Ermance Dufaux - Livro Escutando Sentimentos: a Atitude de Amar-nos Como Merecemos - Wanderley S. de Oliveira - Prefácio
Escutando a Alma
"Ouça quem tem ouvidos de ouvir." O Evangelho Segundo o Espiritismo - Cap. 17 - Item 5
Os apontamentos aqui organizados constituem indicativas às preces angustiadas de milhões de almas que anseiam a felicidade sem saber como e o que fazer para alcançá-la.
Inúmeras dessas rogativas partem de corações queridos iluminados com o conhecimento espírita. Aflitos uns, desanimados outros, apesar do clarão do saber doutrinário, sentem-se frustrados ao examinarem sua vida interior. Tarefas e orientação, prece e esforço, segundo suas súplicas, não têm sido suficientes. Continuam, dia após dia, carregando o martírio mental sem soluções ou alternativas de sossego e paz interior.
Adentramos o período da maioridade. O Espiritismo é uma semente viçosa e promissora cultivada com sacrifício e renúncia por lavradores heroicos. Contudo, de que servirá as sementes se não forem lançadas no terreno fértil? É sob o Sol escaldante deste momento de transição que nos compete lavrar o chão e dominar o arado para o plantio de um novo tempo na própria intimidade.
O período de maioridade das ideias espíritas será alcançado com a instauração das atitudes de amor em nossas relações. Para isso, torna-se indispensável aprofundar a sonda da investigação mental no reino subjetivo dos sentimentos.
Quando conseguirmos melhor desenvoltura para mapear nossa vida moral com intenções nobres, renovaremos a conduta manifestando serenidade e autocontrole. O caminho é universal. É o mesmo para todos: o bem e o amor. A forma de caminhar, porém, é essencialmente individual, particular.
A mensagem espírita, em muitas ocasiões, é difundida como ameaça e recebida como tormenta por muitos adeptos. Ressalta excessivamente as feridas, estipulam rigidez de conduta e excessos normativos. Urge dar um '"novo sentido" à mensagem consoladora. A Doutrina Espírita é a Boa Nova dos tempos modernos. Sua mais nobre característica consoladora somente será comprovada quando seus postulados estiverem a serviço da libertação de consciências, através da responsabilidade e do amor.
Nas preces angustiadas de muitos adeptos, ouvimos as indagações: "O que me falta fazer para ser feliz?", "Onde estou falhando?", "Será uma obsessão que me persegue?', "Por que me encontro assim?", "Não deveria estar melhor?", "Como harmonizar padrões doutrinários com sentimentos pessoais?." E as questões multiplicam ao infinito traduzindo apelos comoventes e dúvidas sinceras.
A pedido de Doutor Bezerra de Menezes - amorável tutor das dores humanas - destinamos ao mundo físico este volume singelo. Aqui anotamos alguns ensinos inesquecíveis que marcaram a visita de uma semana do instrutor Calderaro ao Hospital Esperança, cuja missão foi a realização de serviços complexos nas mais profundas plagas de sofrimento da erraticidade.
Nossos núcleos de amor cristão e espírita alicerçaram bases seguras para informação doutrinária no século XX. Compete-nos agora semear o afeto, as propostas renovadoras do coração, o desenvolvimento das habilidades emocionais. O século XXI é o século do sentimento.
Trabalhar pelo desenvolvimento dos potenciais e das virtudes humanas, esse o objetivo sagrado da mensagem imortalista do Espiritismo no século XXI. Educar para ser, educar para conviver bem consigo, educar para ser feliz, eis os pilares da harmonia interior e da felicidade à luz do Espírito imortal neste século do coração.
A informação consola e instrui. A transformação liberta e moraliza.
A informação impulsiona. A transformação descobre.
Os informados pensam. Os transformados criam.
A teoria impulsiona a busca de novos valores. A reeducação dos sentimentos enseja a paz interior.
As diretrizes doutrinárias estimulam convenções que servem de limites disciplinadores. A renovação da sensibilidade conduz-nos ao encontro da singularidade que permite a plenitude íntima.
