sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Joanna de Ângelis - Livro O Homem Integral - Divaldo P. Franco - Cap. 22 - Mecanismos de evasão



Joanna de Ângelis - Livro O Homem Integral - Divaldo P. Franco - Cap. 22


Mecanismos de evasão


A larga infância psicológica das criaturas é dos mais gra­ves problemas, na área do comportamento humano.

Habituada, a criança, a ter as suas necessidades e anseios resolvidos, imaturamente, pelos adultos — pais, educadores, familiares, amigos — ou atendidos pela violência do clã e da sociedade, nega-se a crescer, evitando as responsabilidades que enfrentará.

No primeiro caso, porque tudo lhe chega às mãos de for­ma fácil, dilata o período infantil, acreditando que a vida não passa de um joguete e o seu estágio egocêntrico deve perma­necer, embora a mudança de identidade biológica, de que mal se dá conta.

Mimada, acomoda-se a exigir e ter, recusando-se o esfor­ço bem dirigido para a construção de uma personalidade equi­librada, capaz de enfrentar os desafios da vida, que lhe che­gam, a pouco e pouco.

Acreditando-se credora de todos os direitos, cria meca­nismos inconscientes de evasão dos deveres, reagindo a eles pelas mais variadas como ridículas formas de atitude, nas quais demonstra a prevalência do período infantil.

No segundo caso, sentindo-se defraudada pelo que lhe foi oferecido com má vontade e azedume ou sistematicamente negado, a criança se transfere de uma para outra faixa etária, sem abandonar as sequelas da sua castração, buscando reali­zar os desejos sufocados, mas, vivos, quando lhe surja a opor­tunidade.

Em ambos acontecimentos, o desenvolvimento emocio­nal não corresponde ao físico e ao intelectual, que não são afetados pelos fenômenos psicológicos da imaturidade.

Excepcionalmente, pode suceder que o alargamento do período infantil, por privação dos sentimentos e pelas angús­tias, produza distúrbios na saúde física como na mental, ge­rando dilacerações profundas, difíceis de serem sanadas.

Na generalidade, porém, o que sucede são as apresenta­ções de adulto susceptível, medroso, instável, ciumento, que não superou a crise da infância, nela permanecendo sob con­flitos lastimáveis.

As figuras domésticas representadas pelo pai e pela mãe permanecem em atividade emocional, no inconsciente, re­solvendo os problemas ou atemorizando o indivíduo, que se refugia em mecanismos desculpistas para não lutar, manten­do-se distante de tudo quanto possa gerar decisão, envolvi­mento responsável, enfrentamento.

Fugindo das situações que exigem definição, parte para as formulações e comportamentos parasitas, buscando nas pessoas que considera fortes e são elegidas como seus heróis ou seus superiores, porquanto, tudo que elas empreendem se apresenta coroado de êxito.

Não se dá conta da luta que travam, das renúncias e sacri­fícios que se impõem. Esta parte, não lhe interessa, ficando propositadamente ignorada.

Como efeito cresce-lhe a área dos conflitos da personali­dade, com predominância da autocompaixão, num esforço egoísta de receber carinho e assistência, sem a consciência da necessidade de retribuição.

Não lhe amadurecendo os sentimentos da solidariedade e do dever, crê-se merecedor de tudo, em detrimento do esfor­ço de ser útil ao próximo e à comunidade, esquecendo-se das falsas necessidades para tornar-se elemento de produção em favor do bem geral.

Instável emocionalmente, ama como fuga, buscando apoio, e transfere para a pessoa querida as responsabilidades e preocupações que lhe são pertinentes, tornando o vínculo afetivo insuportável para o eleito.

Outras vezes, a imaturidade psicológica reage pela forma de violência, de agressividade, decorrentes dos caprichos in­fantis que a vida, no relacionamento social, não pode aten­der.

Uma peculiar insensibilidade emocional domina o indi­víduo, que se desloca, por evasão psicológica, do ambiente e das pessoas com quem convive, poupando-se a aflições e somente considerando os próprios problemas, que o como­vem, ante a frieza que exterioriza quando em relação aos so­frimentos do próximo.

O homem nasceu para a autorrealização, e faz parte do grupo social no qual se encontra, a fim de promovê-lo cres­cendo com ele. Os problemas devem constituir-lhe meio de desenvolvimento, em razão de serem-lhe estímulos-desafios, sem os quais o tédio se lhe instalaria nos painéis da atividade, desmotivando-o para a luta.

Desse modo, são parte integrante da estruturação mental e emocional, responsáveis pelos esforços do próximo e do grupo em conjunto, para a sobrevivência de todos. O solitário é prejuízo e dano na economia social, pertur­bando a coletividade.

Fatores que precedem ao berço, presentes na historiogra­fia do homem, decorrentes das suas existências anteriores, situam-no, no curso dos renascimentos, em lares e junto aos pais de quem necessita, a fim de superar as dívidas, desen­volver os recursos que lhe são inerentes e lhe estão adorme­cidos, dando campo à fraternidade que deve viger em todos os seus atos.

Assim, cumpre-lhe libertar-se da infância psicológica, mediante as terapias competentes, que o desalgemam dos condicionamentos perniciosos, ao mesmo tempo trabalhan­do-lhe a vontade, para assumir as responsabilidades que fa­zem parte de cada período do desenvolvimento físico e inte­lectual da vida.

Partindo de decisões mais simples, o exercício de ações responsáveis, nas quais o insucesso faz parte dos empreendimentos, o homem deve evitar os mecanismos de evasão, assim como as justificativas sem sentido, tais: não tenho culpa, não estou acostumado, nada comigo dá certo, aí ocultando a sua realidade de aprendiz, para evitar as outras tentativas que certamente se farão coroar de êxitos.

A experiência do triunfo é lograda através de sucessivos erros. O acerto, nos primeiros tentames, não significa a segurança de continuados resultados positivos.

Em todas as áreas do comportamento estão presentes a glória e o fracasso, como expressões do mesmo empreendimento.

A fixação de qualquer aprendizagem dá-se mediante as tentativas frustradas ou não. Assim, vencer o desafio é esforço que resulta da perseverança, da repetição, sem enfado nem cansaço.

Toda fuga psicológica contribui para a manutenção do medo da realidade, não levando a lugar algum. Mediante sua usança, aumentam os receios de luta, complicam-se os mecanismos de subestima pessoal e desconsideração pelos próprios valores.

O homem, no entanto, possui recursos inesgotáveis que estão ao alcance do esforço pessoal.

Aquele que se demora somente na contemplação do que deve fazer, porém, não se anima a realizá-lo, perde excelente oportunidade de desvendar-se, desenvolvendo as capacidades adormecidas que o podem brindar com segurança e realização interior.

Todo o esforço a ser envidado, em favor da libertação dos mecanismos de fuga, contribui para apressar o equilíbrio emocional, o amadurecimento psicológico, de modo a assumir a sua humanidade, que é a característica definidora do indivíduo: sua memória, seus valores, seus atos, seu pensamento.

A fuga, portanto, consciente ou não, no comportamento psicológico, deve ser abolida, por incondizente com a lei do progresso, sob a qual todas as pessoas se encontram submetidas pela fatalidade da evolução.

 
Joanna de Ângelis














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