nosso Lar - Chico Xavier - Cap. 16


Confidências


Consolou-me a palavra maternal, reorganizando-me as energias interiores. Minha mãe comentava o serviço como se fora uma bênção, referia-se às dores e dificuldades, levando-as a crédito de alegrias e lições sublimes. 

Inesperado e inexprimível contentamento banhava-me o espírito. Aqueles conceitos alimentavam-me de estranho modo. Sentia-me outro, mais alegre, animado e feliz.

— Oh! Minha mãe! — Exclamei comovido, — deve ser maravilhosa a Esfera da sua habitação! Que sublimes contemplações espirituais, que ventura!…

Ela esboçou um sorriso significativo e obtemperou:

— A Esfera Elevada, meu filho, requer, sempre, mais trabalho, maior abnegação. Não suponhas que tua mãe permaneça em visões beatíficas, a distância dos deveres justos. Devo fazer-te sentir, no entanto, que minhas palavras não representam qualquer nota de tristeza, na situação em que me encontro. É antes revelação de responsabilidade necessária. 

Desde que voltei da Terra, tenho trabalhado intensamente pela nossa renovação espiritual. Muitas entidades, desencarnando, permanecem agarradas ao lar terrestre, a pretexto de muito amarem os que demoram no mundo carnal. Ensinaram-me aqui, todavia, que o verdadeiro amor, para transbordar em benefícios, precisa trabalhar sempre. Desde minha vinda, então, procuro esforçar-me por conquistar o direito de ajudar aqueles que tanto amamos.

— E meu pai? — Perguntei. — Onde está? Por que não veio com a senhora?

Minha mãe estampou singular expressão no rosto e respondeu:

— Ah! Teu pai! Teu pai!… Há doze anos que está numa zona de trevas compactas, no Umbral. 

Na Terra, sempre nos parecera fiel às tradições da família, arraigado ao cavalheirismo do alto comércio, a cujos quadros pertenceu até o fim da existência, e ao fervor do culto externo, em matéria religiosa; mas, no fundo, era fraco e mantinha ligações clandestinas, fora do nosso lar. 

Duas delas estavam mentalmente ligadas a vasta rede de entidades maléficas, e, tão logo desencarnou o meu pobre Laerte, a passagem no Umbral lhe foi muito amarga, porque as desventuradas criaturas, a quem fizera muitas promessas, aguardavam-no ansiosas, prendendo-o de novo nas teias da ilusão. 

A princípio, ele quis reagir, esforçando-se por encontrar-me, mas não pôde compreender que após a morte do corpo físico a alma se encontra tal qual vive intrinsecamente. 

Laerte, portanto, não percebeu minha presença espiritual, nem a assistência desvelada de outros amigos nossos. Tendo gasto muitos anos a fingir, viciara a visão espiritual, restringira o padrão vibratório, e o resultado foi achar-se tão só na companhia das relações que cultivara, irrefletidamente, pela mente e pelo coração. 

Os princípios de família, o amor ao nosso nome, ocuparam algum tempo o seu espírito. De algum modo, lutou, repelindo as tentações; mas caiu afinal, novamente enredado na sombra, por falta de perseverança no bom e reto pensamento.

Eminentemente impressionado, objetei:

— Não há, porém, meios de subtraí-lo a tais abjeções?

— Ah! Meu filho, — elucidou a palavra materna, — eu o visito frequentemente. Ele, porém, não me percebe. Seu potencial vibratório é ainda muito baixo. Tento atraí-lo ao bom caminho, pela inspiração, mas apenas consigo arrancar-lhe algumas lágrimas de arrependimento, de quando em quando, sem obter resoluções sérias. 8 As infelizes, das quais se tornou prisioneiro, segregam-no às minhas sugestões. Venho trabalhando intensamente, anos a fio. Solicitei o amparo de amigos em cinco núcleos diversos, de atividade espiritual mais elevada, inclusive aqui em “Nosso Lar”. 9 Certa vez, Clarêncio quase conseguiu atraí-lo ao Ministério da Regeneração, mas debalde. Não é possível acender luz em candeia sem óleo e sem pavio… Precisamos [da] adesão mental de Laerte, para conseguir levantá-lo e abrir-lhe a visão espiritual. No entanto, o pobrezinho permanece inativo em si mesmo, entre a indiferença e a revolta.

Depois de longa pausa, suspirou, continuando:

— Talvez não saibas ainda que tuas irmãs Clara e Priscila vivem hoje igualmente no Umbral, agarradas à crosta da Terra. Sou compelida a atender às necessidades de todos. 

Meu único auxílio direto repousava na cooperação afetuosa de tua irmã Luísa, aquela que partiu quando eras pequenino. Luísa esperou-me aqui muitos anos, foi meu braço forte nos trabalhos ásperos de amparo à família terrena. 

Ultimamente, contudo, depois de lutar corajosa, a meu lado, a benefício de teu pai, de ti e das irmãs, tão grande é a perturbação dos nossos familiares, ainda na Terra, que voltou a semana passada, a fim de reencarnar entre eles, num gesto heroico de sublime renúncia. Espero, pois, que te restabeleças breve, para que possamos desdobrar atividades no bem.

Assombravam-me as informações referentes a meu pai. Que espécie de lutas seriam as dele? Não parecia sincero praticante dos preceitos religiosos, não comungava todos os domingos? Enlevado com a dedicação maternal, perguntei:

— A senhora, entretanto, auxilia o papai, não obstante a ligação dele com essas mulheres infames?

— Não as classifiques assim, — ponderou minha mãe, — dize, antes, meu filho, nossas irmãs doentes, ignorantes ou infelizes. São filhas de nosso Pai, igualmente. Não tenho feito intercessões apenas por Laerte, mas por elas também, e estou convencida de haver encontrado recursos para atraí-los todos ao meu coração.

