Joanna de Ângelis - Livro Jesus e o Evangelho à Luz da Psicologia Profunda - Divaldo P. Franco - Cap. 4
Diversidade de moradas
"(...) Há muitas moradas na casa de meu Pai." João, 14:2 (Ev. Cap. III - Item 3)
A ingenuidade medieval explicava que as estrelas fulgurantes no Infinito eram lâmpadas mágicas para iluminarem a noite por misericórdia de Deus. O conceito geocêntrico do Universo expressava o limite imposto pelo grau de desenvolvimento cultural e intelectual dos seres ainda presos aos interesses da sobrevivência em ambiente físico, social, político e religioso hostil e castrador das expressões de liberdade, de conhecimento e de felicidade que sempre se encontram ínsitos nos seres humanos.
Os dogmas perversos naquela cultura ainda primitiva, na qual predominava a força do poder temporal, mesclado com o religioso disfarçado nas sombras coletivas dos dominadores, impediam a compreensão do ensinamento de Jesus que procedia de outras Esferas, portanto, de uma feliz morada que a mente humana de então não dispunha de meios para entender.
Vivendo níveis de consciência muito primitivos, em sono e com leves sonhos, não era possível alcançar outros degraus, em razão do conhecimento e do pensamento se deterem nos estágios primitivo e mitológico, que constituíram base para o estabelecimento de alguns princípios religiosos mais compatíveis com as necessidades existenciais, relacionando-os interpretativamente com as propostas morais e espirituais neotestamentárias.
Sem recursos para libertar o espírito que vivifica da letra que mata, os teólogos mantinham as mentes encarceradas na sujeição às palavras e aos decretos audaciosos de reis e papas dominadores, antes que aos nobres postulados libertadores da consciência livre de peias, conforme Jesus viera ensinar, estabelecendo o primado do Espírito como fundamental para o progresso da Humanidade.
A Terra, então, considerada como centro do Universo, era o núcleo fundamental do pensamento cultural e religioso, estabelecendo que o Reino dos Céus se desenhava em torno do globo como se fosse também um dos áulicos girando à sua volta, sempre acima, porque abaixo se encontrava o inferno de punição eterna, compatível com a sombra coletiva encarregada de coibir o desenvolvimento e o comportamento da sociedade.
O homem, escravo de outros homens, mesmo que vivendo em liberdade, encontrava-se-lhes submetido e servil, sem o direito de alcançar a própria identidade, confundida nos conflitos ancestrais que o inconsciente coletivo e individual liberava em contínua aflição.
A Terra, segundo a mentalidade religiosa daqueles dias, era um vale de lágrimas, um lugar de desterro, naturalmente para alguns - aqueles que eram submetidos indefensos - enquanto aqueloutros que assim se expressavam locupletavam-se nos gozos ou deixavam-se arrebatar pelos conflitos masoquistas em que se consumiam, perdidos nos transtornos emocionais e sexuais que os perturbavam. Tornavam-se cruéis, em consequência, impondo castrações dolorosas que ainda remanescem através dos tempos em inúmeras condutas individuais e de diferentes grupos socioculturais.
A cristologia em que se fundamentava a Igreja antiga, e ainda permanece, apesar das atuais conquistas indiscutíveis da astrofísica, considerando Jesus-Deus - em total embriaguez conceptual que se opõe à realidade de Jesus-Homem, Filho e não Pai, não se diluindo no mistério da Santíssima Trindade, próprio ao pensamento mítico ancestral -, considerava que essas moradas poderiam ser identificadas como o Paraíso, o Purgatório e o Inferno, para onde eram recambiadas as almas após a morte física de acordo com a sua fidelidade ou o não cumprimento dos postulados evangélicos.
A pobreza e a aridez desse pensamento fanático olvidavam ou condenavam todos os povos nos quais as propostas de Jesus não haviam chegado e onde, por sua vez, predominavam os excelentes ensinos também libertadores de Krishna, Buda, Lao-Tsé, Confúcio, Hermes Trismegisto e muitos outros missionários do Bem e do Amor, cujas vidas expressavam a grandiosa anterioridade de sua procedência. Seus ministérios eram significativos e prenunciavam o momento de Jesus, que lentamente se inscreveria nos tempos afora, ampliando aqueles ensinamentos que O precederam.
Na perspectiva da Psicologia Profunda, todos eles foram libertadores das sombras coletiva e individual, sulcando o solo do ego para deixar que desabrochasse o Self e todas as suas implicações na consciência geral.
Psicoterapeutas especiais preconizavam o amor e a sabedoria como métodos essenciais para a plenitude, embora sob diferentes colocações que, sem dúvida, levam à mesma unidade do pensamento condutor da Divindade.
