Henrique - Livro Claramente Vivos - Familiares diversos / Chico Xavier - Cap. 6 - Somos o que sentimos
“Veia” (1) querida, abençoe seu filho, enquanto rogo a Deus nos proteja a todos. É verdade por dentro do coração.
Creio que ainda não havia encontrado uma noite de Natal com a sua companhia, na alegria iluminada de preces e lágrimas, quanto a de hoje.
Creia, Dona Augustinha, que o Livro da Vida é feito de páginas vivas, que às vezes nos sangram o coração. Mas não apenas pelas impressões de interpretação difícil do sofrimento que observamos nos outros, mas sobretudo de alegria indefinível ante o mergulho de nosso entendimento nas Leis de Deus.
Agora, vejo melhor. A dor é uma oportunidade. A luta da Terra é um desafio à nossa capacidade de compreender e auxiliar.
Hoje, tivemos uma noite da Família Maior. Em cada criatura que visitamos, vi a imagem dos nossos entes queridos. Estranho pensar que precisamos, por vezes, de perder o espólio das células físicas para enxergarmos a realidade.
Por aí, a gente promete, promete e promete, mas raramente não se adia a execução dos votos formulados. Não sei realmente se teria penetrado a beleza do Natal, se estivesse aí vestindo a farda do corpo denso.
Talvez que numa hora desta, com certeza falaria em Natal, distanciadamente, qual se Jesus houvesse sido no mundo um nome raro ou um grande artista da bondade que nos bastaria admirar.
Entretanto, “Veia” querida, meus companheiros de festa, hoje, em sua companhia, foram meu pai Gastão, foi o amigo Oscar, o meu avô Manoel e o meu tio Labieno, sem falar do nosso caro amigo Alvicto (2) e outros muitos que partilhamos a visitação fraterna, em nome do Eterno Amigo.
O nome de Jesus soou nesta noite para seu filho com novo sentido. O nome santo que eu nem sempre soube entender, demonstrava o pranto de alegria dos enfermos algemados aos catres de purgação, significava a expectativa de tantas crianças que fitavam o pão como quem encontra um tesouro; expressava a esperança das mães agoniadas de dor com a perda de filhos queridos, e me obrigava a refletir que as provações alheias são talvez sempre mais complicadas e mais dolorosas do que as nossas.
E aqui a caravana fazia pausa, a fim de ouvir os irmãos “do avesso” — o lado em que nos encontramos —, a região dos que perderam o corpo e ainda não conseguiram desvincular os pensamentos, desarraigando-os da Terra ou das situações obscuras da Terra.
Não sei aclarar pra vocês o que se passa com a gente, por aqui. Um nó na garganta parece atar as ideias na cabeça e liberar as lágrimas no coração. O cérebro se prende ao dever de meditar sobre nós mesmos, e a alma chora de júbilo pela possibilidade de se redescobrir.
Recebi tanto de você e doei tão pouco, mas tão pouco em se referindo a mim mesmo: Tive um pai maravilhoso, e em você o anjo maternal que me guiava sem que eu quisesse aceitar de todo o caminho que a sua ternura me indicava, um irmão amigo em nosso Eduardo, irmãs queridas em Márcia e Ângela, (3) e outros irmãos devotados no Mário Lúcio e no Luiz Antônio. (4)
Tive o tio Wilson a me obter trabalho e a tia Gilca, (5) que é sempre um retrato de sua bondade maternal —, entretanto, penso no que poderia ter feito e não fiz. Você dirá que não é assim, que fui um modelo no seu figurino de virtudes, e compreendo que toda mãe é assim mesmo — “um anjo de Deus velando sobre nós”.
Mas por dentro de mim, vou recolhendo instruções para uma iniciação que me conduza a uma Vida Superior. Digo assim, porque agora percebo que a paisagem externa é o nosso próprio reflexo.
Somos o que sentimos, vivemos naquilo que pensamos, e criamos naquilo que estejamos fazendo. Uma página humana ao vivo, vale por muitas lições lidas.
Peça, querida mãe, a Deus por seu Henrique. Desejo melhorar-me, compreender e fazer alguma luz nas sombras de minh'alma. Os exemplos de serenidade e paz dos corações humildes são luzes que nos descobrem perante nós mesmos.
Até confrontarmos as nossas provas com as dificuldades dos outros, as escamas do egoísmo nos recobrem a visão, e caminhar para diante escalando as pedreiras do progresso espiritual é muito difícil para os destreinados, qual ainda sou, distanciado que vivi das telas de angústia silenciosa de tantos que sabem aceitar a dor por instrutora íntima de nossas experiências.
Agradeço o Natal que o seu carinho me deu, e embora me reconheça de mãos vazias, ofereço a você a renovação de minhas promessas de rapaz, no sentido de seguir cada vez mais integrado no ritmo de seus passos, no anseio de elevar-me aos cimos do bem.