Espantou-me a grande manifestação de renúncia. Pensei subitamente em minha família direta. Senti o velho apego à esposa e aos filhos queridos. Perante Clarêncio e Lísias, deliberava sempre recalcar sentimentos e calar indagações; mas o olhar materno encorajava-me. Alguma cousa fazia-me sentir que minha mãe não se demoraria muito tempo a meu lado. Aproveitando o minuto que corria célere, interroguei:

— A senhora, que tem acompanhado o papai devotadamente, nada poderá informar relativamente a Zélia e às crianças? Aguardo, ansioso, o instante de voltar a casa, a fim de auxiliá-los. Oh! Minhas imensas saudades devem ser igualmente compartilhadas por eles! Como deve sofrer minha desventurada esposa com esta separação!…

Minha mãe esboçou um sorriso triste e acrescentou:

— Tenho visitado meus netos periodicamente. Vão bem.

E, depois de meditar alguns instantes, acentuou:

— Não deves, porém, inquietar-te com o problema de auxílio à família. Prepara-te, em primeiro lugar, para que sejamos bem sucedidos; há questões que precisamos entregar ao Senhor, em pensamento, antes de trabalhar na solução que elas requerem.

Quis insistir no assunto para colher pormenores, mas minha mãe não reincidiu nele, esquivando-se, generosa. A palestra estendeu-se ainda longa, envolvendo-me em sublime conforto. Mais tarde, ela despediu-se. Curioso por saber como vivia até ali, pedi permissão para acompanhá-la. Afagou-me então, carinhosa, e disse:

— Não venhas, meu filho. Esperam-me com urgência no Ministério da Comunicação, onde serei munida de recursos fluídicos para a jornada de regresso, nos gabinetes transformatórios. Além disso, preciso ainda avistar-me com o Ministro Célio, para agradecer a oportunidade desta visita.

E, deixando-me n'alma duradoura impressão de felicidade, beijou-me e partiu.


André Luiz





VÍDEO: 

Nosso Lar - Cap. 16/1-2-3 - Confidências

Apresentação André Luiz Ruiz










O Espírito da Letra - Nosso Lar - Analisando a obra de André Luiz psicografia de Chico Xavier.




Bezerra de Menezes - Livro Antologia Espiritual - Espíritos Diversos / Divaldo P. Franco - Cap. 11 - Mensagem de fé




Bezerra de Menezes - Livro Antologia Espiritual - Espíritos Diversos / Divaldo P. Franco - Cap. 11


Mensagem de fé


Meus filhos, guarde-nos o Senhor na Sua paz.

Não obstante as ameaças de confrontamento, que se anuncia com os objetivos maléficos da guerra que parece inevitável, os discípulos do Evangelho permanecemos confiados na paz.

Diminuem as sombras que toldavam as relações entre as grandes potências da Terra, mas, porque o planeta é de provas e de expiações, irrompe, inesperadamente, uma densa treva que parece o prenunciar de uma hecatombe de conseqüências funestas.

Apesar disso, os seguidores de Jesus, trabalhamos pela paz.

Diante das injunções dolorosas que se apresentam, é imprescindível que mantenhamos a flama do ideal, a fim de que tremule acima de todas as vicissitudes, apontando rumo, como a esperança que não pode faltar na busca da felicidade humana.

Repetem-se os dias ásperos do Cristianismo primitivo, quando a mensagem de Jesus penetrou nos corações que foram invitados a abandonar as carnificinas habituais, para pautar a conduta pela solidariedade e o exercício do amor fraternal.

São inevitáveis, neste momento, as dores superlativas, as inquietações de largo porte, as dificuldades-desafio.

Jesus convida-nos ao testemunho, como outrora Ele próprio testificou a legitimidade do mandato de que se encontrava investido, para que os homens soubéssemos ser Ele, o Excelente Filho de Deus, Modelo e Guia para toda a humanidade.

Certamente, depois Dele, os testemunhos ficaram circunscritos às arenas, ao exílio, à perseguição de grupo, de clã, estabelecendo a separação entre o trigo e o joio, mas, também, ainda hoje é assim, meus filhos.

Não nos iludamos, as balizas da arena cresceram muito e as feras que estavam esfaimadas em jaulas e subterrâneos aguardando o momento do holocausto dos servidores do ideal, agora estão dentro de nós, em torno de nós, disfarçadas, porém, não menos ameaçadoras e cruéis.

Temos necessidade de porfiar no combate, mantendo o idealismo e a confiança irrestrita em Deus, valorizando a honra da fé que nos abraça.

Que outros discutam inutilmente, que diversos permaneçam distraídos na tribuna das controvérsias que não levam a lugar algum, que um grande número aplique seu tempo no verbalismo vazio e na busca de coisas insignificantes, que vários proíbam, cerceando os espaços da liberdade que deve viger em todos os corações e mentes que encontraram o Evangelho de Jesus, mas a nós cumpre o dever da retidão, pensar e agir corretamente, amar sem discriminação, compreender sem reserva, e dar aos outros o direito de serem conforme podem, mas, a nós próprios, nos impormos o compromisso de renovação, a cada instante, para melhor, realizando com eficiência a tarefa que nos está reservada.

O conhecimento da Doutrina Espírita é portador de libertação, porque traz, no seu bojo, a verdade revelada a Allan Kardec, que prossegue abrindo espaço nas mentes e alargando os horizontes para a Vida.

Fomos convidados, sim, para espalhar a luz que não pode ficar impedida pelas nossas limitações e pequenezes.

