Simplicidade, admirável virtude
"Ele toma uma criança como tipo da simplicidade de coração e diz: "Será o maior no reino dos céus aquele que se humilhar e se fizer pequeno como uma criança, isto é, que nenhuma pretensão alimentar à superioridade ou à infalibilidade." (O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. VII, item 6)
Não foi sem razão que Jesus escolheu o homem simples para a composição inicial de seu ministério de amor.
As pessoas dotadas de simplicidade são solidárias, prestativas, disponíveis, aptas a servir, porque nada exigem intimamente que lhes impeça a prontidão espiritual,a disposição de ser útil.
Parafraseando o dicionário humano, simplicidade é a qualidade do que é simples, do que não apresenta dificuldade nem obstáculo. Simplicidade, caráter próprio não modificado por elementos estranhos. Essas conceituações nos auxiliam em nossas ponderações doutrinárias, porque a simplicidade é a ausência do ego sombrio - o orgulho. Ser simples é não ser composto da adição de algo que nos faz complexo, tal como a vaidade.
Simplicidade é um estado de consciência no qual a criatura em processo de amadurecimento integral não se deixa encantar com o supérfluo da vida, sabendo manter sintonia constante com o essencial na manutenção de sua paz interior.
A solidariedade é mais espontânea e abundante naqueles que se comportam de maneira simples, graças ao fato de serem dotados de leveza no ser, livres das tensões das normas excessivas, provocadas pelos complexos mecanismos do orgulho, que os obriga a se apresentarem ao mundo como uma cópia irreal de si próprios.
O orgulho opera complicadas situações para a vida mental de todos nós. Estabeleçamos alguns reflexos costumeiros de sua presença:
Criação de uma imagem superlativa e fictícia de si mesmo; um modelo mental artificial.
Atitude de discriminação em razão desse modelo, fugindo da alteridade.
Ausência de proximidade afetiva em função de padrões elevados de autoconceito.
Tendência a ser complexo, perfeccionista e desculpista perante as próprias falhas.
Excessiva preocupação com o que os outros pensam a seu respeito.
Somente esses itens, se estudados com mais atenção, são suficientes para comprovar a complexidade gerada pela formação desse ego sombrio.
Analisando seus efeitos perniciosos na vida espírita, encontraremos variadas manifestações de sua presença nas atividades de rotina e nas relações, realçando o personalismo que ainda nos escraviza, adiando ainda mais a aplicação da fraternidade legítima nos relacionamentos.
Um dos exemplos mais rotineiros nesse tema é a soberba, o orgulho do saber, que direciona a vida mental a acreditar que conhecimento, por si só, é referência de grandeza espiritual e libertação interior. Aprisionados a esse infeliz reflexo de egoísmo, muitos companheiros de ideal adotam sua visão e entendimento como a expressão da verdade, repetindo velho hábito pertinente à maioria de nós: enxergar o mundo por sua única e exclusiva ótica. Semelhante estado moral pode ser comparado a praga indesejável nas movimentações da gleba espírita.
Tomando por base os cincos itens analisados acima, façamos um apanhado de seus respectivos efeitos em nossas tarefas abençoadas:
Personalismo declarado em forma de opiniões e entendimento pessoal sobre temas e acontecimentos.
Exclusão de tudo e todos que não se ajustem à verdade pessoal.
Mais "amor" a sua autoimagem do que às pessoas.
Muito movimento e desgaste para pouco resultado.
Expectativa acentuada de reconhecimento e compensações.
Devemos lembrar que a vida, hoje mais que nunca, inclina-nos à parceria e à cooperação como sendo o processo ideal de crescimento social e método educativo de insubstituível adequação, na criação de elos gratificantes entre os cidadãos de uma comunidade. De tal forma que a velha postura "professoral", centrada em elevada carga de preciosismo e individualismo, com opiniões fechadas e definitivas, são condutas que tendem a ser repelidas pela convivência no lar, na profissão, nas escolas e, evidentemente, também nas organizações espiritistas. A palavra de ordem das relações humanas hoje é troca, permuta. E por que não nomeá-las como relações solidárias?
Sendo assim, a simplicidade de comportamento no modo de ser tem lugar privilegiado na hora que passa.
A ausência da atitude de simplicidade tem tolhido os atos de fraternidade e solidariedade, destacadamente, entre quantos guardam maior responsabilidade na comunidade doutrinária, em razão da ampliada visão crítica que possuem na condução de grupos, levando-os a revanchismos ideológicos improdutivos na suposição de que seja essa a solução ideal para os conflitos, quando, em verdade, deveriam se fazer mensageiros solidários, estendendo propostas comprovadamente eficientes e de solidez ante os problemas que constatam.
Ser simples, porém, não deve ser confundido com ser iletrado, piegas, tolo, subserviente e relapso. A simplicidade é um estado íntimo de consciência do autovalor sem as ilusões fascinantes do orgulho, que projeta miragens de prepotência, megalomania e indisfarçável narcisismo.
Kardec, por exemplo, era um homem acadêmico extraordinariamente bem formado, um intelectual da era do positivismo em Paris, a capital da cultura humana à sua época; um escritor de pena rara, um educador que teve a chancela de um dos maiores nomes da arte de educar, que foi Pestalozzi. No entanto, o codificador era um coração simples, sem deixar de ser intelectualmente sóbrio. Era um homem espontâneo sem perder a vigilância. Isso porque a simplicidade não dispensa os cuidados com a atenção e a prevenção que devemos ter para com a nossa existência.
Jesus, o educador excelente, para ensinar sobre quem seria o maior no reino dos céus, tomou, interativamente, em meio a seus aprendizes, de uma criança, conferindo-lhes inesquecível lição sobre a simplicidade de coração, condição elementar para a maioridade espiritual. E João Batista, o fiel defensor da justiça, reconhecendo a grandeza do Mestre, declarou a sua conhecida e instrutiva frase "é necessário que eu diminua e que ele cresça", entregando-nos uma das mais valorosas recomendações de segurança para a manutenção da simplicidade nas nossas ações, ante o serviço da causa de amor que assumimos em nossas vidas.
Ermance Dufaux
*João, 3:30.
Fonte: Diferenças não são defeitos-pdf
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