Não há pretensão nos meus anseios, porquanto confesso com os meus desejos a incapacidade espiritual em que ainda me encontro para a identificação mais ampla dos ensinamentos do Cristo.
Deus acumule as suas reservas de abnegação e paciência no caminho em que jornadeamos juntos, de vez que nos achamos escorados em seu carinho e em seu trabalho.
“Veia”, você tem razão como sempre. Necessitamos aprender a servir com intensidade constante e crescente. Não importa que alguém nos considere birutados pela fé religiosa. É preciso esquecer essas jogadas dos que brincam de viver e sacar a Verdade de nós, por nós mesmos.
Silêncio para qualquer apontamento irônico. Os que adoram indiferença ou sarcasmo, voltarão um dia ao rumo certo.
E quem avança na estrada, não dispõe de tempo a fim de passar recibo em ofensas, ou retirar sarrafos que se nos atirem.
O próximo é a ponte ou o viaduto, em que nos aproximamos cada vez mais de Deus, quando seguimos adiante, procurando auxiliar e esquecer.
Mãe querida, muito obrigado. É tudo o que lhe posso dizer. Agradeço a você não ficar parada em casa, cozinhando lembranças amargas. Estamos juntos e caminharemos unidos para a frente. Você, “Veia”, está me apontando a senda verdadeira para o reencontro com a Família Maior, em que todos nós integramos.
Nosso Alvicto abraça a nossa irmã Lélia, e pede-lhe prosseguir na humildade e no silêncio de mãe, em que ela vem conhecendo sob novos prismas. Ele declara que a filha Simone, tanto quanto o Luiz e o Antenorzinho, (6) estão sempre em seus braços de trabalhador — braços de vigilância e carinho com que nosso amigo continua velando pelo campo doméstico. Ninguém consegue desinteressar-se do mundo, no que se reporte ao mundo daqueles que lhe são amados. Estamos todos magneticamente interligados uns com os outros, na marcha.
Dia a dia, a melhora vai pintando em nós um novo quadro de compreensão humana. Por isso é que peço a você muita serenidade e confiança em Deus e na vida.
Enquanto a porteira estiver fechada do lado de cá, isso é sinal de que o seu menino Henrique não pode abri-la. E isso acontece, “Veia”, porque as Leis de Deus querem você ainda por aí nas tarefas do auxílio.
É preciso fazermos força e aceitar a luta que se nos oferece. A evolução é vagarosa.
A cabeça não dá para conter todos os ensinamentos da vida, de uma só vez, e nem o coração é caixa forte, tão forte, que consiga guardar todas as emoções de que necessitamos para a promoção.
Hoje é um contratempo, amanhã uma desilusão, depois de amanhã é uma prova maior contendo novas exortações, e a gente vai indo…
De quando em quando, um companheiro tropeça ou cai ribanceira abaixo, mas a equipe estaca, na medida possível, e presta socorro indispensável ao companheiro em problemas de omissão.
De qualquer modo, regozijemo-nos. Regozijemo-nos porque um Natal diferente está acontecendo em nós.
Amigos diversos se reúnem agora conosco. Um deles, o nosso caro Júnior, (7) solicita seja você a intérprete do carinho e das lembranças dele à família. Sem dúvida, comunicou-se atarantado, qual nos ocorre muitas vezes, e deu a impressão de que usou cerimônia e algum desinteresse para com os parentes.
Mas não é fácil escrever pela mediunidade, ao redor de muita gente. Se nos internamos em ternura, mesmo autêntica, para com os nossos entes amados, fornecemos a impressão de Espíritos agarrados às convenções humanas, e se evidenciamos algum equilíbrio, exportamos a ideia de que andamos por aqui desmemoriados ou indiferentes.
Mas não é bem assim. Quando nos expressamos na mediunidade pelas primeiras vezes, parecemo-nos com os estreantes de palco. Muitas vezes, esquecemos o papel a representar, e fica a impressão de que estamos distantes daquilo que é mais nosso.
Sigamos, porém, para a frente, contando as bênçãos, e a soma das bênçãos excederá de muito a conta dos nossos supostos lapsos de atenção.
A vida é um cântico de amor, e não existem notas dissonantes suscetíveis de desfigurá-lo. Amar-nos-emos sempre, e amar-nos-emos cada vez mais.
“Veia” querida, por meu pai Gastão e por todos os nossos, deixamos aqui, a você, os nossos votos de Feliz Natal e Feliz Ano Novo, entendendo sempre que a nossa felicidade real se inicia do ponto em que começamos a trabalhar em favor dos outros.
Terminando, peço a você dizer ao tio Wilson que o tio Jorginho (8) tem visitado a todos os nossos, e que vem se promovendo cada vez mais no serviço ao próximo — escola em que nem todos aceitam com facilidade, onde estamos.
A todos os nossos aquele plá do Natal, carregado com as diferenças que estou registrando; aceitar Jesus mais e permanecer menos conosco, de vez que só Jesus nos arranca de nossos pensamentos inferiores.