Que dentro de nós vibre o pensamento do Cristo, e a beleza da mensagem espírita atue através da nossa conduta que, em breve, modificará o pensamento na Terra e expulsará, por definitivo, a guerra, o medo, a insatisfação, gerados pelo egoísmo, que cederá o passo ao altruísmo que Jesus nos ofereceu na lição sacrossanta da caridade.

Unamo-nos, meus filhos ! Às agressões retribuamos com o perdão, à maledicência ofereçamos a generosidade da compreensão, à violência que ergue a mão para nos afligir doemos a solidariedade fraternal contra a qual nenhuma força humana pode lutar. O mal vale o investimento que lhe oferecemos, se não o valorizarmos, mediante a nossa permanência no bem ele deixará de ter significado, perderá a razão de ser, passando a plano secundário e desaparecendo. O mal, que não vemos, porque estamos espalhando o bem, vai absorvido como a sombra que desaparece no jato da luz.

A nossa é a tarefa de servir e de amar, preparando o advento do mundo melhor, que já se anuncia e chega lentamente.

Como é verdade que os homens se preparam para o lamentável confronto, no qual a guerra ainda não foi descartada, não menos verdade é que aqueles, que representam as comunidades superdesenvolvidas, já se preocupam em parlamentar, discutir e encontrar os meios diplomáticos para equacionar os seus problemas, dirimindo as dificuldades que aparentemente os separam.

A verdade, que promana de Deus, alcança a todos. Assim, trabalhemos, com acendrado amor e com esforço incessante, para que o Espiritismo realize a transformação social da Terra, como previsto pelo Codificador, e anunciado pelos Embaixadores do céu. Este é o dever impostergável, para o qual aqui nos reunimos, discutindo e estabelecendo diretrizes de equilíbrio e de segurança.

Não estais a sós, e o sabeis ! Não vos reunis aqui para encontro de opiniões desassisadas, mas, irmanados pelo ideal de realizar o que seja de melhor para o movimento e o de mais útil para as criaturas humanas.

Porfiai ! Jesus espera muito de nós, assim como a Ele entregamos os nossos destinos !

Continuai, filhos, certos de que o triunfo, que não tarda, tomará conta dos nossos corações em forma de plenitude e de paz.

Abençoe-nos o Senhor, e que entre nós permaneça Sua paz, são os votos do amigo e servidor humílimo e paternal de sempre,


Bezerra de Menezes











(Mensagem psicofônica recebida por ocasião do encerramento da reunião matinal do Conselho Federativo Nacional, na Federação Espírita Brasileira, no dia 17 de novembro de 1990, em
Brasília, DF.)




sexta-feira, 4 de abril de 2025

Emmanuel - Livro Roteiro - Chico Xavier - Cap. 30 - Renovação


Emmanuel - Livro Roteiro - Chico Xavier - Cap. 30

Renovação


As revelações dos Espíritos convidam naturalmente a ideais mais elevados, a propósitos mais edificantes.

Para as inteligências realmente dispostas à renunciação da animalidade, são elas sublime incentivo à renovação interior, modificando a estrutura fluídica do ambiente mental que lhes é próprio.

Se a civilização exige o desbravamento da mata virgem, para que cidades educadas surjam sobre o solo e para que estradas livres se rasguem soberanas, é indispensável a eliminação de todos os obstáculos, à custa do sacrifício daqueles que se devotam ao apostolado do progresso.

A Humanidade atual, em seu aspecto coletivo, considerada mentalmente, ainda é a floresta escura, povoada de monstruosidades.

Se nos fundamentos evolutivos da organização planetária encontramos os animais pré-históricos, oferecendo a predominância do peso e da ferocidade sobre quaisquer outros característicos, nos alicerces da civilização do espírito ainda perseveram os grandes monstros do pensamento, constituídos por energias fluídicas, emanadas dos centros de inteligência que lhes oferecem origem.

Temos, assim, dominando ainda a formação sentimental do mundo, os mamutes da ignorância, os megatérios da usura, os iguanodontes da vaidade ou os dinossauros da vingança, da barbárie, da inveja ou da ira.

As energias mentais dos habitantes da Terra tecem o envoltório que os retém à superfície do Globo. Raros são aqueles cuja mente vara o teto sombrio com os raios de luz dos sentimentos sublimados que lhes fulguram no templo íntimo.

O pensamento é o gerador dos infracorpúsculos ou das linhas de força do mundo subatômico, criador de correntes de bem ou de mal, grandeza ou decadência, vida ou morte, segundo a vontade que o exterioriza e dirige. E a moradia dos homens ainda está mergulhada em fluidos ou em pensamentos vivos e semicondensados de estreiteza espiritual, brutalidade, angústia, incompreensão, rudeza, preguiça, má-vontade, egoísmo, injustiça, crueldade, separação, discórdia, indiferença, ódio, sombra e miséria…

Com a demonstração da sobrevivência da alma, porém, a consciência humana adquire domínio sobre as trevas do instinto, controlando a corrente dos desejos e dos impulsos, soerguendo as aspirações da criatura para níveis mais altos.

Os corações despertados para a verdade começam a entender as linhas eternas da justiça e do bem. A voz do Cristo é ouvida sob nova expressão na mais profunda acústica da alma.

Quem acorda converte-se num ponto de luz no serro denso da Humanidade, passando a produzir fluidos ou forças de regeneração e redenção, iluminando o plano mental da Terra para a conquista da vida cósmica no grande futuro.

Em verdade, pois, nobre é a missão do Espiritismo, descortinando a grandeza da universalidade divina à acanhada visão terrestre; no entanto, muito maior e muito mais sublime é a missão do nosso ideal santificante com Jesus para o engrandecimento da própria Terra, a fim de que o Planeta se divinize para o Reino do Amor Universal.


