Hammed - Livro Os Prazeres da Alma - Francisco do Espírito Santo Neto - Pág. 105
Amor
Nos nossos dias, a maioria dos indivíduos tem conceituado o amor baseando-se tão só no carinho de uma pessoa por outra, na construção romântica e simplista cultivada em nossa cultura, nos versos ingênuos e sonhadores dos poetas ou no que escuta e vê nos meios de comunicação de massa. Na realidade, trata-se de conceitos egoicos quase sempre retirados das frustrações, das inseguranças, da sensualidade e dos sentidos imediatos ou ilusórios.
O amor é um potencial imanente do ser humano. É um fenômeno natural a ser despertado por todos, e não simplesmente algo pronto e guardado nas profundezas da alma, esperando ser descoberto por alguém a qualquer momento.
O amor está na naturalidade da vida de cada um. É uma capacidade a ser desenvolvida, como a inteligência. Um dia, amar será tão fácil como respirar em uma atmosfera pura ou saciar a sede na água translúcida. No "amor real", nós desejamos o bem da outra pessoa e nos alegramos com sua evolução; no "amor romântico", nós desejamos a outra pessoa e nos vestimos com o manto da possessividade. Por não amarmos é que a indiferença e o desprezo vigoram no seio da sociedade.
Quem ama se torna, gradativamente, um indivíduo pleno; por isso, nem sempre é conveniente aos tiranos e dominadores nos incentivar ao amor. Não nos querem libertos, originais e criativos. A melhor forma de destruir um homem é impedi-lo de amar, exterminando, assim, sua naturalidade e espontaneidade.
A sociedade atual, como as de outrora, não encoraja ou estimula os indivíduos a tomar posse de sua mais completa individualidade. Para nossa melhor elucidação: in-diví-duo = não dividido em dois. Do latim individuus: indivisível, uno, que não foi separado.
Os governantes injustos e déspotas querem comandar os corpos; os religiosos fundamentalistas -vinculados a todo e qualquer movimento conservador que enfatiza a obediência rigorosa e literal dos textos de um conjunto de princípios básicos —querem comandar as almas. Querem nos reduzir a fantoches, a simulacro de ser humano, que nada sentem ou pensam. Fantoches são dirigidos, só obedecem, não possuem autonomia, não possuem comando da sua vida.
Se houvesse amor entre os homens, não haveria fronteiras. O amor desenvolve características pessoais, distinguindo e particularizando a criatura. Ao proporcionar-lhe vontade própria e independência, enseja que ela expanda horizontes e dissolva as barreiras onde o padrão e a generalização ergueram paredes.
Quando não amamos, ficamos vazios. Há ausência de diversidade e de multiplicidade na vida interior e na exterior. Amar é uma forma básica de bem viver. Nossas estruturas íntimas estão alicerçadas no amor. Sem amor tudo fenece.
Buscamos a religião ou buscamos a Deus porque perdemos contato com o amor. "Não sabeis que sois um templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?"(1), conforme a expressão de Paulo de Tarso. Por que, então, temos tanta necessidade de buscar a Divindade no exterior ou na superficialidade? A verdadeira religião tem o propósito de nos levar de volta a Deus — ao Amor —, pois, segundo o apóstolo João: "(...) Deus é Amor: aquele que permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele." (2)
Quando a humanidade aprender a amar, todos nós nos reuniremos em torno de uma só religião — o Amor. Aliás, a única religião professada por Jesus Cristo. Amar a Deus, amar ao próximo, amar a nós mesmos. Essa é a mais pura essência dos ensinos do Mestre."
(...) Aliás, quantos não há que creem amar perdidamente, porque não julgam senão sobre as aparências, e quando são obrigados a viver com as pessoas, não tardam a reconhecer que isso não é senão uma admiração material. Não basta estar enamorado de uma pessoa que vos agrada e a quem creiais de belas qualidades; é vivendo realmente com ela que podereis apreciá-la. Quantas também não há dessas uniões que, no início, parecem não dever jamais ser simpáticas, e quando um e outro se conhecem bem e se estudam bem, acabam por se amar com um amor terno e durável, porque repousa sobre a estima! (...)"(3)
Durante anos e anos, comentamos e refletimos sobre o que é o amor; que tal analisarmos alguns sentimentos e emoções que quase sempre confundimos com ele?
• Quando sentimos enorme satisfação por estar ao lado de alguém a quem admiramos excessivamente, pelo seu jeito de falar, vestir, andar, satisfação que se intensifica em recepções ou eventos sociais, onde seremos notados, não se trata de amor, mas de exibicionismo ou narcisismo.