Intuídos pela percepção extrassensorial, e alcançando o estágio numinoso, contribuíram decisivamente para o adiantamento espiritual de milhões de vidas que se encontravam na ignorância da realidade, e alteraram o comportamento geral, deixando marcas especiais de entendimento das Divinas Leis e da Regência do Cosmo.
Disciplinando a vontade mediante experiências psíquicas vivas e intercâmbio seguro com os Espíritos, alcançaram a Realidade e embriagaram-se de alegria no corpo, de que se utilizavam momentaneamente a fim de retornarem ao estado de plenitude definitiva que haviam antegozado.
Na meditação e na educação dos instintos conseguiram desprender-se parcialmente dos elos retentivos da matéria, mesmo enquanto a habitavam, trazendo das Esferas vivas por onde transitavam as mais belas lições de harmonia e de felicidade, que constituíam motivo e atração para o retorno após a execução dos compromissos vivenciados no mundo.
Jesus o sabia, e denominou-os como ovelhas que não pertencem a este rebanho, referindo-se aos presunçosos contemporâneos que se atribuíam a paternidade divina com desdém pelos demais povos, que certamente teriam outra ascendência, o que constitui um absurdo, partindo-se do pressuposto de que Deus é Pai e Criador de tudo e de todos.
A existência terrena deve ser vivenciada com prazer e emoção, em face da riqueza de experiências que oferece, auxiliando o Espírito a desenovelar-se das faixas inferiores das paixões. Não se trata do prazer que se afigura como vício, crime ou hediondez, mas da conduta daquele que o frui, não se deixando devorar pelo hedonismo imediatista, mas experienciando o júbilo dos gozos que estimulam ao avanço e compensam os cansaços e desaires dos empreendimentos humanos.
Jesus-Homem não apresentou métodos, técnicas, condutas especiais para conseguir-se o Reino. Ele é tudo isso, viveu todas essas expressões, apontando as muitas moradas que existem na Casa do Pai.
Referiu-se, indubitavelmente, aos mundos habitados que povoam o Universo, graças aos milhões de galáxias que surgem umas e se consomem outras absorvidas pelos buracos negros, exaltando a incomparável e insuperável glória da Criação.
Quanto mais primitivo o princípio espiritual, mais grosseiro é o mundo em que deve habitar, a fim de experimentar o desabrochar dos conteúdos psíquicos nele jacentes, que se vão desenvolvendo conforme os fatores mesológicos e circunstanciais, guiado pelo fatalismo da evolução que nele existe, ascendendo na escala da evolução e transferindo-se de um para outro mundo conforme a necessidade do seu progresso que jamais se encontra estanque.
Mundos, sim, existem, que podem ser considerados infernais, tendo-se em vista as condições de habitabilidade, para onde são recambiados os Espíritos calcetas e renitentes, que sintonizam com o seu psiquismo, ali depurando-se dos instintos mais asselvajados, porém, ascendendo depois a outras estâncias purgatoriais, menos severas e mais compatíveis com o programa de desenvolvimento espiritual até alcançar aqueles que são felizes, onde não mais existem dores nem vazios existenciais, infortúnios ou ambições inúteis.
O bem e o mal - essa dualidade luz e sombra - em que se debate o Espírito humano, representam o futuro e o passado de cada ser humano no trânsito evolutivo.
O primeiro, à luz da Psicologia Profunda, é o autoencontro, a liberação do lado escuro plenificado pelo conhecimento da verdade, enquanto o outro são as fixações do trânsito pelos instintos primários, que ainda vicejam nos sentimentos e na conduta, aguardando superação.
Examinando-se o planeta terrestre, onde se debatem as forças do bem e do mal, constatamos ser ele uma escola de provas e de depurações cujas lições de aprimoramento ocorrem mediante o império do sofrimento, mas que podem converter-se ao impositivo do amor em conquistas permanentes, felicitadoras.
Na razão direta em que o Self predomina sobre o ego, e as lições de Jesus são essenciais a essa mudança, a essa superação de paixões, menos materializado se torna o Espírito, que aprende a aspirar a mais altas especulações e conquistas ambicionando o Infinito.
Procedente de outra morada ditosa e superior à terrestre, denominada Reino dos Céus, Jesus-Homem, exemplo de amor e de abnegação, sem subterfúgios e com decisão, veio convidar as Suas criaturas a segui-lo, pois que, somente assim alcançariam Deus pelo conhecimento e pelo sentimento, integrando-se no psiquismo superior que d'Ele dimana.
Com toda justeza, portanto, considerando a ignorância humana, e elucidando quanto à necessidade da plenitude, explicitou que há muitas moradas na casa de meu Pai, em convite subliminar, ao mesmo tempo direto, para que todos se empenhassem por alcançá-las.
Joanna de Ângelis
Nenhum comentário:
Postar um comentário