Emmanuel









Emmanuel - Livro Servidores no Além - Espíritos Diversos / Chico Xavier - Cap. 3 - Na edificação da fé



Emmanuel - Livro Servidores no Além - Espíritos Diversos / Chico Xavier - Cap. 3


Na edificação da fé


Ninguém edificará o santuário da fé no coração, sem associar-se, com toda alma, naquilo que é de belo e de superior dentro da vida.

Para alcançar, porém, a divina construção, não nos bastam os primores intelectuais, a eloquência preciosa, o êxtase contemplativo ou a desenvoltura dos cálculos no campo da inteligência.

Grandes gênios do raciocínio são, por vezes, demônios da miséria e da morte.

Admiráveis doutrinadores, em muitas ocasiões, são vitrines de palavras brilhantes e vazias.

Muitos adoradores da Divindade, frequentemente mergulham-se na preguiça a pretexto de cultuar a Glória Celeste.

Famosos matemáticos, não raro, são símbolos de sagacidade e exploração inferior.

Amemos o trabalho que a Eterna Sabedoria nos conferiu, onde nos situamos, afeiçoando-nos à sua execução sempre mais nobre, cada dia, e seremos premiados pela grande compreensão, matriz abençoada de toda a confiança, de toda a serenidade e de todo o engrandecimento do espírito.

Para penetrar os segredos da estatuária, o escultor repete os golpes do buril milhares de vezes.

Para produzir o vaso de que se orgulhará em missão bem cumprida, o oleiro demora-se infinitamente ao contato da argila.

Para expor as peças com que enriquecerá o conforto humano, o carpinteiro, de mil modos, recapitulará, o aprimoramento do tronco bruto.

Não te queixes se a fé ainda te não coroa a razão.

Consagra-te aos pequeninos sacrifícios, na esfera de tuas diárias obrigações, à frente dos outros, cede de ti mesmo, exercita a bondade, inflama o otimismo por onde passes, planta a gentileza de teus sonhos, movimenta-te no ideal de sublimação que elegeste para alvo de teu destino…
Aprende a repetir para que te aperfeiçoes…

Não vale fixar indefinidamente as estrelas, amaldiçoando as trevas que ainda nos cercam.

Acendamos a vela humilde de nossa boa vontade, no chão de nossa pobreza individual, para que as sombras terrestres diminuam e o esplendor solar sintonizar-te-á com a nossa flama singela.

A tomada insignificante é o refletor da usina, quando ligada aos seus poderosos padrões de força.

Confessemos Jesus em nossos atos de cada hora, renovando-nos com Ele e sofrendo felizes em seu roteiro de renunciação, auxiliando a todos e servindo, cada vez mais, em Seu Nome, e, de inesperado, reconheceremos nossa alma inundada por alegria indizível e por silenciosa luz…

É que o trabalho de comunhão com o Mestre terá realizado em nós a sua obra gloriosa, e a fé perfeita e divina, por tesouro inalienável, brilhará conosco, definitivamente incorporada à nossa vida e ao nosso coração.


Emmanuel









Emmanuel - Livro Servidores no Além - Espíritos Diversos / Chico Xavier - Cap. 1 - Onde o remédio?



Emmanuel - Livro Servidores no Além - Espíritos Diversos / Chico Xavier - Cap. 1


Onde o remédio?


Meus amigos, muita paz.

Se a noite é das crianças, eu também quero fazer-me pequenino, dentro da humildade de minha posição espiritual e, de coração genuflexo com o vosso, elevo o pensamento sincero ao Senhor do Trabalho e da Seara, suplicando-Lhe Bênçãos Divinas para o vosso esforço, Bênçãos essas que muito particularmente desejo aos nossos irmãos que vieram de longe, trazendo aos companheiros da causa da Verdade e da Luz, a palavra da fraternidade e do amor.

Enquanto as ruinarias vão povoando o planeta, vítima dos mais sérios desequilíbrios, dentro da crise ideológica e moral que há muito tempo, lhe trabalha o imenso organismo social e político, estais aqui no labor educativo, o caminho primário do reerguimento humano, a estrada primordial da regeneração da vida terrestre, ansiosa de atingir as elevadas finalidades do seu alto destino.

Os vossos tempos refletem amargamente a angústia coletiva de todos os povos, em face dessa aluvião de escombros que prenuncia terrível para os anos próximos, como corolário de desvios e de antagonismos irreconciliáveis, tão somente criados pela mentalidade humana, dentro de seu abuso de liberdade.

Dores amargas se anunciam nesse paiol de abundância e de super-produção, que a inteligência da humanidade criou para a sua vida.

E a verdade é que as facilidades da civilização deveriam constituir um índice soberbo de aproveitamento espiritual, por parte das criaturas, detentoras dos mais notáveis progressos científicos nos tempos modernos.

Entretanto, os penosos acontecimentos que se verificam nestes dias de confusão, de angustiosa expectativa, bem demonstram o contrário.

O homem da estratosfera e das profundidades submarinas; o homem da mecânica e da eletricidade, da genética e da biologia, da física e da química, da filosofia e das religiões, em voltando para dentro de si, vem encontrando a sua mentalidade obscura de há dois milênios.

É esse fenômeno de antagonismo evidente entre o homem físico e o homem moral, a causa da subversão de todos os valores morais que vindes constatando.

Onde o remédio? Todos os pensadores se reúnem para comentar a necessidade dos tempos. Os políticos convocam ministérios e gabinetes; os filósofos aventam teorias novas em sociologia, mas a verdade é que os cataclismos caminham no ar, sem que os poderes humanos consigam determinar-lhes a marcha.

