Emmanuel - Livro O Evangelho por Emmanuel - Chico Xavier - Vol. V - 2ª Parte - Textos paralelos de Atos dos apóstolos e Paulo e Estêvão - Cap. 103
A visão de Jesus na Igreja de Corinto e o início das epístolas
O Senhor disse a Paulo, à noite, através de uma visão: não temas, mas fala e não silencies, porque eu estou contigo; e ninguém te atacará para te fazer mal porque tenho um povo numeroso nesta cidade. — (Atos 18:9, 10)
Com a presença de Paulo, a igreja de Corinto adquiria singular importância e quase diariamente chegavam emissários das regiões mais afastadas. Eram portadores da Galácia a pedirem providências para as igrejas de Pisídia; companheiros de Icônio, de Listra, de Tessalônica, de Chipre, de Jerusalém. Em torno do Apóstolo formou-se um pequeno colégio de seguidores, de companheiros permanentes, que com ele cooperavam nos mínimos trabalhos. Paulo, entretanto, preocupava-se intensamente. Os assuntos eram urgentes quão variados. Não podia olvidar o trabalho de sua manutenção: assumira compromissos pesados com os irmãos de Corinto; devia estar atento à coleta destinada a Jerusalém; não podia desprezar as comunidades anteriormente fundadas.
Aos poucos, compreendeu que não bastava enviar emissários. Os pedidos choviam de todos os sítios por onde perambulara, levando as alvíssaras da Boa Nova. Os irmãos, carinhosos e confiantes, contavam com a sua sinceridade e dedicação, compelindo-o a lutar intensamente.
Sentindo-se incapaz de atender a todas as necessidades ao mesmo tempo, o abnegado discípulo do Evangelho, valendo-se, um dia, do silêncio da noite, quando a igreja se encontrava deserta, rogou a Jesus, com lágrimas nos olhos, não lhe faltasse com os socorros necessários ao cumprimento integral da tarefa.
Terminada a oração, sentiu-se envolvido em branda claridade. Teve a impressão nítida de que recebia a visita do Senhor. Genuflexo, experimentando indizível comoção, ouviu uma advertência serena e carinhosa:
— Não temas — dizia a voz —, prossegue ensinando a verdade e não te cales, porque estou contigo.
O Apóstolo deu curso às lágrimas que lhe fluíam do coração. Aquele cuidado amoroso de Jesus, aquela exortação em resposta ao seu apelo, penetravam-lhe a alma em ondas cariciosas. A alegria do momento dava para compensar todas as dores e padecimentos do caminho. Desejoso de aproveitar a sagrada inspiração do momento que fugia, pensou nas dificuldades para atender às várias igrejas fraternas. Tanto bastou para que a voz dulcíssima continuasse:
— Não te atormentes com as necessidades do serviço. É natural que não possas assistir pessoalmente a todos, ao mesmo tempo. Mas é possível a todos satisfazeres, simultaneamente, pelos poderes do espírito.
Procurou atinar com o sentido justo da frase, mas teve dificuldade íntima de o conseguir.
Entretanto, a voz prosseguia com brandura:
— Poderás resolver o problema escrevendo a todos os irmãos em meu nome; os de boa vontade saberão compreender, porque o valor da tarefa não está na presença pessoal do missionário, mas no conteúdo espiritual do seu verbo, da sua exemplificação e da sua vida. Doravante, Estêvão permanecerá mais conchegado a ti, transmitindo-te meus pensamentos, e o trabalho de evangelização poderá ampliar-se em benefício dos sofrimentos e das necessidades do mundo.
O dedicado amigo dos gentios viu que a luz se extinguira; o silêncio voltara a reinar entre as paredes singelas da igreja de Corinto; mas, como se houvera sorvido a água divina das claridades eternas, conservava o Espírito mergulhado em júbilo intraduzível. Recomeçaria o labor com mais afinco, mandaria às comunidades mais distantes as notícias do Cristo.
De fato, logo no dia seguinte, chegaram portadores de Tessalônica com notícias desagradabilíssimas. Os judeus haviam conseguido despertar, na igreja, novas e estranhas dúvidas e contendas. Timóteo corroborava com observações pessoais. Reclamavam a presença do Apóstolo com urgência, mas este deliberou pôr em prática o alvitre do Mestre, e recordando que Jesus lhe prometera associar Estêvão à divina tarefa, julgou não dever atuar por si só e chamou Timóteo e Silas para redigir a primeira de suas famosas epístolas.
Assim começou o movimento dessas cartas imortais, cuja essência espiritual provinha da Esfera do Cristo, através da contribuição amorosa de Estêvão — companheiro abnegado e fiel daquele que se havia arvorado, na mocidade, em primeiro perseguidor do Cristianismo.
Percebendo o elevado espírito de cooperação de todas as obras divinas, Paulo de Tarso nunca procurava escrever só; buscava cercar-se, no momento, dos companheiros mais dignos, socorria-se de suas inspirações, consciente de que o mensageiro de Jesus, quando não encontrasse no seu tono sentimental as possibilidades precisas para transmitir os desejos do Senhor, teria nos amigos instrumentos adequados.
Desde então, as cartas amadas e célebres, tesouro de vibrações de um mundo superior, eram copiadas e sentidas em toda parte. E Paulo continuou a escrever sempre, ignorando, contudo, que aqueles documentos sublimes, escritos muitas vezes em hora de angústias extremas, não se destinavam a uma igreja particular, mas à cristandade universal. As epístolas lograram êxito rápido. Os irmãos as disputavam nos rincões mais humildes, por seu conteúdo de consolações, e o próprio Simão Pedro, recebendo as primeiras cópias, em Jerusalém, reuniu a comunidade e, lendo-as, comovido, declarou que as cartas do convertido de Damasco deviam ser interpretadas como cartas do Cristo aos discípulos e seguidores, afirmando, ainda, que elas assinalavam um novo período luminoso na história do Evangelho.
Emmanuel
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