Ermance Dufaux - Livro Reforma Íntima Sem Martírio - Wanderley Oliveira - Cap. 11
A Arte de Interrogar
"Segundo a ideia falsíssima de que lhe não é possível reformar a sua própria natureza, o homem se julga dispensado de empregar esforços para se corrigir dos defeitos em que de boa vontade se compraz, ou que exigiriam muita perseverança para serem extirpados". Hahnemann (Paris, 1863). O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. 9 - Item 10
Não são poucos os companheiros que demonstram silencioso desespero quando percebem que o esforço pessoal de melhoria parece insuficiente ou sem resultados. Entregam-se às fileiras de amor ao próximo e à escola do conhecimento espiritual, mas continuam asilando impiedoso sentimento de frustração ao partirem para as lutas reeducativas, nos deveres de cada dia. Alegam que vigiam o pensamento e oram fervorosamente pedindo auxílio, no entanto, dizem-se perseguidos por uma força maior que os distrai e domina os impulsos, que fazem o que não têm intenção de fazer, sendo levados a atitudes não desejadas nem escolhidas. Nasce, então, o conflito, seguido de sentimentos punitivos que passam a povoar o coração, quais sejam a tristeza e a angústia, a vergonha e o desânimo. Instala-se, assim, o desespero mudo e desgastante que assola inúmeros aprendizes no crescimento espiritual.
Estariam, porventura, exercendo inadequadamente sua reforma? Semelhante ciclo de frustração necessariamente faz parte do programa de transformação e crescimento? Faltaria alguma postura para tornar o esforço mais produtivo? Essas são indagações que devem fazer parte das meditações de quantos anseiam pela promoção de si mesmos, sejam nos grupos de nossa causa ou nas avaliações pessoais.
Sem recolhimento e introspecção educativa não teremos respostas claras e indispensáveis para a elaboração do programa de autoconhecimento. Imprescindível efetuar perseverante investigação do que se chama força maior.
Será uma compulsão? Um Espírito? Um trauma? Uma tendência? Um recalque? Uma fixação de outras vidas? Uma patologia física? Um impulso adquirido na infância? Uma lembrança da erraticidade? Um problema surgido na gestação maternal? Uma emersão de recordações das atividades noturnas? Uma influência passageira e intermitente ou uma obsessão progressiva? Uma contaminação fluídica por nuvens de ideoplastia dos pensamentos humanos? A irradiação magnética dos ambientes? Qual a origem e a natureza das forças que nos cercam?
Será muito simplista a atitude de responsabilizar obsessores e reencarnações passadas por aquilo que sentimos e que não conseguimos explicar com maior lucidez. Em alguns casos, chega a ser mesmo um ato de invigilância.
Que variedade de opções soma-se às viagens da evolução para explicar as lutas espirituais que hoje enfrentamos! Apesar disso, não guardamos dúvidas em afirmar que o labor iluminativo de todos nós tem um ponto comum: a urgente necessidade da educação dos sentimentos.
A etimologia da palavra educação significa "trazer à luz uma ideia", vem do latim educare ou educere – prefixo “e” mais ducare ou ducere – levar para fora, fazer sair, extrair, tirar.
Filosoficamente, é fazer a ideia passar da potencia ao ato, da virtualidade à realidade.
À luz dos conceitos espíritas, educar é ir ao encontro dos germens da perfeição que se encontram potencializados na alma desde a sua criação, é despertar, dinamizar as qualidades superiores que todos trazemos nas profundezas da vida inconsciente.
Diante do montante de lutas e conflitos que amealhamos na afanosa caminhada do egoísmo, fica a indagação: como educar sentimentos para adquirir reações e interesses novos afinados com esses valores excelsos depositados em nós mesmos?
Justo agora em que a ciência avança na busca de novas alternativas para que o homem entenda a si mesmo, verificamos uma lastimável epidemia de racionalização varrendo todas as sociedades mundanas, impedindo o homem de mover-se com o necessário domínio sobre sua vida emocional.