Todos os corações sentem que existe algo para acontecer aguardam angustiados uma novidade nos ares, como se sombrios vaticínios pesassem sobre a sua vida de relação e a realidade é que nem os políticos e nem os filósofos, nem os economistas e nem os sociólogos podem dirimir as profecias singulares e dolorosas, impossibilitados de recurso, desconhecendo o remédio necessário à paz coletiva e à prosperidade mundial.

Mas uma corrente de lutadores batalha hoje na vanguarda dos tempos. Vive desprotegida de todo amparo oficial da política administrativa, não se veste com as penas de pavão do cientificismo do século.

O tóxico do intelectualismo com todos os seus excessos perniciosos não lhe é familiar. Os trabalhadores são humildes.

Assemelham-se àqueles homens desprezados que construíram com os seus martírios e com as suas lágrimas as bases augustas do Cristianismo na civilização do Ocidente.

Não têm títulos, nem prerrogativas e nem sinais particularizados, mas de seus corações e de suas palavras, dimana a lição preciosa d’Aquele que reenvia ao mundo os seus verbos luminosos.

São os trabalhadores do Espiritismo que, de fato, começam pelo princípio, isto é, pela educação, único meio eficaz e seguro da realização almejada.

Educação no Evangelho Redivivo, na disseminação de verdades santas que as igrejas sectaristas abafaram por mais de um milênio, no silêncio frio dos seus calabouços, calando interesses inconfessáveis.

É verdade que essa falange de operários não poderá modificar a face do mundo de um dia para outro. 

Não poderão esses servos da última hora, afastar do espírito coletivo das multidões delinquentes, o quadro nefasto da guerra e do extermínio, criado pela sua ambição e pelo seu despotismo, longe daquele Reino de Deus que se constitui de Sua Justiça.

A dor há de vir realizar a obra que não foi possível ao amor edificar por si mesmo. Todavia, o futuro está cheio daquela luz misericordiosa que promana do Alto para todos os corações da nova geração, dentro desse generoso labor do Espiritismo Cristão, na pedagogia renovada à luz do Evangelho do Senhor e dentro dessas edificações novas e sublimes, poder-se-á esperar o homem de amanhã, que, consciente do seu dever e da sua obrigação divina, possuirá a Terra e o Céu com os seus Infinitos Tesouros.

Prossegui em vosso esforço e que a paz de Jesus possa radicar-se em vosso íntimo, proporcionando-vos mais belas edificações espirituais é o que vos deseja o irmão e servo humilde.


Emmanuel










Bezerra de Menezes - Livro Bezerra, Chico e Você - Chico Xavier - Cap. 44 - Família mais ampla



Bezerra de Menezes - Livro Bezerra, Chico e Você - Chico Xavier - Cap. 44


Família mais ampla


Tantas vezes nos referimos aos problemas da família no mundo!

Filhos difíceis, pais-problemas, parentes que se nos erigem condição de antagonistas, companheiros do lar que nos relegam ao abandono!

E, em consequência, as lutas aparecem, agressivas e contundentes.

É aí no instituto doméstico que somos chamados a praticar paciência e a exercitar compreensão.

Muitos de nós se acham detidos nessa oficina de burilamento e melhoria, incapazes de ultrapassar a órbita da consanguinidade para a construção do amor a que as Leis do Senhor nos destinam.

Entretanto, a nós outros, os espíritas, compete a obrigação de enxergar mais longe e reconhecer mais amplos os deveres que nos prendem à experiência comunitária.

Não somente suportar os conflitos de casa com denodo e serenidade, abraçando os entes queridos com a certeza de que os amamos, livres de nós, se assim o desejam, para serem mais cativos aos desígnios de Deus.

Não apenas isso. Entender também nos grupos em que nos movimentamos a nossa família maior. E amar, auxiliar, apoiar construtivamente e servir sempre a todos os que nos compartilhem o trabalho e a esperança!

A independência existe unicamente na base da interdependência. 

As Leis Divinas criaram com tamanha sabedoria os mecanismos da evolução que todos nós, de algum modo, dependemos uns dos outros.

Não se renasce na Terra, sem o concurso dos pais ou dos valores genéticos que forneçam.

Não se adquire cultura sem professores ou recursos que eles se decidam a formar.

Não se obtém alimento sem esforço próprio, nem sob o amparo do esforço alheio.

E nem se alcança experiência por osmose, já que todos nós somos conduzidos à arena da existência, uns à frente dos outros, afim de aprendermos a amar-nos e compreender-nos mutuamente.

Reportamo-nos a isso para dizer-vos que as tarefas em nossas mãos constituem núcleos de serviço e união, dentro dos quais, por devotamentos realizações que nos cabe efetuar, é preciso nos inclinemos à fraternidade autêntica, abençoando e ajudando a quantos nos cerquem.

Há famílias de ordem material e aquelas outras de ordem espiritual afirma-nos o Evangelho, na Doutrina Espírita.

Atendamos, por isso, ao nosso conceito de família mais ampla.

Grande é a luta, entretanto, isso se verifica, a fim de que a nossa vitória seja igualmente maior.

Conduzamos a nossa mensagem de paz e amor a quantos nos partilhem a estrada do dia a dia.

Esse é mais forte e pode oferecer-nos apoio em certo sentido, mas aquele que se revela mais fraco é o companheiro que espera de nós o auxílio necessário para fortalecer-se.

Aqui, encontramos alguém que se nos afina com o modo de pensar e de ser, transformando-se-nos em fonte de estímulo, no entanto, ali, surge outro alguém que ainda não edificou em si os valores espirituais que lhe desejamos, aguardando-nos abnegação e entendimento para se nos harmonizar comas aspirações e os ideais de mais alta expressão.