Inteligência - o instrumento evolutivo para as conquistas de fora.
Sentimento - conquista evolutiva para aquisições íntimas.
Na acústica da alma existem mensagens sobre o Plano do Criador para nosso destino. Aprender a ouvi-las é exercitar, diariamente, a plena atenção aos ditames libertadores dos sentimentos. Interferências internas e externas subtraem-nos, constantemente, a apreensão desses "recados do coração".
Escutar os sentimentos não significa adotá-los prontamente, mas aceitá-los em nossa intimidade e criar uma relação amigável com todos eles. Aceitá-los sem reprimir ou se envergonhar. Essa atitude é o primeiro passo para um diálogo educativo com nosso mundo íntimo. Somente assim teremos uma conexão com nossa real identidade psicológica, possibilitando a rica aventura do autodescobrimento no rumo da singularidade - a identidade cósmica do Espírito.
Escutar os sentimentos é cuidar de si, amar a si mesmo. É uma mudança de atitude consigo. O ato de existir ocorre no sentimento. Quem pensa corretamente sobrevive; quem sente nobremente existe. O pensamento é a janela para a realidade; o sentimento é o ponto de encontro com a Verdade. É pela nossa forma de sentir a vida que nos tornamos singulares, únicos e celebramos a individualidade. Quando entramos em sintonia com nossa exclusividade e manifestamos o que somos, a felicidade acontece em nossas vidas.
O sentimento é a maior conquista evolutiva do Espírito. Aprendendo a escutá-lo, estaremos entendendo melhor a nossa alma. Não existe um só sentimento que não tenha importância no processo do crescimento pessoal. Quando digo a mim mesmo "não posso sentir isto", simplesmente estou desprezando a oportunidade de autoinvestigação, de saber qual é ou quais são as mensagens profundas da vida mental.
O exercício do autoamor está em aprender a ouvir a "voz do coração", pois nele residem os ditames para nossa paz e harmonia.
Os sentimentos são guias infalíveis da alma na sua busca de ascensão e liberdade. O autoamor consiste na arte de aprender a escutá-los, estudar a linguagem do coração.
Pela linguagem dos sentimentos, entendemos o "apoio" do universo a nosso favor. Mas como seguir nossos sentimentos com tantas ilusões? Eis a ingente tarefa de nossos grêmios de amor espírita-cristão: educar para ouvir os nossos sentimentos. Radiografar nosso coração. Desenvolver estudos sistematizados de si mesmo.
Temos nos esforçado tanto quanto possível para aplicar as orientações da doutrina com nosso próximo. Mas... E nós? Como cuidar de nós próprios? A proposta libertadora de Jesus estabelece: "amai ao próximo", e acrescenta: "como a ti mesmo".
Os impulsos do self não atendidos, com o tempo, transformam-se em tristeza, angústia, desânimo, mau-humor, depressão, irritação, melindre e insatisfação crônica.
Além dos fatores de ordem evolutiva, encontramos gravames sociais para a questão da baixa autoestima.
As gerações nascidas na segunda metade do século XX atingem o alvorecer do século XXI com "feridas psicológicas" profundas resultantes de uma sociedade repressiva, cujas relações de amor, com raras e heroicas exceções, foram vividas de modo condicional através de exigências. Para ser amada, a criança teve que atender a estereótipos de conduta. Um amor compensatório. Um rigor que afasta o ser humano de sua individualidade soterrando sua vocação, seus instintos, suas habilidades e até mesmo imperfeições. O pior efeito dessa repressão social é a distância que se criou dos sentimentos.
Essa geração pós-guerra vive na atualidade o conflito decorrente de céleres mudanças na educação e na ciência, que constrange ao gigantesco desafio de responder à intrigante questão: quem sou eu?
Paciência, atenção, perdão, tolerância, não julgamento, caridade e tantos outros ensinos do Evangelho que procuramos na relação com o próximo, devem ser aplicados, igualmente, a nós mesmos. Então surge a pergunta: Como?