Muita alegria e paz a todos, e para você, querida Dona Augustinha, o coração de seu filho na forma de uma estrela de esperança, a esperança de merecer o seu carinho e prosseguir aprendendo com os seus passos.
Muitos beijos em sua fronte querida, com todo o carinho e gratidão de seu filho, sempre cada vez mais seu,
Henrique
ALEGRIA ILUMINADA DE PRECES E LÁGRIMAS
Remetendo o leitor à obra Enxugando Lágrimas, n onde comparece Henrique e existem dados biográficos mais extensos sobre o jovem Autor Espiritual, limitemo-nos, aqui, aos elementos indispensáveis para o estudo do capítulo a que denominamos “Somos o que sentimos”.
Filho de Gastão Henrique Gregoris e de D. Augusta Soares Gregoris, nasceu Henrique Emmanuel Gregoris em Goiânia, a 7 de julho de 1952, aí desencarnando a 10 de fevereiro de 1976, em consequência de acidente com arma de fogo.
O amigo com quem Henrique se encontrava, no local da ocorrência, foi, meses depois, absolvido pela Justiça.
A família Gregoris, não concordando com semelhante determinação, apelou à Instância Superior, mas, para surpresa de todos, o médium Chico Xavier, dois dias depois, em Goiânia, pessoalmente, transmitiu o recado do Espírito de Henrique, solicitando à D. Augustinha que perdoasse o amigo.
E assim foi feito.
(1) — “Veia “: Henrique prossegue usando o tratamento carinhoso, ao se dirigir à sua genitora.
(2) — Pai Gastão, amigo Oscar, avô Manoel, tio Labieno e amigo Alvicto: Sobre os nomes citados — Gastão Henrique Gregoris; Oscar Masaaki Tsuruda; Manoel Soares; Labieno Soares e Alvicto Osoris Nogueira — Cf. Enxugando Lágrimas, págs. 63-68 e 94-136.
(3) — Eduardo, Márcia e Ângela: Irmãos de Henrique.
(4) — Mário Lúcio e Luiz Antônio: Cunhados do comunicante.
(5) — Tio Wilson e tia Gilca: Trata-se do Sr. Wilson e D. Gilca Fidalgo, residentes em Brasília, D.F.
(6) — Lélia, Simone, Luiz e Antenorzinho: Familiares do Espírito de Alvicto, residentes e muito estimados em Goiânia.
(7) — Júnior: O Espírito se refere a Juarez Távora de Azeredo Coutinho Júnior, filho do Sr. Juarez Távora de Azeredo Coutinho e de D. Glória Coutinho, desencarnado em acidente, a 15 de dezembro de 1976.
(8) — Jorginho: Alusão ao filho do Sr. Jorge Fidalgo e de D. Maria Fidalgo, desencarnado, há alguns anos, em Brasília, DF., vítima de acidente.
A mensagem de Henrique, psicografada pelo médium Xavier, em sua residência, na noite de Natal — 24 de dezembro de 1977, em Uberaba, Minas, com efeito, dá-nos o que pensar.
Observemos, apenas, os seguintes passos:
a) “Somos o que sentimos, vivemos naquilo que pensamos, e criamos naquilo que estejamos fazendo. Uma página humana ao vivo, vale por muitas lições lidas.” Quando as criaturas humanas compreenderem a realidade desta passagem, a nosso ver, a Terra já terá passado à condição de Mundo de Regeneração. Que todos nós, sem perda de tempo, principalmente os que lavram o campo da paternidade e da maternidade, nos conscientizemos de semelhante verdade, a fim de que possamos colaborar para que a Terra, quanto antes, conclua o seu abençoado estágio de Mundo de Expiações e Provas.
b) Sobre o egoísmo, cujas escamas nos recobrem a visão, consultemos os n.os 913 a 917 de O Livro dos Espíritos, e o nº 11 do Cap. XI de O Evangelho segundo o Espiritismo, ambos de Allan Kardec.
c) “Necessitamos aprender a servir com intensidade constante e crescente. Não importa que alguém nos considere birutados pela fé religiosa. É preciso esquecer essas jogadas dos que brincam de viver e sacar a Verdade de nós, por nós mesmos.” — Quantos há que se afastam das atividades religiosas, com medo de que alguém os tenha à conta de fracos? Lembremo-nos, a propósito, das palavras do Codificador do Espiritismo, ao final da questão nº 148 de O Livro dos Espíritos, quando nos recorda que se a nossa sociedade fosse fundada sobre o materialismo, “os seus membros se despedaçariam entre si, como animais ferozes.”
d) Depois de nos recomendar “silêncio para qualquer apontamento irônico”, — e de nos mostrar que a evolução é longa, e de que é preciso fazermos força e aceitar a luta que se nos oferece, arremata Henrique:
“De qualquer modo, regozijemo-nos. Regozijemo-nos porque um Natal diferente está acontecendo em nós.”
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