• Quando precisamos desesperadamente de outro ser humano para viver ou ser feliz, estabelecendo para nós privilégios exclusivos, ou melhor, quando requeremos um verdadeiro monopólio de afeto, carinho e atenção dessa pessoa, não se trata de amor, mas de carência íntima ou necessidade afetiva.
• Quando vivemos entre crises de ciúme, num clima de frustração, falta de confiança, tristeza e perda de estímulo para viver, lançando mão de qualquer recurso para manter uma pessoa ao nosso lado, mesmo quando sabemos que não somos amados, não se trata de amor, mas de baixa auto-estima ou desrespeito a nós mesmos.
• Quando acreditamos que nossa existência perderá o sentido e não suportaremos viver sozinhos sem a presença do outro, reclamando, insistentemente, a presença de alguém ao nosso lado para que possamos nos livrar da insegurança ou da instabilidade emocional, não se trata de amor, mas de dependência ou apego compulsivo.
• Quando achamos que devemos ter o controle absoluto sobre outro ser humano, não respeitando nada nem ninguém, dominando sua vida e acreditando que ele deva ter nossos mesmos objetivos, vontades e interesses, não lhe permitindo a livre expressão e o direito de escolher, não se trata de amor, mas de possessividade ou egoísmo.
• Quando discutimos, com freqüência, por motivos banais e nos hostilizamos mutuamente, vivendo entre crises temperamentais e de falta de compreensão, tentando retrucar as ofensas para compensar a insatisfação afetiva ou a insaciabilidade sexual, não se trata de amor, mas de paixão ou simples desejo.
Mesmo aquele que tem pouco amor em seu coração já possui uma pequenina chama que lhe ilumina o caminho nas tempestades escuras da existência humana. A luz de uma simples vela na escuridão da noite pode nos guiar seguramente e - por que não? - também auxiliar os outros companheiros do caminho. Na imensidão da névoa noturna, um humilde vaga-lume consegue ser visto a relativa distância.
Os nossos diminutos anseios de amor assemelham-se a tochas vivas que nos conduzem por entre os abismos e despenhadeiros que enfrentamos nas labutas da vida terrena.
A condição primordial para que possamos realmente partilhar o amor é não impedir o outro de crescer como indivíduo distinto de nós. Quando bloqueamos o crescimento de quem amamos, a relação de afetividade fica segmentada por montanhas de frustração e desapontamento.
"A justiça consiste no respeito aos direitos de cada um. (...) O direito estabelecido pelos homens, portanto, não está sempre conforme a justiça. Aliás, ele não regula senão certas relações sociais, enquanto que, na vida particular, há uma imensidade de atos que são unicamente da alçada do tribunal da consciência."(4)
O "respeito aos direitos de cada um", a que se referem os Guias Espirituais, está fundamentado, acima de tudo, nos bens imortais ou valores íntimos que conquistamos e que nos dão o direito de uso, desfrute e disposição, sem desacatar, afrontar ou impedir, no entanto, o crescimento das pessoas com quem convivemos.
O ultraje e o desrespeito no amor têm como "pano de fundo" certas características psicológicas de indivíduos que negam seus próprios temores, inseguranças e fraquezas e que se compensam utilizando comportamentos autoritários, possessividade e arrogância.
No amor não é preciso viver como se estivéssemos num "torneio", tentando medir forças ou exibir a importância de nosso valor por meio de imposições, discussões e disputas diárias. O respeito legitima e valoriza o amor, que sempre vem acompanhado de atenção, colaboração, companheirismo e afetuosidade.
Quando amamos alguém, o melhor a fazer é mostrar-lhe nossa "visão de mundo". No entanto, devemos dar-lhe o direito de aceitar ou de recusar nossas idéias e pensamentos, sem causar-lhe nenhum constrangimento nem utilizar expressões de subordinação.
Eis algumas notas importantes para todos aqueles que pretendem cultivar o amor pleno:
• respeitar o valor das diferenças pessoais;
• evitar atitudes de possessividade afetiva;
• admitir que todos estamos sujeitos ao erro;
• abandonar a ideia de ser compreendido em tudo;
• assumir a responsabilidade pelos atos que praticar;
• não esquecer a própria identidade;
• jamais querer mudar as pessoas pelos seus pontos de vista;
• usar sempre a sinceridade como defesa;
• perceber suas limitações para poder compreender as dos outros;
• entender que, em se tratando do amor, todos somos ainda aprendizes.
No que diz respeito a laços afetivos, por mais envolvimento que haja em termos de simpatia, ternura e anseio, a dinâmica que nos manterá unidos a outra pessoa será invariavelmente o respeito mútuo. Se desejarmos conviver bem afetivamente, deveremos nos empenhar na aquisição da sabedoria interior, que é sempre uma tarefa pessoal.