Distante de nós a pretensão de responder. Nossa proposta consiste em oferecer alguns subsídios para pensarmos juntos sobre essa questão. Moveu-nos apenas o sentimento de ser útil, compartilhar vivências que suscitem o debate, a reflexão conjunta, a meditação e o estudo em nossos grupos de amor espírita e cristão. Grupos dispostos a compreender a linguagem emocional sob a ótica da imortalidade.
Temos no Hospital Esperança os grupos de reencontro, que são atividades de psicologia da alma com fins terapêuticos e educacionais - verdadeiras oficinas do sentimento. No plano físico, atividades similares poderão constituir uma autêntica pedagogia de contextualização para a mensagem de amor contida no Evangelho e na codificação Kardequiana.
Nestas páginas oferecemos alguns enfoques elementares para a composição de grupos de estudos à luz da mensagem renovadora do Espiritismo, cujo objetivo seja discutir o ingente desafio de aprender a amar a nós mesmos tanto quanto merecemos, promovendo o desenvolvimento pessoal à luz da imortalidade. Grupos de reencontro que se estruturem como encantadoras oficinas do coração.
Nossos textos nada possuem de conclusivos. Ao contrário, são sugestões singelas com intuito de serem debatidos, pesquisados e contestados, visando ampliação do entendimento e uma reformulação de conceitos sobre a arte de sentir e viver. Exaramos algumas ideias que nos auxiliam a pensar em nosso bem sem sermos egoístas, conquistarmos autonomia sem vaidade, galgarmos os degraus do autoamor sem arrogância.
Fique claro: autoamor não é treinar o pensamento para beneficiar a si, mas educar o sentimento para "escutar" Deus em nós. Descobrir nosso valor pessoal na Obra da Criação.
Tecemos nossas considerações inspiradas em O Evangelho Segundo O Espiritismo. As palavras imorredouras da Boa Nova constituem o cânone mais completo de psicologia da felicidade para os habitantes do planeta Terra.
Façamos o mergulho interior na fala do Mestre: "Ouça quem tem ouvidos de ouvir."
Em outra ocasião (...) voltou-se para a multidão, e disse: quem tocou nas minhas vestes? (1). Escutando e auscultando o coração feminino que lhe procurou rico de sensibilidade e afeto.
Escutemos a alma e suas manifestações no coração! Celebremos a experiência de amarmo-nos tanto quanto merecemos!
O eminente Doutor Carl Gustav Jung asseverou: "Nenhuma circunstância exterior substitui a experiência interna. E é só à luz dos acontecimentos internos que entendo a mim mesmo. São eles que constituem a singularidade de minha vida" (2).
Escutemos os sentimentos e nossa vida terá mais encanto, alegria e paz.
Nutrida pelas melhores esperanças de cooperar e servir, destino aos leitores e amigos de ideal um abraço afetuoso.
Ermance Dufaux
Setembro de 2006
(1) Mateus 9:29.
(2) C. G. Jung, "Entrevistas e Encontros", Editora Cultrix.
SELF*
"É o arquétipo da totalidade, isto é, tendência existente no inconsciente de todo ser humano à busca do máximo de si mesmo e ao encontro com Deus. É o centro organizador da psiquê. É o centro do aparelho psíquico, englobando o consciente e o inconsciente. Como arquétipo, se apresenta nos sonhos, mitos e contos de fadas como uma personalidade superior, como um rei, um salvador ou um redentor. É uma dimensão da qual o ego evolui e se constitui. O Self é o arquétipo central da ordem, da organização. São numerosos os símbolos oníricos do Self, a maioria deles aparecendo como figura central no sonho".
(trecho extraído da obra "Mito Pessoal e Destino Humano" do escritor espírita e psicólogo Adenáuer Novaes)
SOMBRA*
"É a parte da personalidade que é por nós negada ou desconhecida, cujos conteúdos são incompatíveis com a conduta consciente".
(trecho extraído da obra "Psicologia e Espiritualidade" do escritor espírita e psicólogo Adenáuer Novaes).
* Nota do Médium: Conceitos Junguianos usados pela autora espiritual na obra.
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