Além, identificamos a presença daqueles que conseguem ombrear conosco no mesmo nível de trabalho, incentivando-nos a servir, mas adiante, observamos a ação daqueles outros que nos afligem ou atrapalham, exigindo, porém, de nossa compreensão o auxílio preciso para se tornarem simpáticos e produtivos na obra em que fomos engajados pelo Senhor.

Família e família!

Família do coração entre algumas paredes e família maior do espírito a espraiar-se em todos os domínios da Humanidade!

Sigamos, à frente de nossas tarefas, amando e abençoando por amor à construção que nos foi confiada o que, na essência, quer dizer por amor nossa própria felicidade.

Filhos queridos!

Recordemos: cada criatura, que nos desfruta o caminho ou a experiência, é semelhante à planta que se ajudarmos nos ajuda.

Somos todos clientes uns dos outros no trabalho em que a vida nos situou. 

Agradeçamos a oportunidade de entender isso e o privilégio de trabalhar por um Mundo Melhor com o nosso Espírito Melhorado seguindo para a Vida Melhor.


Bezerra










De mensagem recebida em 24.02.1973.

Emmanuel - Livro Fonte Viva - Chico Xavier - Cap. 19 - Apascenta


Emmanuel - Livro Fonte Viva - Chico Xavier - Cap. 19


Apascenta


“Apascenta as minhas ovelhas.” — Jesus. (JOÃO, 21.17)

Significativo é o apelo do Divino Pastor ao coração amoroso de Simão Pedro para que lhe continuasse o apostolado.

Observando na Humanidade o seu imenso rebanho, Jesus não recomenda medidas drásticas em favor da disciplina compulsória.

Nem gritos, nem xingamentos.

Nem cadeia, nem forca.

Nem chicote, nem vara.

Nem castigo, nem imposição.

Nem abandono aos infelizes, nem flagelação aos transviados.

Nem lamentação, nem desespero.

“Pedro, apascenta as minhas ovelhas!”

Isso equivale a dizer: — Irmão, sustenta os companheiros mais necessitados que tu mesmo.

Não te desanimes perante a rebeldia, nem condenes o erro, do qual a lição benéfica surgirá depois.

Ajuda ao próximo, ao invés de vergastá-lo.

Educa sempre.

Revela-te por trabalhador fiel.

Sê exigente para contigo mesmo e ampara os corações enfermiços e frágeis que te acompanham os passos.

Se plantares o bem, o tempo se incumbirá da germinação, do desenvolvimento, da florescência e da frutificação, no instante oportuno.

Não analises, destruindo.

O inexperiente de hoje pode ser o mentor de amanhã.

Alimenta a “boa parte” do teu irmão e segue para diante. A vida converterá o mal em detritos e o Senhor fará o resto.


Emmanuel









Ermance Dufaux - Livro Reforma Íntima Sem Martírio - As Dores Psicológicas do Crescimento Interior - Wanderley S. de Oliveira - Cap. 8 - Arrependimento tardio



Ermance Dufaux - Livro Reforma Íntima Sem Martírio - As Dores Psicológicas do Crescimento Interior - Wanderley S. de Oliveira - Cap. 8


Arrependimento tardio


“Aliás, o esquecimento ocorre apenas durante a vida corpórea. Volvendo à vida espiritual, readquire o Espírito a lembrança do passado;” (O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 5 - Item 11). 

Na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas recebemos variadas comunicações de almas arrependidas que foram, algumas delas, enfeixadas pelo senhor Allan Kardec, na obra O Céu e o Inferno, sob o título “Criminosos Arrependidos” – um incomparável estudo sobre os efeitos do arrependimento depois da desencarnação.

O tema arrependimento é muito valorizado entre nós na erraticidade, porque raramente, sob as ilusões da matéria, a alma tem encontrado suficiente coragem para enfrentar a força dos sutis mecanismos de defesa criados pelo orgulho, deixando sempre para amanhã – um amanhã incerto, diga-se de passagem – a análise madura e sincera de suas faltas, o que traria muito alívio, saúde e paz interior.

Era manhã no Hospital Esperança. Após os afazeres da rotina, deixamos nossa casa em bairro próximo e rumamos para as atividades do dia. A madrugada havia sido de muito trabalho nas esferas da crosta terrena. Após breve refazimento, nossa tarefa naquele dia que recomeçava era visitar a ala específica de espíritas em recuperação com o drama do arrependimento tardio.

Descemos aos pavilhões inferiores do hospital e chegando à ala para a qual nos destinávamos, fomos passando pelos corredores de maior sofrimento. Alas de confinamento, salas de atendimento e monitoramento, mais adiante alguns padioleiros com novas internações. No alto de uma porta larga, à semelhança daquelas nos blocos cirúrgicos dos hospitais terrenos, havia uma inscrição que dizia “entrada restrita”. Ali se encontravam os pacientes em estágios mentais agudos de arrependimento tardio.

Logo nas primeiras acomodações, rende à entrada, deparamo-nos com Maria Severiana. Sua fisionomia não apresentava as mesmas disposições do dia anterior. Cabisbaixa, sua face denotava ter chorado bastante durante a noite. Com todo cuidado que devemos à dor alheia, aproximamos carinhosamente:

— Bom dia Severiana!

— Bom dia nada, Ermance, estou péssima.

— O que houve, minha amiga? Ontem você se encontrava tão disposta...

— Muitos difícil dizer, não sei se posso.

— Se preferir, conversaremos logo mais.

— Não, não saia daqui, preciso de alguém velando comigo. Sou todo arrependimento e perturbação.

