quinta-feira, 17 de junho de 2021

Joanna de Ângelis - Livro Conflitos Existenciais - Divaldo P. Franco - Cap. 6 - Culpa - A Psicologia da Culpa




Joanna de Ângelis - Livro Conflitos Existenciais - Divaldo P. Franco - Cap. 6 - Culpa


A Psicologia da Culpa


Duas são as causas psicológicas da culpa: a que procede da sombra escura do passado, da consciência que se sente responsável por males que haja praticado em relação a outrem e a que tem sua origem na infância, como decorrência da educação que é ministrada.

A culpa é resultado da raiva que alguém sente contra si mesmo, voltada para dentro, em forma de sensação de algo que foi feito erradamente.

 Este procedimento preexiste à vida física, porque originário, na sua primeira proposta, como gravame cometido contra o próximo, que gerou conflito de consciência.

Quando a ação foi desencadeada, a raiva, o ódio ou o desejo de vingança, ou mesmo a inconsequência moral, não se permitiram avaliação do desatino, atendendo ao impulso nascido na mesquinhez ou no primarismo pessoal. 

Lentamente, porém, o remorso gerou o fenômeno de identificação do erro, mas não se fez acompanhar de coragem para a conveniente reparação, transferindo para os arquivos do Espírito o conflito em forma de culpa, que ressuma facilmente ante o desencadear de qualquer ocorrência produzida pela associação de ideias condutora da lembrança inconsciente.

Quando isto ocorre, o indivíduo experimenta insopitável angústia, e procura recurso de autopunição como mecanismo libertador para a consciência responsável pelo delito que ninguém conhece, mas se lhe encontra ínsito no mapa das realizações pessoais, portanto, intransferível.

Apresenta-se como uma forte impregnação emocional, em forma de representações ou idéias (lembranças inconscientes), parcial ou totalmente reprimidas, que ressurgem no comportamento, nos sonhos, com fortes tintas de conflito psicológico.

Na segunda hipótese, a má formação educacional, especialmente quando impede a criança de desenvolver a identidade, conspira para a instalação da culpa.

Normalmente exige-se que o educando seja parcial e adulador, concordando com as ideias dos adultos – pais e educadores – que estabelecem os parâmetros da sua conduta, sem terem em vista a sua espontaneidade, a sua liberdade de pensamento, a sua visão da existência humana em desenvolvimento e formação.

É de lamentar-se que as crianças sejam manipuladas por genitores e professores, quando frustrados, que lhes transmitem a própria insegurança, insculpindo-lhes comportamentos que a si mesmos se agradam em detrimento do que é de melhor para o aprendiz.

Precipita-se-lhe a fase do desenvolvimento adulto com expressões pieguistas, nas quais se afirmam: “já é uma mocinha”, “trata-se de um rapazinho”, inculcando-lhes condutas extravagantes, sem que deixem de ser realmente crianças.

A vida infantil é relevante na formação da personalidade, na construção da consciência do Si, na definição dos rumos existenciais.

A conduta dos adultos grava no educando a forma de ser ou de parecer, de conviver ou de agradar, de conquistar ou de utilizar-se, dando surgimento, quase sempre, quando não correta, a inúmeros conflitos, a diversas culpas.

Constrangida a ocultar a sua realidade, a fim de não ser punida, sentindo-se obrigada a agradar os seus orientadores, a criança compõe um quadro de aparência como forma de conveniência, frustrando-se profundamente e perturbando o caráter moral que perde as diretrizes de dignidade, os referenciais do que é certo e do que é errado...

Essa má-educação é imposta para que os educandos sejam bons meninos e boas meninas, o que equivale dizer, que atendam sempre aos interesses dos adultos, não os contrariando, não os desobedecendo. Bem poucas vezes pensa-se no bem estar da criança, no que lhe apraz, naquilo que lhe é compatível com o entendimento.

Vezes outras, como forma escapista da própria consciência os pais cumulam os filhos com brinquedos e jogos, em atitude igualmente infantil de suborno emocional, a fim de os distrair, em realidade, no entanto, para fugirem ao dever da sua companhia, dos diálogos indispensáveis, da convivência educativa mais pelos atos do que pelas palavras.

Apesar de pretender-se tornar independente o educando, invariavelmente ele cresce co-dependente, isto é, sem liberdade de ação, de satisfação, culpando-se toda vez que se permite o prazer pessoal fora dos padrões estabelecidos e das imposições programadas.

Para poupar-se a problemas, perde a capacidade de dizer não, a espontaneidade de ser coerente com o que pensa, com o que sente, com o que deseja.

Não poucas vezes, a criança é punida quando se opõe, quando externa o seu pensamento, quando se nega, alterando a maneira de ser, a fim e evitar-se os sofrimentos.

Há uma necessidade psicológica de negar-se, de dizer-se não, sempre que se faça próprio, sem a utilização de métodos escapistas que induzem à pusilanimidade, à incoerência de natureza moral.

Não se pode concordar com tudo, e, ipso facto, omitir-se de dizer-se o que se pensa, de negar-se, de ser-se autêntico. Certamente a maneira de expressar a opinião é que se torna relevante, evitando-se a agressividade na resposta negativa, a prepotência na maneira de traduzir o pensamento oposto. Torna-se expressivo, de certo modo, não exatamente o que se diz, mas a maneira como se enuncia a informação.

Esse hábito, porém, deve ser iniciado na infância, embutindo-se no comportamento do educando a coragem de ser honesto, mesmo que a preço de algum ônus.

Essa insegurança na forma de proceder e a dubiedade de conduta, a que agrada aos outros e aquela que a si mesmo satisfaz, quase sempre desencadeiam processos sutis de culpa, que passam a zurzir o indivíduo na maioria das vezes em que é convidado a definir rumos de comportamento.

A culpa pode apresentar-se a partir do momento em que se deseja viver a independência, como se isso constituísse uma traição, um desrespeito àqueles que contribuíram para o desenvolvimento da existência, que deram orientação, que se esforçaram pela educação recebida. Entretanto, merece considerar que, se o esforço foi realizado com o objetivo de dar felicidade, a mesma começa a partir do instante em que o indivíduo afirma-se como criatura, em que tem capacidade para decidir, para realizar, para fazer-se independente.

Os adultos imaturos, no entanto, diante desse comportamento cobram o pagamento pelo que fizeram, dizendo-se abandonados, queixando-se de ingratidão, provocando sentimentos injustificáveis de culpa, conduta essa manipuladora e infeliz.

Esse método abusivo é normalmente imposto à infância, propiciando que a culpa se instale, quando a criança dá-se conta de que pensa diferente dos seus pais, exigindo desses educadores sabedoria para poderem diluí-la e apoiarem o que seja correto, modificando o que não esteja compatível com a educação.

A culpa é algoz persistente e perigoso, que merece orientação psicológica urgente.


Joanna de Ângelis 









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