segunda-feira, 12 de julho de 2021

Joanna de Ângelis - Livro O Homem Integral - Divaldo P. Franco - 6.ª Parte - Maturidade psicológica - Cap. 22 - Ter e ser




Joanna de Ângelis - Livro O Homem Integral - Divaldo P. Franco - 6.ª Parte - Maturidade psicológica - Cap. 22


Ter e ser


A psicologia sociológica do passado recomendava a posse como forma de segurança. A felicidade era medida em razão dos haveres acumulados, e a tranquilidade se apresentava como a falta de preocupação em relação ao presente como ao futuro.

Aguardar uma velhice descansada, sem problemas financeiros, impunha-se como a grande meta a conquistar.

A escala de valores mantinha como patamar mais elevado a fortuna endinheirada, como se a vida se restringisse a negócios, à compra e venda de coisas, de favores, de posições.

Mesmo as religiões, preconizando a renúncia ao mundo e aos bens terrenos, reverenciavam os poderosos, os ricos, enquanto se adornavam de requintes, e seus templos se transformavam em verdadeiros bazares, palácios e museus frios, nos quais a solidariedade e o amor passavam desconhecidos.

A felicidade se apresentava possível, desde que se pudesse comprá-la. Todos os programas traziam como impositivo prioritário o prestígio social decorrente da posse financeira ou do poder político.

Cunhou-se o conceito irônico de que o dinheiro não dá felicidade, porém ajuda a consegui-la. Ninguém o contesta; no entanto, ele não é tudo.

O imediatismo substituiu os valores legítimos da vida, e houve uma natural subestima pelos códigos éticos e morais, as conquistas intelectuais, as virtudes, por parecerem de somenos importância.

Não se excogitava, então, averiguar se as pessoas poderosas e possuidoras de coisas eram realmente felizes, ou se apenas fingiam sê-lo.

Não se indagava a respeito das reais ambições dos seres, e quanto dariam para despojar-se de tudo, a fim de serem outrem ou fazerem o que lhes aprazia, e não o que se lhes impunham.

Embora os avanços da Psicologia profunda, na atualidade, ainda permanecem alguns bolsões de imposição para que o homem tenha, sem a preocupação com o que ele seja.

O prolongamento da idade infantil, em mecanismos escapistas da personalidade, faz com que a existência permaneça como um jogo, e os bens, como as pessoas, tornem-se brinquedos nas mãos dos seus possuidores.

Os homens, entretanto, não são marionetes de fácil manipulação. Cada indivíduo tem as suas próprias aspirações e metas, não podendo ser movido pelo prazer insano ou com bons propósitos que sejam, por outras pessoas.

Esses atavismos infantis não absorvidos pela idade adulta, impedindo o amadurecimento psicológico encarregado do discernimento, são igualmente responsáveis pela insegurança que leva o indivíduo a amontoar coisas e a cuidar do ego, em detrimento da sua identidade integral. Sem que se dê conta, desumaniza-se e passa à categoria de semideus, desvelando os caprichos infantis, irresponsáveis, que se impõem, satisfazendo as frustrações.

O amadurecimento psicológico equipa o homem de re¬sistências contra os fatores negativos da existência, as ciladas do relacionamento social, as dificuldades do cotidiano.

A vida são todas as ocorrências, agradáveis ou não, que trabalham pelo progresso, em cuja correnteza todos navegam na busca do porto da realização.
Importante, desse modo, é manter-se o equilíbrio entre ser e exteriorizar o que se é, sem conflito comportamental, eliminando os estados de tensão resultantes da insatisfação ou do comodismo, assim, realizando-se, interior e exteriormente.

Nesta luta entre o ego artificial, arquetípico, e o eu real, eterno e evolutivo, os conteúdos ético-morais da vida têm prevalência, devendo ser incorporados à conduta que os automatiza, não mais gerando áreas psicológicas resistentes à autorrealização, e liberando-as para um estado de plenitude relativa, naturalmente, em razão da transitoriedade da existência física.

É óbvio que não fazemos a apologia da escassez ou da miséria, na busca da realização pessoal. Tampouco, propomos o desdém à posse, levando a mente a ilhas onde se homiziam o despeito e a falsa autossuficiência.

A posse é uma necessidade para atender objetivos próprios, que não são únicos nem exclusivos. Os recursos amoedados, o poder político ou social são mecanismos de progresso, de satisfação, enquanto conduzidos pelo homem, qual locomotiva a movimentar os carros que se lhe submetem. Quando se inverte a situação, o iminente desastre está à vista.

Os recursos são para o homem utilizá-los, em vez deste se lhes tornar servil, arrastado pelos famanazes dos interesses subalternos que, de auxiliares da pessoa de destaque, passam à condição de controladores das circunstâncias, aprisionando nas suas hábeis manobras aquele que parece conduzi-las...

Não é a posse que o envilece. Ela faculta-lhe o desabrochar dos valores inatos à personalidade, e os recalques, os conflitos em predominância assomam, prevalecendo-lhe no comportamento.

Eis aí a importância do amadurecimento psicológico do indivíduo, que lhe proporciona os meios de gerir os recursos, sem se lhes submeter aos impositivos. Quando se tem a sabedoria de administrar os valores de qualquer natureza, a benefício da vida e da coletividade, não apenas se possui, sobretudo quando se é livre, nunca possuído pelas enganosas engrenagens dos metais preciosos, dos títulos de negociação, dos documentos de consagração e propriedade, todos, afinal, perecíveis, que mudam de mão, que são fáceis de perder-se, destruir-se, queimar-se...

A integridade e a segurança defluem do que se é, jamais do que se tem.


Joanna de Ângelis









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