Quando segurava a mão de Severiana e ensaiava um envolvimento mais cuidadoso, Raul, assistente da ala, fez um sinal solicitando-nos a presença em pequeno posto alguns metros adiante.

— Que houve, Raul? Severiana ontem estava... — ele nem permitiu que continuássemos e disse:

— Sim, ela teve autorização para acessar a sua ficha reencarnatória. Foi uma noite tumultuada para ela, mas bem melhor que a maioria dos quadros costumeiros. A orientação é no sentido de que ela falei abertamente sobre o assunto para não criar as defesas inoportunas à sua recuperação. Graças a Deus, ela será acentuadamente no clima do arrependimento.

— Sim, Raul, grata pela informação.

Regressaremos, então, ao diálogo com a paciente, conduzindo-o com fins terapêuticos:

— Amiga querida, gostaria de expor seus dramas para nosso aprendizado?

— Ermance, é muito difícil a desilusão! A sensação de perda é enorme e sinto-me envergonhada. Sei que não fui uma mulher cruel, mas joguei fora enormes chances de vencer a mim mesma e ajudar muitas pessoas.

— Qual de nós, Severiana, tem sido exemplar na escola da reencarnação? Sabe, porventura, quantos espíritas chegam em quadros muito mais graves que o seu?

— Tenho pouca noção, no entanto, sinto-me como a mais derrotada das mulheres espíritas.

— Isso vai passar brevemente. O clima do arrependimento, embora doloroso a princípio, é a porta de acesso a indispensáveis posturas de reequilíbrio em relação ao futuro. Sem arrependimento não existe desilusão, e sem desilusão não podemos contar com a mais vantajosa das esperanças: o desejo de melhora enriquecido pela bênção das expectativas de recomeço. O exercício da desilusão é o antídoto capaz de atenuar os reflexos das enfermidades ou faltas que ainda transportamos para além-túmulo. Existe uma frase que considero sempre oportuna pelo seu poder consolador, a qual gostaria de ler para você; ela se encontra em O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 5, item 5, e diz: “Os sofrimentos que decorrem do pecado são-lhe uma advertência de que procedeu mal. Dão-lhe experiência, fazem-lhe sentir a diferença existente entre o bem e o mal e a necessidade de se melhorar para, de futuro, evitar o que lhe originou uma fonte de amarguras”.

— Eu lhe agradeço, amiga querida. Tenho fé que meu arrependimento será impulso, embora ainda não me sinta com forças suficientes para isso. Por agora parece que estou presa em mim mesma.

— Temporariamente será assim. Logo, você perceberá que é exatamente o oposto. Digamos que o arrependimento é uma chave que liberta a consciência dos grilhões do orgulho. Enquanto peregrinamos no erro sem querer admiti-lo, temos o orgulho a nos defender com a criação de inúmeros mecanismos para aliviar nossas falhas. Chega, porém, o instante divino em que, estando demasiadamente represadas as energias da culpa, em casos como o seu, a misericórdia atua de maneira a ensejar o reajuste e a corrigenda. Sem arrepender-se, o homem é um ser que foge de si mesmo em direção aos pântanos da ilusão, por onde pode permanecer milênios e milênios. Essa não é a sua situação. Em verdade, apesar da dor, você se redime nesse momento de um episódio recente, sem vínculos com outras quedas de seu passado mais distante. Agradeça a Deus pela ocasião e supere sua expiação. Descartando quaisquer fins de curiosidade vã, tenho orientações para auxiliá-la a tratar o assunto em seu favor, portanto, tenha coragem.

— Farei isso amiga, farei, custe-me quanto custar! Não quero mais viver sob os auspícios desse monstro do orgulho que trago em mim. Chega de ilusão!

Enchendo o peito de ar como quem iria enfrentar árdua batalha, começou a contar seu drama, nesses termos:

— Como sabes, fui espírita atuante nessa precedente romagem carnal. Adquiri larga bagagem doutrinária estando na direção de uma casa espírita. Conduzia com facilidade a organização, despertando simpatia e boa vontade. Fui vencida pelo velho golpe do personalismo, sentia-me muito grandiosa espiritualmente diante dos compromissos que desincumbia. Como sempre, é o assalto da vaidade que, com nossa invigilância, faz uma limpa em nosso coração roubando-nos qualquer chance de lucidez e abnegação. Passei a vida com um grave problema no lar. Minha filha Cidália era uma moça extremamente rancorosa e magoada comigo sem motivos para isso. Alegava, nas minhas avaliações, que éramos antigas inimigas do passado e, diante das atitudes cruéis que ela cometeu contra mim em plena adolescência, cheguei a estimular a piedade de muita gente no centro espírita em relação à minha dor. Alguns chegavam a me dizer que iria direto para sublimes esferas depois dessa prova. Em vez de encontrar alternativas cristãs para resolver nossas desarmonias, distraí-me com o fato de criar teoremas espíritas para explicar minha infelicidade, mas jamais me perguntei, com a sinceridade necessária, como solucionar esse drama. Guardava o desejo da pacificação, todavia, nada fazia por isso que fosse realmente satisfatório. Fantasias e mais fantasias rondavam minha experiência. Inúmeras orientações consideradas mediúnicas falavam em obsessores perseguindo minha filha e a mim. E agora, quando fui ler minha ficha, iniciei um ciclo novo e percebi que fui vítima da mentira que me agradou. Teorizei muito sobre o que me ocorria, e amei pouco. Entretanto, Ermance, o mais grave você não sabe, e estava lá anotado na ficha à qual ainda ontem tive acesso nos arquivos, aqui no Hospital Esperança. Algo que escondi de todos e jamais mencionei a ninguém, em tempo algum. Não poderia imaginar um caso como o meu. Nem sequer, apesar do conhecimento espírita, poderia supor uma historia tão incomum como a minha.