Para atingirmos a plenitude do amor, é necessário nos libertarmos das crises de onipotência, pois somente admitindo nossa vulnerabilidade é que criaremos uma situação favorável para o êxito no amor.
O amor nos põe à disposição o mais frutífero e abençoado dos terrenos para o crescimento interior. Esse "solo fecundo", quando fertilizado pelo afeto real, nos faz abrir mão da ilusão de possuir toda a verdade, eliminando, em conseqüência, nossas síndromes de inflexibilidade.
Os livros sagrados das religiões de todos os tempos sempre ensinaram como mandamento supremo o amor.
O verdadeiro sentido da religiosidade é a união amorosa que interliga uns aos outros como filhos do mesmo Pai. A ternura é uma poderosa fonte de sustentação das almas. Exercitemos o amor, pois esse nobre sentimento somente se efetiva quando expressado em atos e atitudes.
A Religião Universal consiste basicamente no cultivo do amor e da liberdade, além da ajuda generosa em favor das criaturas e da harmonia cósmica, o que nos levará a perceber a diferença entre o ilusório e temporal e o concreto e verdadeiro.
O real sentido da religiosidade deve levar-nos ao amor e Àquele que é o Amor Maior. A propósito, a melhor forma de estar vinculado a Deus é sermos partidários do amor, da fraternidade e da união entre os homens.
O apóstolo João narra no Novo Testamento que certa ocasião o Mestre estava reunido na intimidade de seus companheiros de tarefa da Boa Nova quando afirmou: "(...) Em verdade, em verdade, vos digo: um de vós me entregará". Essa revelação causou espanto e indignação entre os seus amigos queridos.
"Estava à mesa, ao lado de Jesus, um de seus discípulos, aquele que Jesus amava. Simão Pedro faz-lhe, então, um sinal e diz-lhe: Pergunta-lhe quem é aquele de que fala. Ele, então, reclinando-se sobre o peito de Jesus, diz-lhe: Quem é, Senhor?"(5)
Um simples carinho, dar as mãos, um "reclinar de cabeça sobre o peito" têm o potencial de renovar uma criatura para a vida inteira. Um abraço cordial em uma pessoa frustrada lhe dará coragem de tentar de novo, até ser bem sucedida. Cada um de nós, com um sincero olhar amoroso, pode remover a barreira que tolhe o deslanchar da vida de alguém.
A atitude terna do apóstolo João para com o Mestre demonstra a afetividade branda e natural com que Jesus ensinava seus discípulos, com eles partilhando gestos de ternura que fluíam espontaneamente.
O Novo Testamento está repleto de narrativas simplesmente comovedoras: Ele "sentia compaixão", "tinha misericórdia" e "amor pelos amigos". Descreve suas emoções, que nasciam de modo abundante em contato com os lírios do campo, os pássaros do céu, junto ao alarido alegre das crianças. As lições evangélicas se reportam à sua capacidade amorosa de participar de reuniões festivas e de confraternização nos lares de amigos. Nas bodas de Caná, Jesus e sua mãe se associam às alegrias de um festim de casamento.
A imensa afeição de Jesus não é diminuta e restrita; ao contrário, é grandiosa e abrangente. Pode-se ver claramente a característica da afetividade do Mestre — criativa comunhão de sentimentos com aqueles que o cercam. Ele é uma criatura excepcional que envolve a todos com seu amor.
Sentir e emocionar-se. Olhar com apreço o próximo, ser amigo. Estender a mão e estar junto, abraçar carinhosamente, são atitudes que podem partir naturalmente de cada um de nós. O medo de nos aproximarmos das pessoas está relacionado a antigas idéias preconceituosas ou a tabus sexuais que exercem sua função de forma subliminar ou inconsciente em nossas vidas. São crenças que nos induzem a crer que qualquer contato físico pressupõe um envolvimento sexual.
Um bloqueio denso e inflexível tomou conta de nossas relações afetivas. Essa nossa inibição pode estar diretamente conectada a uma infância carente de amor e cheia de malícia e preconceitos. A personalidade de uma criança é profundamente influenciada pelos pais e pelos adultos com os quais conviveu no cotidiano do lar, da escola, da rua.
A crença equivocada de que a sexualidade está somente ligada às atividades dos órgãos genitais ou das relações sexuais causou nas crianças de ontem, adultos do hoje, um verdadeiro desastre em seu desenvolvimento social e psicossexual.
Quando nos reportamos à sexualidade, devemos dar ao termo um amplo significado, que envolve a energia sexual como um todo - estética, arte, cultura, sensibilidade, estímulos espirituais, as alegrias vitalizadoras do afeto e outras tantas forças criativas da alma humana.