A educação de nossos sentimentos é algo doloroso, semelhante a cirurgias corretivas que fazem do mundo emocional um complexo de vivências afetivas de longo curso, quais sejam: a renúncia a hábitos, a perda de expectativas, a ansiedade por novas conquistas, a tristeza pelo abandono de vínculos afetivos, os conflitos de objetivos, a vigilância na tentação, o contato com o sentimento da inferioridade humana, a tormenta da culpa, a severidade na cobrança, a sensação de esforço inútil, a causticante dúvida sobre quem somos e o que sentimos, a insatisfação perante tendências que teimam em persistir, o desgaste dos pensamentos nocivos que burlam a vontade, o medo de não conseguir se superar, os desejos inconfessáveis que humilham os mais santos ideais, o sentimento de impotência ante os pendores, a insegurança nas escolhas e outros tantos dramas afetivos.
"Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e precisas e não temais multiplicá-las. Justo é que se gastem alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna" (1). Eis a feliz recomendação de Santo Agostinho.
O sábio de Hipona acrescenta: "Dirigi, pois, a vós mesmos perguntas, interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que objetivo procedestes em tal ou tal circunstância, sobre se fizestes alguma coisa que, feita por outrem, censuraríeis, sobre se obrastes alguma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai ainda mais: 'Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria que temer o olhar de alguém, ao entrar de novo no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?'" (2)
Essa educação das emoções, portanto, é o imperativo de penetrarmos partes ignoradas de nossa intimidade espiritual no resgate de valores divinos adormecidos.
Considerando a extensão do trabalho a ser feito, anotemos algumas diretrizes práticas que não devemos olvidar, a fim de renovarmos o desalento que pode ser absorvido pelo clima da esperança motivadora e do consolo reconfortante, quando peregrinamos pelos escaninhos do desconhecido país de nós próprios, guardando a mais lúcida visão no serviço da autoconquista pelo estudo de nossas reações:
- As intenções são o localizador de frequência da consciência. Por elas sintonizamos as faixas mentais que desejamos naturalmente ou que escolhemos pelo poder de decisão da vontade. Conhecê-las nas vivências e identificar seu teor moral será rica fonte informativa sobre a vida subconsciencial: com que intenção pratiquei tal ato? Qual a intenção ao dizer algo a alguém?
- Aprendamos a dar nome aos sentimentos que vivenciamos a fim de dilatar o discernimento sobre a vida emocional; escolha um episódio de seu dia e interrogue perseverantemente: que sentimento estava por trás daquele acontecimento?
- Cuidemos de não ampliar nossas lutas íntimas com mecanismos de fuga e suposta proteção como a negação daquilo que sentimos. Se não tivermos coragem para o enfrentamento interior, não faremos muito progresso na arte de descobrir nossas mazelas e mesmo nossas qualidades. Imprescindível será admitir o que sentimos, sem medos e subterfúgios de defesa, mas com muita responsabilidade para que não penetremos os meandros da fantasia: por que senti (nomear o sentimento) em relação a essa criatura? Qual a razão desse meu sentimento em circunstâncias como a que experimentei?
- Nossas reações aos desafios da vida, mesmo que não sejam felizes expressões de equilíbrio, são valorosas medidas aferidoras dos nossos sentimentos. Indaguemos sempre, em cada ocasião do caminho: qual o sentimento nos impulsionou nessa ou naquela situação?
- Cultivar a empatia. Aprender a se colocar no lugar do outro e sentir o que sente, entender-lhe as razoes e procurar estudar os motivos emocionais de cada pessoa. Todos temos uma razão no reino do coração para fazer o que fazemos, então questionemos: por que motivo aquela pessoa agiu assim comigo? Que motivações levam alguém a fazer o que fez?
Portanto, como diz Hahnemann em nossa introdução, nossa tarefa reeducativa exige muita perseverança e esforço. Isso leva muitos a preferir a ilusão de cultivar a ideia falsíssima de que é impossível mudar nossas naturezas. Ledo engano!
Deveríamos nos dar por muito satisfeitos no dia de hoje pelo simples fato de não recorrermos intencionalmente ao mal.
O grave equívoco é que muitos lidadores da Nova Revelação acreditam que renovar é angelizar!
Ermance Dufaux
(1) O Livro dos Espíritos - Questão 919 a.
(2) O Livro dos Espíritos - Questão 919 a.
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