A essa altura da explanação, Severiana ruborizou-se e perdeu o fôlego. Suspirou sofregamente e continuou:

— Fui levada ao Espiritismo depois de uma tentativa frustrada de abortar uma filha com quatro semanas de gravidez. Tomada de uma depressão e debaixo das cobranças por ser mãe solteira, cheguei a me desequilibrar emocionalmente. O tempo passava e não tinha coragem para o ato nefando; por várias circunstâncias não cheguei a executá-lo. A filha nasceu, é Cidália a quem me referi, minha única filha. Guardei comigo o segredo e parti da Terra com ele sem que ninguém jamais pudesse imaginar que um dia estie disposta a esse crime. As leis divinas, no entanto, são perfeitas. Minha desilusão começou ontem. Em princípio amaldiçoei essa ficha e achei impiedoso que permitissem acessá-la. Agora, com muita luta, começo a compreender melhor.

— E que revelação tão dura lhe trouxe seus informes reencarnatórios?

— Cidália renasceu com o propósito de ser uma companheira valorosa e companhia enriquecedora para minha solidão na vida. As informações me deram notícia de que é uma alma enormemente frustrada nos roteiros do aborto e que, após quedas sucessivas, estava reiniciando uma caminhada de recuperação nas duas últimas existências corporais para cá. Contudo, o meu ato impensado de expulsá-la do ventre, em plena gestação inicial, traumatizou-a sensivelmente perante as lutas conscienciais que ela já carrega com o assunto. O registro emocional foi ameaçador ao psiquismo da reencarnante. Seu rancor e sua mágoa contra mim nasceram ali, e nada tinham com ausência de afinidade ou carmas do pretérito. Ao substituir a culpa da tentativa de aborto pelas ideias de um passado suspeito e não confirmado, nada mais fiz que tamponar minhas más intenções. As anotações finais da ficha davam nota de que, se tivesse sido sincera com Cidália e rogado perdão, desarticularia em seu campo psíquico um mecanismo defensivo, próprio de corações que faliram nos despenhadeiros do repugnante infanticídio. Fico aqui nas minhas amarguras me cobrando severamente, mas como poderia saber disso, Ermance? Não supunha que a simples intenção poderia ser tão nociva. Você acha que estou sendo muito rigorosa?

— Claro que sim, Severiana. Contudo, não abdique da oportunidade. É sua chance de refazer os caminhos e futuramente amparar Cidália. De fato, não tinha como saber disso, o que não a isenta da responsabilidade do ato. Faltou-te o auto-perdão e o desejo sincero do encontro com suas culpas. Essa tem sido a opção da maioria esmagadora da humanidade. Preferem a fuga a ter de fazer o doloroso encontro com a sombra. Sua experiência poderá ser muito útil aos amigos encarnados, caso me autorize a contá-la. Certamente, lhes ampliará um pouco a visão sobre as infinitas possibilidades que a vida apresenta, nos roteiros da nossa redenção espiritual. Nem reencarnações passadas, nem obsessões, nem carmas, puramente um episódio aparentemente fortuito da existência que lhe rendeu os frutos amargos dessa hora. Um conjunto de situações reunidas talhando a realidade de cada um. Nada por acaso, nada sem razoes explicáveis, conquanto nem sempre conhecidas.

— Oportunamente, quando estiver melhor, gostaria de lhe narrar alguns detalhes para que a minha queda seja alerta e orientação a outras pessoas. Por agora, peço sua ajuda e a de Deus para que consiga me auto-perdoar.

— Severiana, hoje você é a mãe caída e frustrada, entretanto a vida a convida para se tornar o exemplo para muitas almas.

— Você tem razão, Ermance. A ficha, que fichinha dolorosa! - exclamou melancólica - mencionava que, caso tivesse adotado a postura de me perdoar, poderia ter contado a inúmeras criaturas a minha intenção irrefletida, a inconveniência do ato abortista ou o mal que pode causar sua simples intenção. Ainda que desconhecendo os detalhes que agora conheço, poderia falar do que significa em dor para uma mãe trazer na lembrança, diante da excelsitude de uma criança que nasceu de seu ventre, as ideias enfermiças de que um dia teria pensado em roubar-lhe a vida. Enfim, aprendi que a simples intenção nos códigos da eterna justiça, dependendo dos compromissos de cada qual, é quase a mesma coisa que agir...

Severiana recuperou-se rapidamente e prepara-se para retornar como neta de Cidália. São passados pouco mais de dois decênios de sua queda, e sua alma espera a remissão nos braços da avó.

Todavia, quem arrepende precisa de muito trabalho reparativo e luz nos raciocínios. Foi o que fez a nossa amiga. Não cessou de amparar e servir. Enquanto aguardava sua oportunidade, integrou-se às equipes de serviço aos abortistas no Hospital Esperança e aprendeu lições preciosas de consolo pra seu próprio drama.

Se não existisse trabalho redentor na vida espiritual, as almas teriam que reencarnar com brevidade porque não suportariam o nível mental das recordações e perturbações do arrependimento.

O serviço em nosso plano é uma preliminar para as provas futuras na reencarnação.

Como sempre, o Livro-luz traz em suas páginas incomparáveis uma questão que resume com perfeição o caso que narramos. Eis a pergunta:

“Qual a consciência do arrependimento no estado espiritual?”

“Desejar o arrependido uma nova encarnação para se purificar. O Espírito compreende as imperfeições que o privam de ser feliz e, por isso, aspira a uma nova existência em que possa expiar suas faltas” (O Livro dos Espíritos - Questão 991).