Propõe o professor Rivail aos representantes do Espírito de Verdade: "Os encontros que ocorrem, algumas vezes, de certas pessoas e que se atribuem ao acaso, não seriam o efeito de uma espécie de relações simpáticas?", os Espíritos respondem à questão com sabedoria: "Há entre os seres pensantes laços que não conheceis ainda. O magnetismo é o guia desta ciência que compreendereis melhor mais tarde."(6)
As "relações simpáticas" e "magnéticas" — afinidade que há entre pessoas que se atraem naturalmente ou similitude no sentir e no pensar que aproxima dois ou mais seres — têm sua origem na energia sexual que, na essência, provém da Criação Divina para formar, renovar e prover todas as criaturas.
Sexualidade e sensualidade não são necessariamente sinônimos, embora uma não anule a outra. A sensualidade pode ser simplesmente uma união física desprovida de qualquer presença do amor. Ela pode estar vinculada à necessidade instintiva do indivíduo em perpetuar a espécie, ou ser meramente um desejo pessoal de satisfazer a carência de duas pessoas. Sem amor e afeição, o ato sexual é apenas a expressão de uma necessidade orgânica que se esvai quando termina a carga erótica, não contribuindo em quase nada para o relacionamento afetivo nem para o desenvolvimento do amor.
Nossa necessidade de amor irá existir durante toda a nossa existência de Espíritos imortais. Não importa a idade, o sexo, a instrução cultural e o requinte social de um indivíduo, ele sempre precisará de ternura.
Vivemos na atualidade a mais grave das privações humanas - a incapacidade de manifestar nosso amor e carinho de modo claro e honesto e sem nenhum receio de ser mal interpretados. É complicado vivermos afastados dos outros; é tão mais fácil abraçarmos calorosamente aqueles a quem queremos mostrar o nosso afeto, quebrando a distância que nos separa deles.
Hammed
(1) 1 Coríntios, 3:16
(2) 1 João, 4:16
(3) Questão 939 - Visto que os Espíritos simpáticos são levados a unir-se, como se dá que, entre os Espíritos encarnados, a afeição não esteja, freqüentemente, senão de um lado, e que o amor mais sincero seja recebido com indiferença e mesmo repulsa? Como, de outra parte, a afeição mais viva de dois seres pode mudar em antipatia e, algumas vezes, em ódio?
"Não compreendeis, pois, que é uma punição, mas que não é senão passageira. Aliás, quantos não há que creem amar perdidamente, porque não julgam senão sobre as aparências, e quando são obrigados a viver com as pessoas, não tardam a reconhecer que isso não é senão uma admiração material. Não basta estar enamorado de uma pessoa que vos agrada e a quem creiais de belas qualidades; é vivendo realmente com ela que podereis apreciá-la. Quantas também não há dessas uniões que, no início, parecem não dever jamais ser simpáticas, e quando um e outro se conhecem bem e se estudam bem, acabam por se amar com um amor terno e durável, porque repousa sobre a estima! É preciso não esquecer que é o Espírito que ama e não o corpo, e, quando a ilusão material se dissipa, o Espírito vê a realidade. Há duas espécies de afeições: a do corpo e a da alma e, freqüentemente, se toma uma pela outra. A afeição da alma, quando pura e simpática, é durável; a do corpo é perecível. Eis porque, freqüentemente, aqueles que creem se amar, com um amor eterno, se odeiam quando a ilusão termina. "
(4) Questão 875 - Como se pode definir a justiça?
"Ajustiça consiste no respeito aos direitos de cada um."
O que determina esses direitos?
"Duas coisas os determinam: a lei humana e a lei natural. Tendo os homens feito leis apropriadas aos seus costumes e ao seu caráter, essas leis estabeleceram direitos que puderam variar com o progresso dos conhecimentos. Vede se vossas leis de hoje, sem serem perfeitas, consagram os mesmos direitos da Idade Média. Esses direitos antiquados, que vos parecem monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. O direito estabelecido pelos homens, portanto, não está sempre conforme a justiça. Aliás, ele não regula senão certas relações sociais, enquanto que, na vida particular, há uma imensidade de atos que são unicamente da alçada do tribunal da consciência."
(5) João, 13:21 e 23 a 25
(6) Questão 388 - Os encontros que ocorrem, algumas vezes, de certas pessoas e que se atribuem ao acaso, não seriam o efeito de uma espécie de relações simpáticas?
"Há entre os seres pensantes laços que não conheceis ainda. O magnetismo é o guia desta ciência que compreendereis melhor mais tarde."
Fonte: Os Prazeres da Alma-pdf
Nenhum comentário:
Postar um comentário